Acórdão nº 0134/22.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, notificada da Decisão Arbitral proferida no Processo 763/2021-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e em que é recorrido AA, melhor sinalizado nos autos, não se conformando com o seu conteúdo, vem dele interpor Recurso de Uniformização de Jurisprudência para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), com fundamento em o mesmo se encontrar em contradição com Acórdão do STA de 30/05/2018, prolatado no processo nº 0830/17, quanto à mesma questão de direito, cujo objecto é a apreciação da invalidade de notificação efectuada com preterição da formalidade legalmente exigida pelo art. 38º do CPPT, sendo que o contribuinte invoca a invalidade da notificação sem alegar que a notificação não tenha chegado à sua esfera de cognoscibilidade, mas tão só e apenas que não chegou pela forma legalmente exigida.

Inconformada, a recorrente AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA formulou alegações, que terminou com as seguintes conclusões:

  1. O presente recurso para uniformização de jurisprudência vem interposto da decisão arbitral de 07/09/2022, proferida nos autos supra, na parte em que a mesma concede provimento à pretensão do Requerente, ora Recorrido, julgando procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa e de anulação da liquidação oficiosa de IRS, ano de 2016, com o n.º 2020.4005687748.

  2. A decisão arbitral pronunciou-se sobre o acto de liquidação controvertido anulando-o com fundamento em preterição de formalidade essencial, mais concretamente a preterição da formalidade procedimental atinente ao envio da sua notificação através de carta registada com aviso de recepção, consignada no nº 1 do art. 38º do CPPT.

  3. O presente recurso fundamenta-se no facto de a decisão arbitral em apreço se encontrar em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão do STA de 30/05/2018, prolatado no processo nº 0830/17 (disponível na internet), na parte em que o mesmo, conforme se transcreve do respectivo sumário, entende o seguinte: IV - Se a recorrente não alega que a notificação não chegou à sua esfera de cognoscibilidade, mas tão só que não chegou pela forma legalmente exigida, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que as formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, mas desgraduam-se em não essenciais se, apesar delas, foi atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição.

  4. No acórdão fundamento, quanto aos factos assentes, e conforme se transcreve do mesmo, “em caso algum vem alegado que a notificação não chegou à esfera de cognoscibilidade da recorrente, mas tão só que não chegou pela forma legalmente exigida”.

  5. Entende-se, justamente, que entre a decisão arbitral sob recurso e o acórdão fundamento existe uma oposição quanto à mesma questão fundamental de direito tendo por base factos essencialmente idênticos.

  6. Em síntese, quanto aos factos, a decisão arbitral sob recurso e o acórdão fundamento têm por objecto apreciar a invalidade de uma notificação efectuada com preterição da formalidade legalmente exigida pelo art. 38º do CPPT, sendo que o contribuinte invoca a invalidade da notificação sem alegar que a notificação não tenha chegado à sua esfera de cognoscibilidade mas tão só e apenas que não chegou pela forma legalmente exigida.

  7. Quanto aos factos, foi alegado pela Requerente, ora Recorrido, no seu pedido de pronúncia arbitral, conforme se transcreve da decisão sob recurso, o seguinte: O Requerente suscita, em primeiro lugar, o vício da caducidade da liquidação oficiosa do IRS/2016 por falta de notificação válida dentro do prazo legal. Sumariamente, o Requerente invoca que, no caso concreto, não foi observada a formalidade legal, porquanto o envio da notificação da liquidação ocorreu mediante correio registado simples, ao invés, de carta registada com aviso de receção.

  8. Assim, desde logo, se verifica que o Recorrido no seu pedido de pronúncia arbitral nunca alegou que a notificação não chegou à sua esfera de cognoscibilidade mas tão-só que aquela notificação não ocorreu pela forma legalmente exigida, à semelhança do acórdão fundamento.

  9. Quanto à matéria de facto assente no probatório, com interesse para o presente recurso, transcreve-se o seguinte da decisão arbitral recorrida (com sublinhado nosso): 12. A liquidação foi enviada ao Requerente, por correio, mediante registo simples, identificado sob o código RY861615795PT, de 10 de dezembro de 2020 (Admitido pelas partes e provado pelo processo administrativo).

    1. A liquidação referida no ponto anterior não foi enviada com aviso de receção (Admitido pela Requerida e provado pelo processo administrativo).

  10. Assim, e quanto aos factos provados, o Requerente, ora Recorrido, não prova que não recebeu a aludida notificação, nem prova que essa demonstração seria impossível, o que, aliás, seria contrário ao seu pedido de pronúncia arbitral onde apenas suscita a questão da preterição de formalidade legal sem nunca alegar que a notificação não tenha chegado ao seu campo de cognoscibilidade.

  11. Por fim, quanto à questão de direito atinente à validade da notificação em apreciação, e tendo como pressuposto, que aqui não é objecto de discussão, que a liquidação oficiosa em apreço deveria ser notificada ao contribuinte através de carta registada com aviso de recepção, nos termos do nº 1 do art. 38º do CPPT, havendo, por conseguinte, incumprimento de formalidade procedimental quanto à notificação em apreço, efectuada através de carta registada, l) Considera o tribunal arbitral que é “irrelevante se o Requerente confessa que a notificação lhe foi remetida por meio de carta registada”, concluindo o seguinte: “Nessas circunstâncias, em que ocorreu preterição de formalidades legais atinentes à notificação da liquidação, não provando a Administração tributária que, apesar disso, a notificação chegou ao efectivo conhecimento do contribuinte (art.º 35.º, n.º 1, do CPPT), a notificação não pode ter-se por efectuada ao destinatário do acto, não podendo a AT prevalecer-se de qualquer presunção legal de notificação, como pretende.

  12. Justamente, a situação objecto do acórdão fundamento é semelhante à decidida nos autos de processo arbitral em apreço, pois também no acórdão fundamento se apreciou a validade de uma notificação efectuada com preterição de formalidade legal quando o sujeito passivo se limita a alegar que a notificação não chegou à sua esfera jurídica pela forma legalmente exigida, sem nunca alegar que não recebeu a notificação em causa mas suscitando apenas a preterição de formalidade legal.

  13. A questão fundamental de direito é a mesma na decisão arbitral sob recurso e no acórdão fundamento, saber se a preterição de formalidade legal atinente às notificações previstas no art. 38º do CPPT se deve considerar sanada pela circunstância de Requerente não alegar que não recebeu a notificação, limitando-se a invocar que a notificação não chegou à sua esfera jurídica pela forma legalmente exigida.

  14. A decisão arbitral recorrida responde negativamente a esta questão, entendendo que o mero incumprimento da formalidade procedimental atinente à notificação é suficiente para concluir pela sua invalidade, p) Ao passo que o acórdão fundamento responde afirmativamente, de acordo com a jurisprudência reiterada do STA, transcrevendo o entendimento explano acórdão datado de 29.05.2013, recurso n.º 0472/13: Em suma, em caso algum vem alegado que a notificação não chegou à esfera de cognoscibilidade da recorrente, mas tão só que não chegou pela forma legalmente exigida. Assim sendo, constituindo jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal que as formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, mas desgraduam-se em não essenciais se, apesar delas, foi atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição (Cfr., entre outros, o Acórdão de 8/9/2010, proc nº 437/10. No mesmo sentido, cfr., JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., 2011, Áreas Editora, anotação ao art. 39º do CPPT, p. 384.), não podem deixar de improceder as alegações e respectivas conclusões da recorrente.

  15. Demonstrados os pressupostos em que assenta a admissibilidade do presente recurso, importa atender ao seu mérito.

  16. Justamente, entende a ora Recorrente, em face do probatório fixado na decisão arbitral sob recurso, que a notificação em causa nos autos atingiu o fim que se destinava alcançar uma vez que nada em contrário foi minimamente alegado pelo Recorrido, então Requerente.

  17. Assim sendo, e à luz do entendimento que propugnamos, deve a preterição de formalidade essencial desgraduar-se em não essencial.

  18. Sobre o entendimento do acórdão fundamento, que defendemos, reitera-se tudo quanto aí é dito em abono desta tese.

  19. Concluindo, embora a notificação prevista no nº 1 do art. 38º do CPPT consubstancie uma formalidade procedimental prevista na lei, e enquanto tal seja uma formalidade procedimental essencial, a verdade é que não obstante a mesma ter sido preterida, ainda assim foi atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição, conforme resulta do alegado pelo Recorrido para sustentar a sua pretensão, v) Devendo, em consequência, a decisão arbitral recorrida ser anulada em conformidade.

  20. Concluindo, entende-se que estão preenchidos os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição requerendo-se a admissão do recurso e o seu conhecimento de mérito, com a procedência do mesmo e a anulação da decisão arbitral na parte ora recorrida, com as devidas consequências legais.

    Nos termos supra expostos, e nos demais de direito que V. Exas doutamente suprirão...

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