Acórdão nº 00317/18.8BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução13 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * * I – RELATÓRIO O SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL [doravante STAL], melhor identificado nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA por este intentado contra o MUNÍCIPIO DE ...

, vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos que julgou improcedente a presente ação e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) a) Com todo o respeito, da matéria de facto provada é possível extrair factos correspondentes a condutas infracionais por violação do dever de correção por parte do contra-interessado, desde logo injúrias e ameaças que este fez aos trabalhadores queixosos, após apresentação do abaixo-assinado em 20/04/2017 (cfr. parágrafo A da matéria de facto provada), pelo que só ignorando tais factos ou, no mínimo, sendo demasiado benevolente com o alcance dos mesmos, se poderia sustentar não serem descortináveis infrações ou condutas censuráveis, por violadoras do dever de correção; b) Em suma, subsiste um conjunto de factos que são referenciados a momentos que não são tão imprecisos quanto isso, desde logo as ameaças e injúrias feitas após a queixa apresentada, em que era peticionado o procedimento disciplinar visando o contra-interessado; c) Factos que corporizam condutas do contra-interessado, enquanto encarregado dos queixosos, injuriosas e intimidantes, as quais, por atingirem os direitos de personalidade destes, claramente vão para além da contextualização social e cultural, de meros conflitos laborais ou de modos de pressão para ter o trabalho em dia, inclusivamente para além da mera culpa, algumas violadoras de direitos fundamentais como a liberdade sindical; d) Acresce que, relativamente às demais imputações menos circunstanciadas ou discriminadas, importa não esquecer o escopo do processo de inquérito o qual, no caso, foi olvidado demitindo-se o titular da ação disciplinar da sua missão legal de investigar os factos menos discriminados por reporte às respetivas circunstâncias; e) Pelo que o douto aresto recorrido, sonegando a anulação do acto contenciosamente impugnado, fez errada interpretação e aplicação das normas 176.°, n.° 1, 183.°, 229.°, n.° 2 e 231.°, n.° 3 da LTFP; f) A audiência prévia corresponderia a um campo privilegiado de observação do princípio constante do artigo 267.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa e 12.°, do Código do Procedimento Administrativo e isto não poderia ser afastado pelo facto de o princípio da participação e da audiência prévia não ser aplicável ao participante disciplinar, o qual será um interessado secundário, nem por estar causa um procedimento especial que não prevê a audição dos participantes; g) Em primeiro lugar, porquanto não se trata de meros participantes mas, sim, de queixosos e, consequentemente, diretamente interessados no desfecho do processo de inquérito; h) Em segundo lugar, o procedimento será especial mas no que toca à relação jurídica da ação disciplinar estabelecida entre titular de tal ação e arguido, não relativamente aos queixosos na medida em que quanto a estes, a relação jurídica e o procedimento são outros; i) Assim, não lhes tendo sido conferido o direito de audiência prévia, perderam os queixosos oportunidade de, ao abrigo do direito de audiência prévia, contribuírem com elementos factuais, e não só, para uma melhor decisão e requerem diligências suplementares de acordo com o disposto no artigo 121.°, n.° 2, do CPA nomeadamente indicarem outras testemunhas; j) Neste contexto, ao entender não haver lugar à audiência prévia o aresto recorrido fez errada interpretação das normas e princípios constantes dos artigos 267.°, n.° 5, da CRP, 2.°, 12.° e 121.° do CPA (…)”.

* Notificados da interposição do recurso jurisdicional, o Recorrido Município ...

e o Contrainteressado AA produziram contra-alegações, ambos defendendo o decidido quanto à improcedência da presente ação.

* O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

* O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

* Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* * II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro[s] de julgamento de direito, por (i) errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 176.°, n.° 1, 183.°, 229.°, n.° 2 e 231.°, n.° 3 da LTFP e, bem assim, por (ii) ofensa do preceituado nos artigos 267.°, n.° 5, da CRP, 2.°, 12.° e 121.° do CPA.

E na resolução de tais questões que consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.

* * III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro fáctico apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…) A) Em 20/04/2017, foi apresentado junto dos serviços da Câmara Municipal ..., um abaixo-assinado subscrito por alguns trabalhadores da autarquia, junto de fls. 3 a 9 do processo administrativo, cujo teor se tem por reproduzido, e de onde se extrai o seguinte excerto:“(...) Os trabalhadores abaixo Identificados, trabalhadores do Município ..., vêm, por este meio, deduzir queixa para efeitos disciplinares, pelas infrações de que foram alvo, perpetradas por BB, encarregado, em funções na Divisão de Manutenção de Equipamentos e Infraestruturas do Departamento de Obras e Urbanismo, da Câmara Municipal ..., nos termos e com os fundamentos seguintes: 1° Os queixosos estão adstritos à acima identificada unidade orgânica.

  1. Ao longo de vários anos de trabalho, os queixosos têm vindo a vivenciar repetidos episódios de abuso de autoridade, mau trato psicológico, assédio moral, humilhação pública, etc, perpetrados pelo trabalhador acima identificado, dentro de Instalações municipais, ou em locais públicos, o que, não sendo dignificante para os trabalhadores envolvidos, também seguramente não o é para a autarquia.

  2. Os trabalhadores subscritores da presente disponibilizam-se para a elucidação sobre mais episódios de igual ou superior gravidade ao ocorrido, sendo que o silêncio a que se remeteram ao longo dos anos, deveu-se ao receio de sofrerem represálias de diversas formas, que não mais conseguem tolerar, sob pena de entrarem em baixa médica, algo que já ocorreu.

  3. Das normas dos artigos 71° e 72° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LTFP, aprovada pela Lei n° 35/2014, de 20/6, decorre que o empregador público deve proporcionar boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral.

  4. Outra coisa não seria de esperar da lei ordinária porquanto a Constituição da República Portuguesa, no artigo 59°, n° 1, alínea b), estatui que todos os trabalhadores têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facilitar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar.

  5. Há que considerar, ainda, o disposto no artigo 29°, n° 1, do Código do Trabalho em face da remissão efetuada pelo artigo 4°, n° 1, da LTFP. Constando daquele preceito o seguinte: «...Entende-se por assédio o comportamento indesejado> nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

  6. Se no Estado de Direito Democrático ninguém está acima da lei, certamente que o trabalhador em causa, a exercer funções de encarregado operacional, não estará acima das normas que regulam a disciplina dos trabalhadores em funções públicas.

Nestes termos, Vêm, respeitosamente, requerer a Vª. Exa. se digne promover o competente procedimento disciplinar que a conduta descrita do trabalhador a exercer funções de encarregado operacional acima identificado merece, cumprindo desta forma a lei e fazendo JUSTIÇA (...)” B) Através de despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal ... de 3/05/2017, foi determinada a abertura do processo de inquérito n° 2/2017, para investigação e apuramento dos factos reportados no abaixo-assinado identificado na alínea anterior (cfr. fls. 1 do processo administrativo); C) A 11/05/2017 a inquiridora nomeada deu início ao inquérito determinado (Cfr. fls. 19 do processo administrativo); D) Em 23/05/2017, CC, sócio do autor, em sede do processo de inquérito n° 2/2017 e na qualidade de queixoso, prestou declarações sobre a matéria da queixa, as quais se encontram a fls. 99 do processo administrativo, cujo teor se tem por inteiramente reproduzido, e de onde se extraem os seguintes segmentos: “(…) O encarregado AA é mal-educado e não respeita ninguém. É uma situação que já se vem a arrastar há muitos anos. Castiga as pessoas e deixa-as lá para um canto (...).

É trabalhador na Divisão de Vias e uma das situações que o deixou triste foi no ano passado quando ao chegar ao armazém para ir buscar o saco da sua refeição que tinha deixado no carro, foi trancado no armazém pelo colega DD tendo sido o Sr. EE quem lhe abriu o portão. No dia seguinte foi abordado pelo encarregado AA que o questionou sobre o que se tinha passado tendo dito que já tinha faltado algumas coisas no armazém. (...)”; E) Em 23/05/2017, FF, sócio do autor, em sede do processo de inquérito n° 2/2017 e na...

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