Acórdão nº 56/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 56/2023

Processo n.º 904/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC). O arguido foi condenado em 1.ª instância, por decisão datada de 25 de fevereiro de 2022, numa pena única conjunta de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão efetiva pela prática de um crime de roubo e de um crime de roubo agravado, decisão de que interpôs recurso para o Tribunal da Relação. Este tribunal, por decisão datada de 8 de junho do mesmo ano, negou provimento ao recurso interposto pelo arguido. Tendo o arguido imputado várias nulidades àquela decisão, foram as mesmas indeferidas por decisão datada de 13 de julho.

2. O arguido interpôs então recurso de constitucionalidade, que apresenta o seguinte teor:

«A., recorrente nos autos acima indicados por não se conformar com o aliás, mui douto acórdão recorrido na parte que indeferiu a questão de constitucionalidade por si suscitada, porque está em tempo, tem legitimidade, e interesse em agir, interpõe recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ao abrigo do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 13- A/98, de 26 de fevereiro, com vista a apreciação da constitucionalidade das normas seguintes:

Normas do CPP:

artigo 40º, nº 1 e 71º, nº 1 do CP

Artigos 1º, 13º, 18º e 32º, nº 1 da CRP.

A questão da constitucionalidade fundamento do presente recurso foi suscitada na motivação e conclusões do recurso.

A questão que se colocou ao venerando tribunal recorrido foi se a existência de antecedentes criminais proíbe a suspensão da pena, permitindo assim a desproporcionalidade, dignidade e excessividade da pena, e se assim não fez uma interpretação e aplicação normativa inconstitucional do artigo 40º, nº 1 e 71º, nº 1 do CP por violação dos artigos 1º, 13º, 18º e 32º, nº 1 da CRP.

Decidiu a Relação de Lisboa no seu douto Acórdão que "não se mostram violadas pela decisão impugnada os preceitos legais referidos pelo arguido/recorrente A., a saber: "os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º da CRP), da proporcionalidade e da igualdade (art. 13º da CRP) e da proibição do excesso (art. 18º da CRP) e o art. 40º, nº 2 do Código Penal", nem quaisquer outros princípios ou normativos legais ao caso aplicável"

Na verdade, essa interpretação e aplicação normativa conflitua de uma forma clara com o princípio da culpa e da dignidade da pessoa humana, consagrados na nossa Lei Fundamental.

Conflitua ainda com o subprincípio das garantias processuais e procedimentais ou no justo procedimento, aflorado em diversos preceitos da CRP, segundo o qual a todos é garantido um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito.

Do sub principio do Estado Constitucional ou da Constitucionalidade consagrado no artº 3º nº 3 da CRP, segundo o qual e para além do mais, a validade das leis e demais atos do estado depende da sua conformidade com a constituição;

Sub principio da independência dos tribunais e do acesso á justiça consagrado nos artigos 20º e 205 e seguintes da CRP, segundo o qual, e para além do mais, a todos é garantido o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, incumbindo aos tribunais, na administração da justiça, a defesa desses mesmos direitos e interesses legalmente protegidos;

Sub principio da prevalência da lei segundo o qual a lei deliberada e aprovada pelo Parlamento tem superioridade e preferência relativamente a atos da administração que está proibida de praticar atos contrários à Lei Fundamental;

Sub princípio da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos que significa que o cidadão tem o direito de poder confiar que às decisões públicas relativo aos seus direitos serão aplicadas as normas legais vigentes e os respetivos efeitos.

Nestes termos deve ser admitido o presente requerimento de recurso para subida ao Venerando Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo, nos termos do artigo 78 nº 3 da LTC e artigo 408º nº 1 e 3 do CPP seguindo-se os demais termos legais.»

3. Convidado pelo tribunal recorrido a especificar a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual pretendia interpor o seu recurso, o recorrente veio indicar a alínea b) (cf. as fls. 425-427), tendo aquele tribunal então admitido a interposição de recurso da decisão proferida no dia 8 de junho de 2022 (cf. a fl. 429).

4. Através da Decisão Sumária n.º 594/2022, foi decidido não conhecer o objeto do recurso, com base na seguinte fundamentação:

«5. O recorrente formula uma única questão, que é de saber «se a existência de antecedentes criminais proíbe a suspensão da pena, permitindo assim a desproporcionalidade, dignidade e excessividade da pena, e se assim não fez uma interpretação e aplicação normativa inconstitucional do artigo 40º, nº 1 e 71º, nº 1 do CP por violação dos artigos 1º, 13º, 18º e 32º, nº 1 da CRP». O recorrente não especifica no seu recurso de constitucionalidade se pretende interpor recurso do acórdão do Tribunal da Relação que negou provimento ao recurso por si interposto da decisão da 1.ª instância, se do subsequente acórdão do mesmo tribunal que indeferiu as nulidades. O recurso, em qualquer caso, foi admitido apenas do primeiro desses acórdãos, que é de resto o único que apreciou a questão colocada no recurso de constitucionalidade em apreço. Antes da prolação desse acórdão, por outro lado, o recorrente formulou uma questão de constitucionalidade em termos idênticos aos que constam do recurso de constitucionalidade (a fls. 344-345).

Simplesmente, essa questão não encerra uma norma que tenha tido efetiva aplicação na decisão recorrida como ratio decidendi da mesma, pressuposto decorrente da natureza instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: embora estes recursos se restrinjam à questão da invalidade da norma, as decisões proferidas no seu âmbito devem poder repercutir-se sobre a decisão recorrida, o que só pode acontecer quando haja uma coincidência entre a norma cuja inconstitucionalidade é invocada e a(s) norma(s) efetivamente aplicada(s) pelo tribunal recorrido para fundamentar a sua decisão. Caso contrário, um eventual juízo de inconstitucionalidade que venha a ser proferido não poderá repercutir-se sobre a decisão recorrida em termos de impor a sua reforma – ou seja, será inútil.

Analisando a decisão recorrida, verifica-se que o tribunal não acolheu um entendimento sequer vagamente próximo daquele que vem indicado...

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