Acórdão nº 250/18.3GAETR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES DA CUNHA
Data da Resolução01 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. 250/18.3GAETR.P1 ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I - RELATÓRIO Por sentença de 15 de outubro de 2022 proferida nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular, os arguidos AA e BB foram absolvidos da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 137.º, al. a) do artigo 15.º, e n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º, todos do Código Penal.

*Inconformados, recorreram os assistentes CC e DD.

Terminam a motivação do recurso com as seguintes conclusões [transcrição]:

  1. Os Assistentes apresentam o presente recurso da Sentença proferida em 15.09.2022 (cfr. Ref.ª CITIUS 123411946), que absolveu os Arguidos da prática do crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos art. 137.º, n.ºs 1 e 2, art. 15.º, al. a) e art. 10.º, n.ºs 1 e 2, todos do CP, do qual haviam sido acusados pelo Ministério Público; b) Acontece que os Assistentes têm o seu recurso em matéria de facto largamente inviabilizado, em virtude das deficiências que se verificam na gravação das declarações e dos depoimentos prestados em julgamento, que, por não obedecerem ao disposto nos arts. 363.º e 364.º, n.º 1 do CPP, impossibilitam os Assistentes de cumprirem com o preceituado no art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP; c) A arguição do vício da nulidade estipulado nos aludidos arts. 363.º e 364.º, n.º 1 do CPP é perfeitamente tempestiva, pois é arguida no prazo de recurso, já que não é exigível ao recorrente que proceda à audição das gravações no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe foi entregue a gravação quando pode fazê-lo dentro do prazo da apresentação da motivação do recurso; d) Neste sentido decidiram, entre outros e a título de exemplo, o Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão proferido em 30 de abril de 2019 no âmbito do Processo n.º 824/11.3ECLSB.L1-5, bem como no seu Acórdão proferido em 9 de junho de 2010 no âmbito do Processo n.º 189/06.5JELSB.L1; o Tribunal da Relação de Évora no seu Acórdão proferido em 26 de fevereiro de 2013 no âmbito do Processo n.º 445/12.3GDPTM.E1; o Tribunal da Relação de Coimbra no seu Acórdão proferido em 1 de junho de 2011, no âmbito do Processo n.º 1/06.5IDGRD.C1; e o Tribunal da Relação do Porto no seu Acórdão proferido em 3 de novembro de 2010, no âmbito do Processo nº 6751/06.9TDLSB); e) Os Assistentes consideram incorretamente julgados os seguintes pontos de facto: (i) O segmento final do facto dado como provado n.º 22: “(…) e mesmo assim iniciaram o seu percurso de automóvel visualizando o arguido, condutor do mesmo, as crianças através do espelho retrovisor até que efetuassem a travessia das vias de trânsito.”; (ii) O facto provado n.º 30: “A recomendação e treino das regras de segurança foram devidamente acautelados, não só ao longo do ano e antes do Acampamento, com atelier respetivo, como também em Campo, antes do raid e durante todo o percurso.”; e (iii) O facto provado n.º 36: “Os arguidos procederam como referido em 12.

    após analisarem o fluxo de trânsito e por se tratar de uma reta com boa visibilidade.”; f) No que respeita ao segmento final do facto provado n.º 22, os Assistentes consideram não resultar da prova produzida em julgamento ter o Arguido visualizado, a partir do seu carro, a travessia das crianças na sequência da qual se verificou o atropelamento da EE; g) A prova que imporia decisão diversa neste caso corresponde aos depoimentos das testemunhas FF, GG e HH, que afirmaram em audiência, uns nem sequer terem chegado a ver os Arguidos, escuteiros que acompanhavam a EE, e outros apenas os terem visto bastante tempo depois do atropelamento. Mas grande parte desses depoimentos é incompreensível e/ou inaudível; h) No tocante a FF, este prestou depoimento em audiência no dia 14.07.2022, com início pelas 9 horas e 59 minutos e termo pelas 10 horas e 15 minutos, conforme Ata com a Ref.ª CITIUS 122742412, sendo inaudíveis os seguintes segmentos: do minuto ’01:28 ao minuto ’01:50; do minuto ’01:59 ao minuto ’02:20; do minuto ’02:35 ao minuto ’03:10; do minuto ’04:02 ao minuto ’04:25; do minuto ’05:20 ao minuto ’05:30; do minuto ’06:46 ao minuto ’07:00; e do minuto ’08:05 ao minuto ’08:07; i) No que respeita a GG, esta prestou depoimento em audiência no dia 14.07.2022, com início pelas 10 horas e 56 minutos e termo pelas 11 horas e 15 minutos, conforme Ata com a Ref.ª CITIUS 122742412, sendo inaudíveis os seguintes segmentos: do minuto ’01:37 ao minuto ’01:44; do minuto ’01:50 ao minuto ’02:05; do minuto ’02:18 ao minuto ’02:55; j) No que toca a HH, este prestou depoimento em audiência no dia 14.07.2022, com início pelas 11 horas e 52 minutos e termo pelas 12 horas e 08 minutos, conforme Ata com a Ref.ª CITIUS 122742412, sendo inaudíveis os seguintes segmentos: do minuto ’01:54 ao minuto ’02:00; do minuto ’02:27 ao minuto ’02:38; do minuto ’03:10 ao minuto ’03:15; do minuto ’03:45 ao minuto ’03:50; do minuto ’05:15 ao minuto ’05:22; do minuto ’05:42 ao minuto ’05:50; do minuto ’06:18 ao minuto ’06:27; k) Na verdade, apenas é possível aos Assistentes indicar as seguintes concretas passagens como prova que imporia decisão diversa da recorrida: l) Nas suas declarações no início do julgamento, o Arguido referiu o seguinte (cfr. declarações prestadas na sessão de 30.06.2022, com início pelas 10 horas e 10 minutos e fim pelas 11 horas e 07 minutos, conforme Ata com a Ref.ª CITIUS 122566628): Do minuto ’07:27 ao minuto ’07:40: Mma. Juiz a quo: Entretanto, sabe quem é que atravessou primeiro? Arguido: Quem atravessou primeiro foi o II, juntamente com uma rapariga que na altura não me apercebi que passaram os dois juntos; m) Veja-se igualmente as declarações do Arguido na última sessão de julgamento decorrida no dia 15.07.2022 (cfr. declarações a que alude a Ata com a Ref.ª CITIUS 122844902): Do minuto ’02:26 ao minuto ’03:02 da gravação respeitante às declarações do Arguido: Arguido: Naquela altura eu não sabia quem tinha sido a vítima.

    Vi a JJ do lado da terra, a chorar.

    O senhor que vinha do lado da ria, também a correr disse lá para baixo «saiam daí, saiam daí». Eu vi a KK a sair e aí percebi que a vítima teria sido a EE; n) Veja-se também o excerto do depoimento de FF do dia 14.07.2022, com início pelas 9 horas e 59 minutos e termo pelas 10 horas e 15 minutos, conforme Ata com a Ref.ª CITIUS 122742412: Do minuto ’11:20 ao minuto ’11:35: Defensora dos Arguidos: Peço-lhe o favor de olhar para trás, para o senhor que está lá trás e de me dizer se as suas feições, se a sua cara, lhe é familiar? Testemunha: Não.

    Defensora dos Arguidos: Não se recorda? Testemunha: Não.

  2. E atente-se ao seguinte excerto do depoimento prestado por GG no dia 14.07.2022, com início pelas 10 horas e 56 minutos e termo pelas 11 horas e 15 minutos, conforme Ata com a Ref.ª CITIUS 122742412: Do minuto ’04:55 ao minuto ’05:08: Procurador da República: Não houve em algum momento algum adulto que se intitulasse ser dos escuteiros e que lhe perguntasse por que motivo estaria a levar as crianças para sua casa? Testemunha: Não, só mais tarde chegou um carro.

  3. E vejam-se por fim 4 excertos do depoimento prestado por LL no dia 14.07.2022, com início pelas 11 horas e 29 minutos e termo pelas 11 horas e 49 minutos, conforme Ata com a Ref.ª CITIUS 122742412: Do minuto ’05:40 ao minuto ’05:47: Procurador da República: Quando lá chegaram, encontrava-se lá mais algum adulto presente? Testemunha: Não.

    Do minuto ’06:42 ao minuto ’07:14: Procurador da República: No momento em que a sua mãe levou as crianças para casa, já estaria alguém que se intitulasse ou que estivesse vestida com trajo típico dos escuteiros? Testemunha: Entretanto chegou uma pessoa que nós viemos a perceber que era dos escuteiros, não sei se foi quando a minha mãe levou as crianças ou não.

    Acho que foi depois, porque nós dissemos que os meninos estavam dentro de casa.

    Do minuto ’14:00 ao minuto ’14:20: Defensora dos Arguidos: Quando estava a EE na estrada ao lado recorda-se se algum senhor estava com ela, ao pé dela? Testemunha: Não.

    Só depois é que chegou.

    Defensora dos Arguidos: O que é isto do depois? Testemunha: Quando a criança já não reagia.

    Do minuto ’14:28 ao minuto ’14:56: Defensora dos Arguidos: A senhora professora chega, com o seu marido, com o seu cunhado.

    Já lá estava alguma senhora antes? Testemunha: Não.

    Nós fomos os primeiros a chegar ao local.

    O meu marido e o meu cunhado chegaram e eu cheguei a seguir.

    Eles tiraram a criança de dentro de água, puseram-na na beira da estrada.

  4. Portanto, não obstante as provas identificadas que depõem em sentido diverso da recorrida, as mesmas são insuficientes para colocar em causa o segmento final do facto provado n.º 22, razão pela qual se requer a V. Exas. sejam declarados nulos, nos termos e para os efeitos dos arts. 123.º, n.º 2, 363.º, 364.º, n.º 1 e 410.º, n.º 3, todos do CPP, os depoimentos das testemunhas FF, GG e HH, com as devidas consequências legais que, à luz do disposto no art. 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, aplicável ex vi o disposto no art. 4.º do CPP, sempre incluirão a sua repetição; r) Conforme referido, os Assistentes consideram também que o facto dado como provado n.º 30 foi incorretamente julgado, pese embora também para impugnar devidamente este ponto de facto necessitassem lançar mão de prova cuja gravação não foi devidamente realizada; s) Estamos a referir-nos às declarações do Assistente CC (que referiu não ter conhecimento de terem sido transmitidas à EE quaisquer regras de segurança para atravessar estradas nacionais), que prestou declarações em audiência no dia 30.06.2022, com início pelas 11 horas e 33 minutos e termo pelas 11 horas e 52 minutos, conforme Ata com a Ref.ª CITIUS 122566628, sendo inaudível o seguinte segmento: do minuto ’02:13 ao minuto ’02:20; t) Referimo-nos também às declarações da Assistente DD (que referiu não ter também ela conhecimento de terem sido transmitidas à EE...

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