Acórdão nº 58/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 58/2023

Processo n.º 889/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e B. e é recorrido o Ministério Público, os primeiros vieram interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 15 de julho de 2022.

Os arguidos, para o que aqui mais importa, foram condenados em 1.ª instância em penas únicas conjuntas, respetivamente, de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão.

Interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão datado de 20 de abril de 2022, negou total provimento ao recurso do arguido e concedeu provimento parcial ao da arguida, alterando as condições da pena de substituição, mas não a sua duração nem a da pena substituída.

Ainda inconformados, os arguidos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que não foi admitido, por despacho de 1 de junho de 2022, no caso da arguida com base, fundamentalmente, no disposto no artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do Código de Processo Penal, e, no do arguido, com base na referida alínea f), mais se tendo afirmado naquele despacho que a eventual inconstitucionalidade ou nulidade do acórdão do Tribunal da Relação não constitui fundamento de admissibilidade do recurso.

Apresentaram então os arguidos reclamação, ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal, a qual foi indeferida por despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça datado de 15 de julho de 2022.

2. Desta última decisão vieram os arguidos interpor recurso de constitucionalidade, o que fazem nos seguintes termos:

«A. e B., Recorrentes melhor identificados nos autos supra referenciados, tendo sido notificados do indeferimento da Reclamação (do despacho que não admitiu o recurso interposto), apresentada junto deste Egrégio Supremo Tribunal de Justiça, e, não se conformando com aquela douta Decisão de indeferimento, vêm da mesma interpor o presente Recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (artigo 78º, n.º 4 da L.T.C), para o

EGRÉGIO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ao abrigo do disposto no art. 70º, n.º 1, al. b) da L.T.C. - inconstitucionalidade suscitada durante o processo, mormente, em sede de Reclamação apresentada da rejeição do Recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça,

Por entenderem que os arts. 400º, n.º 1, al. f) e 432º, nº 1, al. b) do C.P.Penal foram interpretados de forma inconstitucional na decisão da reclamação apresentada, na medida em que, e conforme referido nessa reclamação, a interpretação dos mesmos no sentido da não admissibilidade do recurso interposto na parte respeitante a uma eventual Inconstitucionalidade verificada no Acórdão objeto, sempre viola o direito dos ora Reclamantes ao recurso, direito esse constitucionalmente consagrado no art. 32º da Constituição da República Portuguesa.

Porquanto, por não estarmos perante uma qualquer inconstitucionalidade já anteriormente julgada por este Egrégio Tribunal Constitucional, essa não admissão de recurso sempre poderá redundar numa recusa, por parte deste Egrégio Tribunal, em tomar conhecimento do seu recurso no que a tal matéria respeita, caso V. Exas. sejam de entender não haver tal Inconstitucionalidade sido suscitada, de forma formalmente válida, durante o processo, tendo-se colocando assim em "xeque", desde logo o preceituado no art. 205º da Constituição da República Portuguesa, e, o direito dos Recorrentes de virem perante este Egrégio Tribunal Constitucional discutir, via recurso próprio para o efeito, a constitucionalidade de um Acórdão condenatório e atentatório da sua liberdade pessoal e enquanto cidadão.

Ademais, ao se decidir peia inadmissibilidade do Recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, sempre se estará a coartar o direito aos ora Recorrentes de, em sede recursiva, poder "discutir" a legalidade do Acórdão proferido em sede de Recurso pelo Tribunal de Coimbra (o qual humildemente se entende como "ferido" de ilegalidade), não sendo, por isso, "alvo" de reapreciação e sancionamento de Tribunal distinto, mormente, superior, não sendo, por isso, "respeitado" e observado o direito constitucionalmente consagrado no art. 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, dos ora Recorrentes poderem "reagir", legalmente por via de recurso, à confirmação da sua condenação resultante de Acordão proferido por Tribunal Superior que, como referido, se entende como "ferido" de ilegalidade.

Do exposto, entendem os Recorrentes ser de concluir, no caso presente, pela inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos artigos 432º, n.º 1, al. f) e 400º, n.º 1, al. e) e f), ambos do C.P.Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de Acórdãos proferidos em Recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1ª Instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 (oito) anos, quando essa segunda decisão não se mostre devidamente fundamentada, seja, como integralmente cumpridora do preceituado no art. 205º da Constituição da República Portuguesa, por violação do art. 32º, n.º 1 desse mesmo diploma.

Acresce que,

No caso em apreço, e relativamente à Recorrente A., jamais se poderá aceitar o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça de que estamos perante uma identidade de decisão, uma dupla conforme parcial, pois que, na realidade, o Tribunal da Relação de Coimbra, não confirmou integral, completa, absoluta e totalmente o acórdão condenatório proferido em 1.ª instância, antes sim, na realidade, concedeu provimento parcial ao recurso interposto, alterando a condição da suspensão da execução da pena aplicada àquela Arguida.

Pelo que, não obstante a diversa decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra se subsuma à questão da pena aplicada à Recorrente, entende-se que, inexiste uma verdadeira conformidade, não se tratando, in casu, de uma plena confirmação do antecedente acórdão condenatório proferido em 1.ª instância.

Neste sentido, uma vez que o acórdão condenatório proferido em 1.ª instância não foi totalmente confirmado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, jamais poderá ser inapelavelmente negado um outro grau de recurso à então Recorrente A..

Concluindo-se, assim, pela admissibilidade do recurso em causa, por não se estar, efetivamentre, perante dupla conforme, nos termos do artigo 400º, n.º 1, al, e) e f), o C.P.Penal.

E porque o recurso é próprio e está em tempo, requer-se a V. Exas. se dignem admiti-lo.»

3. Através da Decisão Sumária n.º 601/2022 foi decidido, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC: a) não julgar inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, quando estabelece a irrecorribilidade de decisões proferidas em recurso pelas relações que confirmem decisões condenatórias proferidas em primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, negando, nesta parte, provimento ao recurso; b) não julgar inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, quando estabelece a irrecorribilidade de decisões proferidas em recurso pelas relações que confirmem decisões condenatórias proferidas em primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, negando, também nesta parte, provimento ao recurso; e não conhecer, na parte restante, o objeto do recurso. Foi a seguinte a fundamentação apresentada:

«3. Os recorrentes formulam questões de constitucionalidade que estruturam em torno de preceitos já apreciados, em inúmeras dimensões normativas distintas e em inúmeras ocasiões, por este Tribunal Constitucional. Relativamente à alínea f), bastará atentar no entendimento acolhido pelo Tribunal Constitucional, v.g., nos Acórdãos n.º 207/2021, n.º 96/2021, n.º 699/2020, n.º 232/2018, n.º 659/2018, n.º 212/2017, n.º 687/2016, n.º 239/2015, n.º 107/2015, n.º 269/2014, n.º 186/2013, n.º 189/2001, n.º 451/2003, n.º 495/2003, n.º 640/2004, ou n.º 649/2009. Relativamente à alínea e), v.g., nos Acórdãos n.º 101/2018, n.º 804/2017, n.º 357/2017, n.º 498/2021, ou n.º 517/2022.

Esta linha jurisprudencial aplica-se de maneira direta e inequívoca a situações como as dos presentes autos, pelo que se justificaria reiterar aqui essa posição, considerando como «simples», para os efeitos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, as questões trazidas a este Tribunal pelos recorrentes. Relativamente à questão relativa à alínea e) e à situação da arguida, além da manutenção do sentido de condenação, a decisão proferida pela Relação nem sequer agravou a consequência jurídica aplicada, mas na verdade revelou-se-lhe favorável, concedendo provimento parcial ao recurso pela mesma interposto.

Por outro lado, não apresenta caráter diferenciador ou relevância a qualquer outro título a especificação feita pelos recorrentes de que a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação (apenas) seria inconstitucional na «parte respeitante a uma eventual Inconstitucionalidade verificada no Acórdão objeto», já que o entendimento expresso naquela jurisprudência constitucional admite a irrecorribilidade de qualquer matéria que haja sido apreciada no acórdão da relação. Em alguns dos referidos acórdãos, aliás, esta pretensa especificidade foi já apreciada e considerada irrelevante, tendo-se já notado que, de outro modo, todas as decisões das relações seriam passíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, para tanto bastando que o arguido suscitasse uma questão de constitucionalidade no recurso interposto para esse tribunal. A...

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