Acórdão nº 4239/20.4T8STB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelANA RESENDE
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

REVISTA n.º 4239/20.4T8STB.E1.S1 ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I - Relatório 1.

AA veio interpor contra ELETRONICS ARTS INC. a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de 324.000,00€ de capital, acrescida de juros vencidos no montante de 97.630,68€, tudo no total de 421.630,68€ e dos juros que se vencerem até integral pagamento, devendo ainda ser condenada na quantia não inferior a 5.000,00€, a título de danos não patrimoniais acrescida dos juros vencidos no montante de 2.559,45€, tudo no total de 7.559,45€, e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal.

1.1. Alega para tanto que a R, através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à internet, dispositivos móveis, e computadores pessoais, é uma empresa líder em entretenimento digital interativo, com várias subsidiárias, assumindo a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos, Canadá e Japão.

O A. é um jogador de futebol Português, representando atualmente uma equipa em Portugal, mantendo uma longa carreira de jogador de futebol profissional, tendo exercido a sua profissão, maioritariamente, em clubes portugueses, na Seleção Nacional AA de Futebol, e alcançado bastante notoriedade internacional.

Teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram, e continuam a ser, utilizados nos jogos denominados FIFA, também com as designações FIFA Football ou FIFA Soccer, nas edições de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2017, 2018 e 2019, FIFA MANAGER, nas edições 2008, 2009, 2010, 2011, 2013 e 2014, FIFA ULTIMATE TEAM – FUT, nas edições 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2017, 2018 e 2019 e FIFA MOBILE, na edição de 2018, todos propriedade da Ré.

Jamais concedeu autorização expressa, ou sequer atribuição tácita, a quem quer que fosse, para ser incluído nos indicados jogos eletrónicos, jogos de vídeo e aplicativos, em tão pouco conferiu poderes aos Clubes, para que estes negociassem a licença para o uso da sua imagem e do seu nome, especificamente para jogos eletrónicos, jogos de vídeo, aplicativos, ou quaisquer outros jogos online ou offline, em qualquer tipo de plataforma.

As atividades exploradas através dos jogos de vídeo identificados, tornados mundialmente conhecidos, resulta que a repercussão da imagem do A. não se insere apenas no âmbito nacional, mas é utilizada pela R. a nível global, sendo a mesma uma poderosa multinacional com largos lucros resultantes das vendas.

A exploração indevida da imagem e do nome do jogador A. é renovada todos os anos por via do lançamento de novas versões dos jogos, procedendo a R. ao relançamento das versões mais antigas e recorrentemente os jogos são utilizados para a realização de torneios a nível nacional e internacional, organizados pelas mais diversas entidades, caso da R. que organiza e patrocina um desses torneios internacionais.

Quanto à indemnização a fixar, para além do possível recurso à equidade, deverão ser ponderados os proventos económicos que a R, em resultado da sua atuação, vem auferindo à custa do A., assumindo uma expressão significativa com relevo no quadro de vida do lesado e com repercussão sancionatório para a lesante.

1.2. A R. veio contestar, defendendo-se por exceção, prescrição do direito do A, licenciamento dos direitos de imagem a favor da R., abuso de direito, e por impugnação, afastando a invocada ilicitude da sua conduta, assim como os demais pressupostos da obrigação de indemnizar, bem como a verificação de enriquecimento sem causa.

1.3. A R. veio suscitar a questão de conhecimento oficioso da competência internacional dos Tribunais Portugueses para conhecerem do litígio, determinando a incompetência absoluta do tribunal, que deveria ser declarada.

1.4. O A. veio responder, concluindo pela improcedência da deduzida exceção da incompetência internacional do Tribunal.

1.5. Foi proferida decisão, que declarou a incompetência absoluta do Tribunal por infração das regras de competência internacional dos tribunais portugueses, absolvendo a R. da instância.

  1. Inconformado veio o A. interpor recurso de apelação, que por Acórdão da Relação de Évora a julgou improcedente, confirmando a decisão recorrida.

  2. Novamente inconformado veio o A. interpor recurso de revista, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: (transcritas) a) Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido nos autos que julgou o recurso interposto, pelo Autor, improcedente e, em consequência, manteve a decisão recorrida, que julga os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para o conhecimento da ação e, em consequência, absolve a ré da instância.

    1. Assim, salvo diferente entendimento, o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, objeto do presente recurso, incorre em manifesta violação das regras de competência internacional, mais concretamente, na violação das disposições firmadas no artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento 1215/2012 e no artigo 62.º, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil.

    2. A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e precipitada, tendo partido de pressupostos errados.

    3. Entende o ora Recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida.

    4. No que respeita ao caso concreto e ao uso indevido da imagem do Autor, os jogos da ré, com o conteúdo lesivo, são difundidos por esta, para serem utilizados e guardados em vários instrumentos tecnológicos, de diversas pessoas, a qualquer momento, em qualquer lugar.

    5. É o que sucede, por exemplo, com a colocação dos jogos em linha/ambiente digital, altamente potenciada com a expansão do uso da Internet e da qual a ré beneficia largamente para aumentar a divulgação e exploração comercial dos seus jogos e, bem assim, os avultados lucros daí advenientes.

    6. Acresce que, conforme demonstrado nos autos, inclusive, através de diversa documentação junta com a petição inicial, os jogos da ré são comercializados em suporte físico em Portugal, nas mais variadas lojas, como por exemplo, nas lojas da especialidade, nas grandes superfícies, na W....., na F..., na M.........., entre tantas outras.

    7. E imagine-se que, alguém escrevia um livro em sua casa denegrindo ou simplesmente fazendo uso não autorizado da imagem da personalidade “A” ou até que esse alguém pintava um quadro com uma imagem menos abonatória dessa mesma personalidade “A”.

    8. Apenas não poderia ser invocado qualquer dano pela personalidade “A” pela utilização ilícita da sua imagem, se tal livro e tal quadro não saíssem nunca da casa do seu autor.

    9. O mesmo já não se pode afirmar se tal livro e/ou tal quadro fossem promovidos, divulgados e comercializados por todo o mundo, inclusive, no local de residência daquela personalidade “A”, nomeadamente, em estabelecimentos de toda a espécie.

    10. É assim, manifesto que os danos ocorreriam em todos os locais onde essa comercialização e divulgação tivesse lugar.

    11. Esta lógica é, pois, plenamente aplicável aos jogos da ré, pelo que estando os jogos disponíveis a nível mundial, o dano não é provocado só nos Estados Unidos.

    12. Por isso, a tese sufragada no acórdão recorrido, apenas faria sentido, salvo o devido respeito, se os jogos, com a imagem do Autor, apenas fossem produzidos em solo norte-americano e não transpusessem as suas fronteiras, para ser comercializados pela ré por todo o mundo sob todas as formas disponíveis, ou seja, online e em suporte físico.

    13. E, é evidente que o tribunal do lugar onde a “vítima” (in casu, o Autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor o impacto de um conteúdo ilícito colocado em jogos de vídeo físicos e online sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deverá ser atribuída competência segundo o princípio da boa administração da justiça.

    14. Para além disso, não pode ser descurado o princípio da previsibilidade das regras de competência, sendo que a ré, enquanto autora da difusão do conteúdo danoso, encontra-se manifestamente, aquando da colocação da imagem, nome e demais características das “vítimas” da sua ação, nos jogos de que é proprietária com vista à sua divulgação mundial, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas afetadas por este.

    15. O que releva, in casu, é o país onde ocorre o dano, independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indiretas do facto desencadeador da obrigação de indemnização.

    16. E Tribunal de Justiça já elaborou orientações para a interpretação do artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento no que diz respeito ao «lugar da materialização do dano», sendo que quanto a determinados domínios específicos (por exemplo, a responsabilidade por violação de direitos de personalidade na Internet) admitiu o critério do centro de interesses principais do lesado.

    17. Neste sentido, e no que respeita a situações análogas já analisadas pelo TJUE quanto a esta matéria salientam-se os acórdãos Shevill e eDate Advertising GmbH, cujos textos, para efeitos de argumentação, aqui se dão por reproduzidos e ainda a doutrina já fixada no douto acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2005.

    18. É este o contexto que nos encontramos, mas que o Tribunal a quo desconsidera totalmente, desvalorizando, de igual modo a proteção que a pessoa humana e a sua imagem merecem no ciberespaço.

    19. O Julgador não pode deixar de estar atento à evolução tecnológica e à expansão dos fenómenos dela resultantes, de forma a evitar decisões totalmente desfasadas da realidade em que vivemos atualmente.

    20. O facto constitutivo essencial desta causa reporta-se à produção e divulgação dos jogos...

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