Acórdão nº 3090/20.6T8VNF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA OLINDA GARCIA
Data da Resolução01 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n. 3090/20.6T8VNF.G1.S1 Recorrente: “IMOPEVIDÉM - Comércio, Imobiliária, Transportes e Construções, Ldª” Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. AA propôs a presente ação de anulação de deliberação social contra “IMOPEVIDÉM – Comércio, Imobiliária, Transportes e Construções, Ldª”, com sede no concelho de ..., pedindo a declaração de anulabilidade das deliberações sociais tomadas pela Assembleia Geral realizada a 06.03.2020, identificadas nos pontos dois e três da respetiva ordem de trabalhos.

A ré contestou a ação, defendendo a improcedência do pedido.

2.

Por sentença, de 27.05.2021, a primeira instância proferiu a seguinte decisão: «Termos em que decidindo pela total procedência da ação, anulo as deliberações tomadas relativas aos pontos dois e três da ordem de trabalhos da Assembleia Geral realizada a 6 de março de 2020.» 3. Inconformada com tal decisão, a ré interpôs recurso de apelação, tendo o TRG, por acórdão de 02.06.2022, proferido a seguinte decisão: «julga-se improcedente o recurso interposto; mais se julgam ineficazes as deliberações sociais relativas aos pontos dois e três da ordem de trabalhos da Assembleia Geral realizada a 6 de março de 2020.» 4. Inconformada com o referido acórdão, a ré, IMOPEVIDÉM, interpôs o presente recurso de revista. Nas suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões: «A. O presente recurso é interposto do douto Acórdão proferido em 02/05/2022 em que o Venerando TRG, julgou improcedente o recurso interposto pela Recorrente tendo decidido da seguinte forma; “Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso; mais se julgam ineficazes as deliberações sociais relativas aos pontos dois e três da ordem de trabalhos da Assembleia-geral realizada a 6 de Março de 2020.” B. O douto acórdão acompanha a fundamentação da 1ª Instância quanto ao direito especial à gerência, discordando de novo a Recorrente de tal posição.

  1. A decisão da 1ª Instância, no que o douto acórdão recorrido acompanhou, fundamentou a decisão da seguinte forma: “Em suma e interpretando desta forma a disposição estatutária em causa, concluímos estar perante um verdadeiro direito especial à gerência que foi atribuído aos sócios AA, BB, CC e DD e apenas a estes.”, e “Não podiam, por isso, os sócios da sociedade R. ter deliberado a alteração do n.º 2 do artigo 4.º do Pacto Social e a destituição da A. do cargo de gerente sem o seu consentimento” e “É certo que neste momento, porque todos os sócios da sociedade R. são exactamente aqueles que constam da disposição estatutária, a mesma tem a aparência de um direito geral atribuído aos sócios e não de um direito especial. Contudo, a vida das sociedades não é estática, mas sujeita a diversas alterações ao longo do tempo. A qualquer momento, as quotas da sociedade R. podem ser transmitidas. E aí sobressairá a natureza especial do direito à gerência concedido, porquanto os novos sócios não terão direito à gerência só por serem sócios, a qual permanecerá atribuída aos que estão nomeados na disposição estatutária e que mantiverem essa posição.” D. A decisão da 1ª Instância, no que foi acompanhado pelo douto acórdão recorrido, expressamente renunciou à doutrina interpretativa dominante, nomeadamente quando refere: “ Parte da doutrina portuguesa não parece aceitar direitos especiais (ou pelo menos de igual conteúdo) de todos os sócios: assim, entre outros, Brito Correia, Pereira de Cfr. Ferrer Correia, Estudos Jurídicos, II, pág. 96 e Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, pág. 261 In Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume I, 2ª edição, Almedina, pág. 431 Almeida, Carlos Olavo, Pinto Furtado (numa primeira fase), Olavo Cunha (embora este último autor considere que podem ser atribuídos a todos os sócios direitos só derrogáveis com o respectivo consentimento).

  2. A proposta de alteração que foi decidida constava da ordem de trabalhos da deliberação que foi anulada pelo Tribunal a quo e foi votada por maioria qualificada.

  3. Devemos atender que a interpretação de clausulas de pacto social constitui matéria de direito por ter de ser efectuada de harmonia com os critérios legais definidos nos artigos 236.º n.1 e 238.º n.1 do Código Civil, e em matéria de interpretação de estatutos sociais não são atendíveis elementos estranhos aos próprios estatutos e não referidos por estes.

  4. Os direitos dos sócios, como tal, podem ser gerais e especiais. Os primeiros competem por igual a todos os sócios; os segundos conferem aos seus titulares uma vantagem especial, um privilégio, uma posição de supremacia frente aos demais associados (cfr. Ferrer Correia, Estudos Jurídicos, II, pag. 96 e Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, pag. 261).

  5. Quanto a esta última espécie (direitos especiais), refere aquele primeiro Autor (ob. e loc. citados) que se trata de direitos de uma feição singular, pois não se mostram ao serviço de valores sociais ou de interesse comum a todos os sócios, mas de interesses próprios e exclusivos de um ou alguns deles. São, por certo, direitos estatutários, mas a sua função é tutelar o interesse do sócio a quem competem já em relação ao dos outros sócios, já em face do próprio interesse da sociedade.

    I. A disciplina fundamental dos direitos especiais é objecto do art. 24º do CSC, de que se destaca o direito especial à gerência.

  6. A Recorrida não concretiza qual o seu interesse protegido concretamente, já que tal interesse em boa verdade não existe uma vez que todos os sócios tinham esse mesmo direito entre eles, e se todos têm direito, a questão é que interesse pretendiam acautelar em relação à própria sociedade.

  7. A verdade é que, a respeito das sociedades por quotas, se tem doutrinado que se a interpretação objectiva é de exigir no tocante às cláusulas que visam a protecção dos terceiros sociais, mas essa exigência se não impõe nas sociedades por quotas de índole personalista como é o caso concreto, quanto às cláusulas sobre relações corporativas internas e às de natureza jurídica individual, vigorando, então, nesta matéria, os princípios gerais de interpretação dos negócios jurídicos formais (art. 238º do C.Civil), com admissibilidade, portanto, do recurso a quaisquer elementos interpretativos contemporâneos do negócio, ou anteriores ou posteriores à sua conclusão (v. Vaz Serra, RLJ, ano 112, pags. 21 e sgs. e, ainda, pag. 173, nota 2).

    L. E são essas as relações que estão em causa, visto que, respeitando inteiramente os direitos de terceiros, é o que melhor permite averiguar a intenção que presidiu à formulação de cláusulas pactícias que apenas respeitam aos interesses dos sócios entre si sem qualquer repercussão sobre esferas jurídicas alheias.

  8. A estipulação estatutária pela qual são nomeados gerentes inclui-se naquelas cuja interpretação se deve fazer recorrendo a todos os elementos interpretativos (cfr. António Caeiro, Destituição do gerente designado no pacto social, em Temas do Direito das Sociedades, pag. 396).

  9. Mais do que aquilo que as partes declararam, importa aqui descobrir a sua intenção comum, desde que essa intenção tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 338º do C.Civil).

  10. A interpretação de um contrato consiste em determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com essas declarações (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pag. 444).

  11. O sentido das declarações negociais das partes, nos termos do art. 236º, nº s 1 e 2, será aquele que possa ser deduzido por um declaratário normal colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, sem embargo de, conhecendo o declaratário a vontade real do declarante, ser de acordo com ela que vale a declaração emitida, consagrou-se, assim, a denominada teoria da impressão do destinatário, (art. 238º, nº s 1 e 2).

  12. No domínio da interpretação, são elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações – “a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos” (Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, pag. 344).

  13. Ou, como exemplifica Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 213), “os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; os hábitos do declarante (de linguagem ou outros); os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possa interessar, devendo prevalecer sobre os usos gerais ou especiais (próprios de outros meios ou profissões), etc.".

  14. É nesse sentido que se procedeu a constituição...

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