Acórdão nº 444/21.4PBCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelHELENA BOLIEIRO
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório … Realizada a audiência, a 1.ª instância proferiu sentença em que julgou a acusação e os pedidos de indemnização civil parcialmente procedentes e, em consequência, decidiu:

  1. Absolver o arguido AA pela prática … de um crime de violência doméstica agravado … (na pessoa de BB).

  2. Absolver o arguido AA pela prática … de um crime de violência doméstica agravado … (na pessoa de CC).

  3. Declarar que o arguido AA cometeu factos ilícitos típicos, entre Agosto de 2021 e 09-09-2021, que preenchem os elementos objectivos do tipo legal de crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.os 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código Penal (na pessoa de BB).

  4. Declarar que o arguido AA cometeu factos ilícitos típicos, em 09-09-2021, que preenchem os elementos objetivos do tipo legal de crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.os 1, alínea d), e 2, alínea a), do Código Penal (na pessoa de CC).

  5. Declarar que o arguido AA é inimputável perigoso, nos termos do artigo 20.º, n.º 1 do Código Penal.

  6. Decretar a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e de segurança adequado, fixando-se a sua duração máxima em três anos, sem prejuízo de o internamento findar quando o Tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade que lhe deu origem, nos termos dos artigos 91.º e 92.º do Código Penal; g) Decretar a suspensão da execução do internamento, pelo período de três anos, sujeita a plano a elaborar pela DGRSP, o qual deverá contemplar a sujeição do arguido a tratamento e regime de cura medicamente adequado, com frequência em consultas e manutenção dos fármacos prescritos, assim como a proibição de contactar e de se aproximar da assistente BB.

    Mais condenou o demandado AA a pagar à demandante CC uma compensação, no valor de 1 000,00 € (mil euros) … Condenou ainda o demandado AA a pagar à demandante CC uma compensação no valor de 1 000,00 € (mil euros) … 2. Inconformado, o arguido … veio recorrer da sentença, formulando … as seguintes conclusões (transcrição): “1.ª – A declaração de perigosidade e consequente aplicação da medida de segurança de internamento ao arguido, efetuadas pela douta sentença recorrida, resultam de erro notório na apreciação da prova, a que acresce a manifesta insuficiência para esta decisão da matéria de facto dada como provada.

    1. – A sentença recorrida ao considerar, no ponto 32 do “FACTOS PROVADOS”, que o quadro de perturbação psicótica breve de que o arguido é (ou era) portador é de caracter permanente, extrapolou os meios de aquisição de prova conferidos ao Tribunal, na medida em que tratando-se de matéria que exige especiais conhecimentos científicos, se encontrava excluída do princípio da livre apreciação do julgador nos termos dos disposto no artigo 163.º n.º 1 do CPP.

    2. – Pois, o que resulta do Relatório Pericial é que a perturbação em causa, e que afetava o arguido à data da prática dos factos, se tratava de “perturbação psicótica breve, a que corresponde o código F23.2 da International Classification of Diseases and Related Health Problems (ICD10)” - (cfr. Relatório Pericial), ou seja, de um “Transtorno psicótico agudo e transitório”, ou seja, a perturbação que afetou o arguido, não só não é permanente, antes configurando uma doença aguda, o que significa que é caracterizada por um início súbito, de evolução rápida e curta duração.

    3. – Circunstância que, salvo o sempre devido respeito, deixa prejudicada toda a fundamentação efetuada da douta sentença recorrida, no sentido da aplicação ao arguido da medida de segurança de internamento, pois, não é possível afirmar-se que à data da prolação da sentença recorrida o arguido ainda padecesse de qualquer tipo de perturbação.

    4. – … a aferição da perigosidade do agente, traduzida por meio de uma valoração global do facto e do agente, no fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie, deve ser feita, no momento da decisão.

    5. – … “A prognose individual que interessa ao preenchimento dos pressupostos da medida de internamento acolhidos no artigo 91. º do CP é uma prognose de base clínica (médica)…”, não constituindo uma questão jurídica.

    6. – Sendo consabido que o fundado receio de que o arguido que venha a cometer outros factos da mesma espécie, “enquanto pressuposto legalmente exigido para aplicação de medida de segurança tem de resultar dos autos”, parece manifesto que não resulta, dos factos provados nos presentes, qualquer circunstância que “fundadamente” permita fazer um juízo de prognose individual no sentido da verificação … à data da prolação da douta sentença recorrida, do risco de o arguido praticar factos semelhantes.

    7. – Pelo contrário, existe uma multiplicidade de factos que permitem concluir, com elevado grau de segurança, que o risco de o arguido praticar outros factos da mesma espécie é muito diminuto.

    8. – Concretizando, o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais, por crimes desta ou de outra natureza; o risco de o arguido praticar novos factos poderá ser significativamente reduzido com o cumprimento rigoroso da terapêutica prescrita e o acompanhamento médico, o arguido continua a ser seguido em consultas de psiquiatria, estando sujeito a e acompanhamento psicoterapêutico, tem comparecido às consultas, adota uma atitude de responsabilidade, a perturbação psicótica breve que afetou o arguido é tratável e controlável e ATUALMENTE, o arguido não apresenta atividade psicótica; encontra-se bem inserido, social e profissionalmente.

    9. – Devendo, ainda, ter-se como provado que perturbação psicótica breve que afetava o arguido à data da prática dos factos, tem natureza aguda e transitória, conforme resulta do Relatório Pericial, e não permanente, conforme se deu como provado na douta sentença recorrida.

    10. – E que o arguido não tem registo de qualquer acompanhamento psicológico/psiquiátrico anterior, circunstância que, apesar de não se encontrar elencada nos factos provados, foi utilizada como fundamento pelo tribunal recorrido, embora para justificar a aplicação da medida de internamento (cfr. pag. 25, 5.º e 6.º parágrafos).

    … 13.ª – Deve, assim, ter-se por não verificado um pressuposto exigido pelo artigo 91.º, n.º 1 do Código Penal … 14.ª – A douta sentença recorrida ao considerar o arguido inimputável perigoso e ao aplicar-lhe uma medida de segurança de internamento, com a duração máxima de três anos, violou, senão outras disposições legais pelo menos, o disposto nos artigos 40º, n.º 3; 91º, n.º 1, do Código Penal e 127.º (à contrario) e 163.º n.º 1 do C. P. Penal.

    …”.

    3. Admitido o recurso, o Ministério Público veio apresentar resposta em que pugna pelo seu não provimento … 4. A assistente BB veio também responder ao recurso, pugnando pelo seu não provimento … 5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto … emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente … 6. … o arguido apresentou resposta em que, no essencial, reitera a posição assumida no recurso.

    7. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

    Cumpre agora decidir.

    * II – Fundamentação … … são as seguintes as questões a decidir: - Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

    - Erro notório na apreciação da prova.

    - A incorrecta decisão proferida sobre matéria de facto dada como provada no ponto 32 da sentença recorrida, por violação das regras de valoração da prova pericial, a consequente modificação da decisão e a não aplicação de medida de segurança ao arguido.

    - O juízo de perigosidade criminal do agente.

    * 2. A sentença recorrida.

    2.1. Na sentença proferida pela 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos: “Da Acusação: 1) O arguido AA e a assistente BB, nascida a .../.../1978, casaram em .../.../2004, na freguesia ..., ....

    … 3) Dessa relação nasceu a filha CC, em .../.../2011, que residiu sempre na companhia dos progenitores.

    4) Há cerca de quatro anos, o arguido e a assistente começaram a explorar o ..., sito na Rua ..., em ..., o que originou algumas dificuldades financeiras no agregado familiar.

    5) Durante esse período, e em número de vezes não apurado, quando se encontravam no ..., o arguido AA apelidava a filha CC de “gorda” e dizia-lhe “és uma gorda, és a mais gorda da escola, a mais gorda de todas”, não se inibindo de o fazer perante os clientes do estabelecimento que ali se encontrassem.

    6) A partir de agosto de 2021, o arguido AA começou a demonstrar ciúmes da assistente, passando a afirmar que ouvia vozes e que a mulher tinha amantes.

    7) No dia 5 de setembro de 2021, no interior da residência comum, e sem que nada o fizesse prever, o arguido AA acusou a mulher BB de o andar a trair, dizendo: “Já podes dizer que já sei de tudo e já tenho provas, tens um amante”, “sei perfeitamente que tens um amante, é preto ou cigano ou brasileiro, o que é que andaste a fazer, houve orgias cá em casa”.

    8) No dia 9 de setembro de 2021, pelas 6h, na cozinha da residência comum, o arguido verbalizou que tinha estado a “ouvir mais gravações” e, ato contínuo, questionou a assistente porque motivo queria um empréstimo de cem mil euros.

    9) Quando a assistente lhe respondeu que seria para pagar as dívidas existentes e viverem desafogados, o arguido retorquiu: “ou estás embruxada ou estás doente da cabeça, tem duas personalidades”.

    10) Instantes depois, o arguido e a assistente saíram de casa, na companhia da filha de ambos, em direção ao local de trabalho.

    11) Todavia, cerca das 7h45, já na Rua ..., em ..., quando se encontravam no interior do veículo automóvel, o arguido AA começou a dizer que iria para a casa da sua mãe e que a filha CC tinha que ir com ele, pois “era a proteção dele”.

    12) Logo em seguida, e sem que nada o fizesse prever, o arguido AA saiu do veículo, abriu a porta da frente do lado direito, agarrou a filha CC pelo braço e puxou-a com força...

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