Acórdão nº 01134/18.0BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Março de 2023

Data08 Março 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, deduzida e requerida a arguição de nulidade por A..., LIMITED, com os sinais dos autos, do Acórdão de 09/11/2022, que decidiu negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente contra a sentença proferida nos autos acima identificados, nos termos da qual se julgou improcedente a Impugnação Judicial apresentada contra os atos de liquidação de Imposto Especial sobre o Jogo Online (“IEJO”), praticados por referência ao exercício de Dezembro de 2016.

Irresignada, a recorrente A..., LIMITED formulou a arguição de nulidade, nos termos e pelos seguintes fundamentos: 1. Nas alegações de recurso apresentadas junto deste douto Supremo Tribunal Administrativo a Recorrente sustentou, de forma expressa, que a sentença recorrida incorreu em erro sobre os pressupostos de direito, julgando legais os atos de liquidação de IEJO, referentes ao ano de 2016, uma vez que os mesmos foram praticados ao abrigo de normas que violam de forma clara os princípios da igualdade e da proporcionalidade, ambos com previsão constitucional.

  1. Com efeito, a Recorrente invocou e demonstrou, através das suas alegações de recurso, que o legislador estabelece no Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (“RJO”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29.04.2015, uma diferença entre jogos de fortuna e azar online, apostas hípicas online, apostas desportivas cruzadas online e apostas desportivas e hípicas à cota online, incidindo a tributação das três primeiras sobre a receita bruta da entidade exploradora ou sobre as comissões cobradas, e, nas duas últimas, sobre o montante das apostas efetuadas.

  2. A Recorrente invocou, ainda, de forma expressa, nas suas alegações de recurso, que o legislador discrimina positivamente as apostas desportivas de base territorial promovidas pela SCML, tributando-as à taxa de 4,5% (Verba 11.3 da Tabela Geral de Imposto de Selo), estando o imposto incluído no preço de venda da aposta, ao passo que sujeita as restantes apostas, designadamente, as apostas à cota online a taxas progressivas que vão de 8% a 16% e que incidem sobre o montante total das apostas efetuadas.

  3. Ou seja, foi demonstrado através do recurso apresentado, junto deste douto Supremo Tribunal Administrativo, que o legislador optou por discriminar positivamente um certo tipo de apostas, nomeadamente, os jogos de fortuna e azar online, apostas hípicas online e apostas desportivas cruzadas online, em detrimento de outras, nas quais de incluem as apostas desportivas e hípicas à cota online.

  4. Conforme também enunciado pela Recorrente nas suas alegações de recurso e refletido nas conclusões das mesmas (cf. parágrafo 23 das alegações e alínea f) das conclusões), o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do sistema constitucional global, de conteúdo pluridimensional, que postula várias exigências, designadamente, a de obrigar a um tratamento igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual de situações de facto desiguais, não autorizando o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais. Este princípio, na sua dimensão material ou substancial vincula, desde logo, o legislador ordinário.

  5. Também foi referido que embora o critério subjacente à diferenciação introduzida seja, em si mesmo, constitucionalmente credenciado e racionalmente não infundado, a desigualdade justificada pela diferenciação de situações nem por isso se tornará “imune a um juízo de proporcionalidade” (cfr. Acórdão n.º 353/2012 do Tribunal Constitucional).

  6. O que significa que a desigualdade do tratamento deverá, quanto à medida em que surge imposta, ser proporcional, quer às razões que justificam o tratamento desigual – não poderá ser “excessiva”, do ponto de vista do desígnio prosseguido –, quer à medida da diferença verificada existir entre o grupo dos destinatários da norma diferenciadora e o grupo daqueles que são excluídos dos seus efeitos ou âmbito de aplicação.

  7. A Recorrente refere, de forma expressa, nas suas alegações de recurso (cf. parágrafo 25, pág. 20 das alegações e na alínea j) das conclusões) que a análise do artigo 90.º, n.º 1 do RJO coloca a questão de saber se o tratamento concedido pelo legislador às apostas desportivas e hípicas à cota online, fazendo incidir a tributação sobre o montante das apostas efetuadas, corresponde a um tratamento proporcionalmente diferenciador do segmento atingido perante o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.

  8. Mais concretamente, tratar-se-á de saber se a medida da diferença constitucionalmente tolerada se compadece com tratamento diferenciador levado a cabo pelo legislador ordinário. A igualdade proporcional só é aferível no contexto, pelo que há que atender ao conjunto diversificado de medidas, teleologicamente unificadas, que acompanham o tratamento de todas as matérias relacionadas com a tributação do jogo.

  9. Para além da maior expressão quantitativa do sacrifício a estas imposto (em confronto com o resultante do sacrifício imposto às entidades exploradoras de jogos de fortuna e azar online, apostas hípicas online, apostas desportivas cruzadas online, incidindo a tributação das três primeiras sobre a receita bruta da entidade exploradora ou sobre as comissões cobradas), constata-se, agora, que o legislador entretanto optou por abandonar a componente progressiva da tributação (cfr. artigo 378.º da Lei n.º 2/2020 que alterou o artigo 90.º do RJO), reconhecendo, assim, ainda que tacitamente, o seu erro e a desproporcionalidade da sua atuação.

  10. Conforme explicado no recurso (cf. parágrafo 25, págs. 20 e 21 das alegações e alínea m) das conclusões), ainda que se entenda que existem diferenças entre os tipos de jogos explorados (jogos de fortuna e azar online, apostas hípicas online, apostas desportivas cruzadas online, apostas desportivas e hípicas à cota online e apostas desportivas de base territorial), a diferença não é de tal maneira significativa que leve a que algumas entidades exploradoras sejam tributadas sobre a sua receita bruta, sendo, assim, apenas tributadas sobre a receita que efetivamente aufiram, e outras sejam tributadas sobre todos os montantes resultantes das apostas efetuadas pelos apostadores. Para não falar da diferença significativa que existe entre estas entidades exploradoras e a SCML, nas apostas desportivas de base territorial, razão pela qual ter-se-á de dizer que estamos perante uma situação de arbítrio legislativo, concretizada através de uma diferenciação de tratamento irrazoável, ao qual falta, inequivocamente, apoio material e constitucional objetivo, pelo que deverá concluir-se que o n.º 1, do artigo 90.º do RJO é violador do princípio da igualdade na sua dimensão de igualdade proporcional.

  11. Assim sendo, impunha-se que o douto Supremo Tribunal Administrativo tivesse apreciado criticamente os fundamentos apresentados pela Recorrente, que se enunciaram anteriormente e que estão refletidos nas alegações de recurso e nas suas conclusões, e tivesse concluído que a sentença a quo, ao não entender assim, fez interpretação inconstitucional da referida norma do IEJO, em violação do princípio da igualdade constante do artigo 13.º da CRP, na sua dimensão de igualdade proporcional, o que foi expressamente invocado tendo em vista o eventual recurso para o Tribunal Constitucional.

  12. Conforme se deixou também expressamente referido no recurso e nas conclusões do mesmo, o tratamento discriminatório revela-se injustificado, não podendo ser encontrado apoio para o seu tratamento discriminatório no facto de estarmos, como se refere na sentença recorrida, perante finalidades extrafiscais.

  13. Também se fez expressa menção ao subprincípio da adequação, não havendo dúvidas de que a medida restritiva de direitos — a tributação do jogo, em especial a tributação das apostas desportivas à cota — é um meio apto para a tributar os rendimentos obtidos pela exploração de jogos.

  14. Assim, tendo o Estado...

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