Acórdão nº 51/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 51/2023

Processo n.º 1046/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorrido B., a primeira vem interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele tribunal no dia 13 de setembro de 2022, que apresenta, para o que aqui mais releva, o seguinte teor:

«7. Tudo visto, preparada que está a deliberação, importa tomá-la:

E o que se impõe reafirmar, desde já, é que, efetivamente, a Requerente, A., não tem legitimidade para interpor o recurso em apreço.

Repetindo a argumentação já exarada no despacho reclamado, verificamos, antes de mais, que, sobre a matéria da legitimidade para recorrer, dispõe o artigo 631.º do Código de Processo Civil (CPC), o seguinte:

"1- Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.

2- As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.

3- O recurso previsto na alínea g) do artigo 696.º pode ser interposto por qualquer terceiro que tenha sido prejudicado com a sentença, considerando-se como terceiro o incapaz que interveio no processo como parte, mas por intermédio de representante legal".

Pois bem, na situação em apreço, não estamos perante qualquer processo de revisão e a Recorrente, embora parte na causa, não ficou vencida com o decidido no despacho recorrido; isto é, não ficou direta e efetivamente prejudicada com esse despacho, não tendo, por isso, sido atingida negativamente a sua esfera jurídica de interesses.

Como é sabido, a lei adotou, neste domínio, um critério material [Neste sentido, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 25]. Isto é, mesmo para as partes, só tem legitimidade para recorrer aquelas para as quais "a decisão for desfavorável (ou não for a mais favorável que podia ser), qualquer que tenha sido o seu comportamento na instância recorrida e independentemente dos pedidos por ela formulados no tribunal "a quo"" [Teixeira de Sousa, tendo esta passagem sido retirada da obra já referenciada].

Assim, "a qualidade de parte vencida não tem nada a ver com a circunstância de se haver efetivamente batido pela solução contrária" [João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, III.º Vol., AAFDL, pág. 16]. Importa sempre atender ao resultado concreto. Mais precisamente, ao vencimento ou decaimento.

Ora, a Recorrente, A., embora parte na causa, não ficou, como dissemos, em qualquer medida, vencida com o decidido no despacho recorrido. Aliás, não foi sobre qualquer pedido pela mesma formulado que incidiu o despacho recorrido. Foi sobre uma pretensão do seu Patrono oficioso. Assim, vencido, quando muito, ficou este último, porquanto não viu confirmada a prática de atos pelos quais entendia ter o direito de ser compensado. Não, a referida Recorrente, em nome da qual foi interposto o presente recurso.

E não se diga, como alega a Recorrente, que o despacho recorrido, a manter-se, vai produzir efeitos de caso julgado formal sobre a inadmissibilidade do incidente de liquidação no de incumprimento das responsabilidades parentais.

Na verdade, não foi esse o objeto do despacho recorrido. Embora aludisse essa temática, não a decidiu. O que decidiu - e é esse o principal elemento a atender para a delimitação do caso julgado - é que nenhum reparo havia a fazer ao procedimento adotado pela secretaria em relação ao pedido de confirmação formulado pelo Patrono da Recorrente. Mais nada.

Aliás, a própria Recorrente já reconheceu que esse Patrono "é direta e efetivamente prejudicado pelo douto despacho recorrido, por este decidir o indeferimento de honorários ao patrono quanto ao deduzido incidente de liquidação nos termos do art 358 n° 2, do CPC".

Mas não foi ele que recorreu. Nem agora, ao contrário do que pretende, pode esse mesmo Patrono ser notificado para, querendo, seguir com o recurso.

Na verdade, nada na lei o autoriza. Isso implicaria uma modificação subjetiva na instância de recurso que a lei não prevê, nem tolera.

E, portanto, manifesto que este recurso não pode ser admitido.

E não se argumente com a inconstitucionalidade deste entendimento e com a interpretação que lhe subjaz, em relação ao disposto no artigo 631.º do CPC; seja por violação do princípio do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), seja por violação do "princípio de solidariedade do patrocinado para com o seu patrono que emana do princípio da dignidade humana tutelado pela Constituição da República Portuguesa".

Com efeito, a tutela que emerge destes princípios pressupõe que os direitos são exercidos de acordo com a lei. Não à margem dela ou contra ela.

Ora o que a Recorrente pretende é, sem ter legitimidade para recorrer, exercer esse direito como se essa legitimidade lhe assistisse. Ou então, como agora também pretende, que o seu Patrono se aproveite em nome próprio de um ato que foi praticado em representação dela. O que está, de todo, à margem quer da lei, quer dos princípios que vigoram nosso Estado de Direito Democrático. Inclusive, os que a Recorrente agora invoca.

Por conseguinte, e em suma, não há qualquer ofensa a esses princípios, nem este recurso, por todas as razões já indicadas, pode ser admitido.

Consequentemente, tendo em conta essas razões, delibera-se rejeitar este recurso, por falta de legitimidade da Recorrente.

*

- Em função deste resultado, as custas desta reclamação serão suportadas pela Reclamante - artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.»

2. Foi então interposto o presente recurso de constitucionalidade, com o seguinte teor:

«A., nos autos – apelações em processo comum e especial (2013)...

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