Acórdão nº 6437/22.7T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Fevereiro de 2023
Magistrado Responsável | PAULO REIS |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório Em 30-11-2022, AA intentou no Juízo de Família e Menores ... - Juiz ... - ação de alimentos a filho maior contra seu pai, BB, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a contribuição mensal de 150,00€ desde a propositura da ação, a atualizar anualmente em função da taxa de inflação determinada pelo INE para o ano civil anterior àquele a que respeita a atualização.
Alega em síntese, que nasceu a 23 de agosto de 2003, frequentando o ensino superior - licenciatura de Artes Visuais, na Universidade ... -, não exerce qualquer atividade laboral nem possui qualquer património, reside com a mãe, sendo sustentado unicamente por esta, que suporta uma renda de casa no 350,00€ e demais despesas que descreve, sendo que o requerido se encontra empregado como pasteleiro e auferirá um salário cujo montante se desconhece mas que não será certamente inferior a 900,00€.
Mais alega que nunca foi fixada qualquer prestação de alimentos, porquanto o requerente já era maior aquando do divórcio de seus pais, conforme certidão judicial que junta - reportada ao processo de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge, convertido em mútuo consentimento, n.º 5285/22.9T8VNF, do Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Famalicão, certificando narrativamente que a sentença foi proferida em 03-10-2022 e transitou em julgado em 06-10-2022; mais alega que, desde essa data, o requerido não mais telefonou ao requerente ou o visitou, não mantendo eles, por esse motivo, qualquer relacionamento, cessando também, desde esse momento, de contribuir para as despesas do aqui requerente.
Em 05-12-202, foi proferido despacho liminar, com o seguinte teor: «Como disposto no art.º 5, n.º 1, al. a), do D.L. 271/2001, e 13/10, a competência material para um processo de alimentos a filho maior (desde que não se verifique qualquer das duas exceções previstas no n.º 2 do mesmo artigo, e neste caso não se verifica) é do Conservador do Registo Civil, seguindo o processo os termos do disposto nos artigos 6.º a 9.º, sendo que a remessa a tribunal verificar-se-á só nos termos do disposto no art.º 8.º do mesmo Diploma.
Este tribunal é, assim e em primeira linha, materialmente incompetente.
Trata-se de uma incompetência absoluta, art.º 96.º, al. a), do C.P.C., devendo ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, art.º 97.º, n.º 1, do C.P.C.
A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do R. da instância ou o indeferimento em despacho liminar quando o processo o comportar - o que é o caso, art.º 99.º, n.º 1, do C.P.C.
Assim, indefere-se liminarmente a petição inicial.
Custas do incidente pelo requerente fixando-se a taxa de justiça em uma u.c.
Registe e notifique».
Inconformado com este último despacho, o requerente apresentou-se a recorrer, terminando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: «I. AA veio, em suma, propor ação de alimentos a filho maior, nos termos e para os efeitos dos artigos 1878º n.º 1 e 1880º do Código Civil, contra o seu Pai, porquanto, o mesmo se mostrou (e mostra) indisponível a contribuir com ajuda nas suas despesas.
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Alegou ainda o Recorrente, que se encontra a estudar na Universidade ..., estando atualmente no 2º ano da Licenciatura, com aproveitamento, e que reside apenas com a Mãe que aufere o salário mínimo, que paga a renda, propinas, alimentação, vestuário, e todas as despesas, sozinha, do Requerente.
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O recorrente não se conforma com a douta decisão do Tribunal a quo, por considerar que a mesma é nula nos termos do art. 615º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil.
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Em primeira linha, diga-se que, foi, pelo Digno Magistrada do Ministério Público promovido a 02.12.2022, o seguinte: “Beneficiário maior de idade: somos de parecer e promoção ser de citar o Requerido para que venha alegar o que tiver por conveniente”, Referência: ...43, a qual não mereceu a concordância do Mmo. Juiz do Tribunal a quo.
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A aplicação do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, tem de ser concatenada com as disposições do Código de Processo Civil e do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, requerendo um esforço de interpretação do sistema e não apenas deste diploma, porquanto, em face da multiplicidade de situações da vida que podem ocorrer, o legislador estabeleceu um leque de meios processuais a que o impetrante que invoca a necessidade de alimentos pode recorrer, consoante cada situação em concreto.
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Assim, não podendo o legislador desconhecer a existência do referido Decreto-Lei n.º 272/2001, e considerando que a LOSJ expressamente cometeu aos tribunais, nos termos expostos, a competência para a decisão dos processos em que estejam em causa alimentos a filhos maiores ou emancipados, com fundamento no artigo 1880.º do CC, perante um processo desta natureza não pode o juiz, sem mais, rejeitar de imediato a respetiva competência, devendo antes analisar os fundamentos em que a parte que formula o pedido assenta a respetiva pretensão.
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Foi alegado, e teria o sido ainda mais escortinado, e provado, pelo aqui Recorrente de que o seu Pai, Requerido nos autos, NÃO PAGA, POR VONTADE PRÓPRIA, pensão de alimentos ao seu filho maior, porquanto, não se vislumbraria, qualquer acordo junto da Conservatória.
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Não pode o Recorrente conformar-se com o indeferimento liminar da sua petição inicial, sujeitando-o à morosidade e inutilidade do recurso à Conservatória do Registo Civil, tendo, como consequência, o futuro recurso aos Tribunais.
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Assim, nos demais casos em que esteja em causa peticionar alimentos devidos a filho maior, sem escopo educativo e sem limitação temporal, seguir-se-á a forma processual comum atualmente regulada nos artigos 552.º e seguintes do CPC.
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Certo que, a competência para o efeito poderia iniciar-se na Conservatória do Registo Civil, não obstante poder o processo posteriormente transitar para o tribunal (no caso de falta de acordo), daí que não esteja a matéria contemplada na competência exclusiva do Conservador, nos termos do artigo 12.° do diploma citado.
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A ação em apreço trata-se de uma ação de alimentos, nos termos do artigo 1880.° do CC, intentada a favor de uma pessoa maior de idade, sem qualquer possibilidade de acordo com seu progenitor daí que, o Recorrente não teve outra alternativa senão recorrer aos Tribunais.
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De facto, manda o art.º 989 nº 1 do CPC aplicar às situações, como a da petição liminarmente indeferida, em que haja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, o regime previsto para os menores - art.º 45 e ss do RGTC - , prevendo por sua vez o art.º 6 al. d) do mesmo regime que são da competência principal das secções de família e menores, as ações judiciais destinadas a fixar os alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil e preparar e julgar as execuções por alimentos.
XIII. Conforme é entendimento pacífico, a competência do tribunal em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica tal como ela é apresentada pelo autor na petição inicial, ou seja, analisando o que foi alegado como causa de pedir e confrontando-a com o pedido formulado pelo demandante.
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Conforme resulta do respetivo preâmbulo, teve o legislador por objctivo “desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efetivamente a uma reserva de intervenção judicial”, mas também na estrita medida em que se verifique ser a vontade das partes conciliável salvaguardando-se o acesso à via judicial com a remessa dos processos para efeitos de decisão final sempre que se constate existir oposição de qualquer interessado.
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Esse deferimento de competência material não se concretizou, todavia, de modo uniforme, pois que se surge exclusiva nos casos enunciados no art. 12º, nº 1 do mencionado diploma (reconciliação dos cônjuges separados, separação e divórcio por mútuo consentimento, e declaração de dispensa de prazo internupcial), é concorrente com a dos tribunais judiciais nas matérias e circunstâncias descritas nos nºs 1 e 2 do seu art. 5º, porque só pode ser exercida na ausência de cumulação com outras pretensões ou de dependência de outras ações processuais.
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Ora, como se vem de dizer, «a competência em razão da matéria dos tribunais e agora das suas secções para a preparação e julgamento de uma ação deve ser aferida em concreto, tendo em atenção o respetivo regime legal (i) e a natureza da relação substancial em causa, a partir dos seus sujeitos, causa de pedir e pedido (ii) Cfr. Acórdão do TRP de 5-2-2015, processo n.º 13857/14.9T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt, que exaustivamente efectua o enquadramento da questão, com recurso a elementos sistemáticos e históricos.
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No caso em apreço, o Recorrente alicerça precisamente a respetiva pretensão na obrigação de cariz temporário prevista no artigo 1880.º do CC, e não na obrigação de alimentos prevista no artigo 2003.º e seguintes do Código Civil, posto que assenta o respetivo pedido na alegação de uma necessidade de sustento decorrente do facto de continuar a estudar, no caso, para obtenção de uma licenciatura.
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Assim, na determinação da competência material, já que, enquanto o meio processual de concretização do direito a alimentos do filho maior a que alude o artigo 1880.º do CC é o recurso à Conservatória do Registo Civil OU ao processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 989.º do CPC, caso não exista ou não seja viável a obtenção de acordo.
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Ora, no caso sub judice, como vimos, estamos em presença de uma ação de alimentos a filho...
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