Acórdão nº 0676/22.8BELSB-S1 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO J..., LDA.

, devidamente identificada nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu (TAF), contra o INSTITUTO DE PROTECÇÃO E ASSISTÊNCIA NA DOENÇA, I.P.

, doravante ADSE, o presente processo cautelar, pedindo: “a) a citação urgente do requerido nos termos dos artigos 561º e seguintes do Código de Processo Civil e para os efeitos do artigo 128º do CPTA, ao abrigo e por força do artigo 114º, nº 4, 1ª parte do CPTA, pela circunstância de urgência de uma decisão cujo ato é de execução imediata; b) que seja declarada procedente, por provada, a presente providência cautelar e, consequentemente, seja suspensa a eficácia do ato de resolução da convenção celebrada entre a requerente e o requerido e a determinação de suspensão de pagamentos.

”*Regularmente citado, o requerido ADSE deduziu oposição, a qual veio acompanhada de resolução fundamentada, emitida pelo respectivo Conselho Directivo em 19.04.2022.

*Por requerimento aduzido em 02.05.2022, a requerente deduziu incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida, o qual em 10.05.2022 veio a ser julgado improcedente.

*Em 20.05.2022 a requerente deduziu novo incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida peticionando o seguinte: “pelo que se pede que o Tribunal declare ineficazes os actos de execução indevida do requerido, concretamente o bloqueio de acesso no site do requerente que o inibe de submeter pedidos de reembolso e facturas relativas a actos praticados ao abrigo da convenção celebrada, que desta forma resolve através da sua desactivação como prestador de serviços convencionado, nos termos do art. 128º, nº 3 do CPTA.

Determinando-se em consequência a sua reactivação como prestador de serviços convencionado e o desbloqueio e permissão de submissão de pedidos de reembolso e facturas relativas a actos praticados com pacientes que têm protocolo com a ADSE.

”*Por decisão do TAF de Viseu de 21.06.2022, foi julgado procedente o presente incidente e, consequentemente, determinada a ineficácia dos actos jurídicos e materiais de execução do acto suspendendo praticados pela ADSE desde a data em que foi citada para a presente providência cautelar.

*A requerida ADSE apelou para o TCA Norte da sentença proferida pelo TAF de Viseu e este, por Acórdão proferido a 30 de Setembro de 2022, concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida.

*A requerente, inconformada, interpôs o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «I.

O presente Recurso é apresentando contra Acórdão, por: II. 1) estar em causa a apreciação de duas questões que, pela sua relevância jurídica e social, se revestem de importância fundamental: a.

Verificar, na fundamentação de uma resolução fundamentada, a existência de uma grave lesão do interesse público viola o princípio da separação de poderes? Por outras palavras: devem os tribunais abster-se de confirmar se os elementos invocados pela Administração Pública se referem (em abstrato) a uma violação do interesse público e a uma violação que seja grave? b.

Uma resolução fundamentada pode ter como fundamento a suspeita de futura violação grave do interesse público? E podendo, os Tribunais não devem aferir da probabilidade e natureza dessa violação futura no juízo de procedência sobre os elementos que compõem a fundamentação da referida resolução? III.

E porque, subsidiariamente, ainda que não se entendesse serem estas questões da natureza que aqui lhe damos, 2) existe uma clara necessidade de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito.

IV. Estas questões e a necessidade de uma melhor aplicação do direito resultam dos erros da decisão que identificamos: V.

Está em causa, nos autos, os seguintes factos: a. Uma Clínica (a Recorrente) teria, aos olhos da ADSE, faturado atos não praticados, num número reduzidíssimo (0,011% do total de atos faturados), tão reduzido que facilmente se qualificaria de lapso; b.

A ADSE decidiu não pagar mais à Clínica, com base nesta sua análise, apesar da Clínica ter apresentado prova da sua prática; c.

Em sede de procedimento cautelar, a ADSE vem invocar que estes factos determinaram a sua perda de confiança na Clínica e que se rege pelo princípio da autossustentabilidade, sabendo que no futuro continuarão a ser faturados atos médicos não realizados, pondo-se assim gravemente em causa o interesse público no futuro e, como tal, vendo-se forçada a fazer uso de uma resolução fundamentada, ignorando que a convenção é precisamente o instrumento que permite à ADSE prosseguir o interesse público.

VI.

O Acórdão recorrido, com base nestes factos conclui que para concluir que “perante a gravidade da lesão, constando da resolução as razões demonstrativas dessa gravidade, as quais se concatenam logicamente à conclusão afirmativa do grave prejuízo para o interesse público, impõe-se julgar procedentes tais fundamentos e, bem assim, concluir que a resolução em causa está fundamentada no sentido de demonstrar — na dimensão acima aludida — que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público, como se prevê no nº 1 do artigo 128º do CPTA.” VII.

Conhecidos os factos e a natureza pouco convincente dos argumentos da ADSE, percebe-se que o Acórdão presumiu a existência de interesse público e presumiu a gravidade de um (também presumido) prejuízo para este interesse público; VIII.

Desde logo pela irrelevância dos valores em causa, que mais se assemelham a um lapso do que a um comportamento censurável capaz de minar a confiança entre ADSE e prestador (0,011% do total de atos faturados pela Recorrente e enviados à ADSE) [primeiro erro da decisão]; IX.

O que, em geral, poderia ser admitido para a atuação da administração pública que no seu universo de atribuições e competências legais se dirige sempre, na sua atuação, ao cumprimento desse interesse. Mas nestes casos não pode ser admitido, desde logo porque é com a celebração de convenções e com a prestação de serviços através de prestadores privados que cumpre esse interesse.

X.

Neste sentido, a Procuradoria-Geral da República, numa exposição particularmente interessante sobre o tema, elaborou o Parecer nº 31/2018, de 9 de janeiro, de onde resulta isto mesmo: “O desempenho das funções da ADSE desencadeia uma relação jurídica triangular: ADSE/prestadores dos Serviços/beneficiários. Todos eles acabam por estar, inelutavelmente, envolvidos. A ADSE organiza o sistema e assume, total ou parcialmente, os custos; o prestador dos serviços disponibiliza (neste caso, sem prévio pagamento) os cuidados de saúde em causa; o beneficiário usufrui dos mesmos (pagando apenas, se for o caso, uma pequena contrapartida), assim se gerando, conforme a situação concreta, diversos direitos e obrigações, cuja natureza importa, naquilo que ora nos interessa, esclarecer.

…Estas convenções são a forma legal encontrada para o desenvolvimento e a concretização efetiva dos fins públicos, politicamente atribuídos à ADSE. É através destes acordos, convenções, contratos ou protocolos que ela dispensa os cuidados de saúde que constituem a sua finalidade pública última (art. 1º e 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 7/2017). O recurso ao mesmo tipo de solução contratual (convenção) está, aliás, igualmente previsto (apesar de algumas diferenças) no Decreto-Lei nº 139/2013, de 9 de outubro, que aprovou o regime jurídico das convenções para prestação de cuidados de saúde aos utentes do SNS. Também aí se consagrou uma figura que se aproxima dos contratos de adesão: «uma vez que a contratação dos cuidados de saúde em regime de convenção inicia-se com a adesão do interessado aos requisitos constantes do clausulado tipo de cada convenção (nº 1, do art. 4.º)».Como reconhece o próprio preâmbulo do diploma, por essa via «estabeleceu-se um modelo especial de contratação pelo Estado com os operadores privados para a prestação de cuidados de saúde, assente na figura do contrato de adesão, ao qual as pessoas singulares ou coletivas privadas, apenas têm de aderir e preencher os requisitos constantes no clausulado tipo, aprovado por Despacho do Ministro da Saúde” [sublinhado nosso].

XI.

Daqui decorre que demonstrar que a melhor ação para defender o interesse público é fazer...

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