Acórdão nº 45/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 45/2023

Processo n.º 1064/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante o Município de Braga e reclamada a A., o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho de 14 de setembro de 2022, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. A ora reclamada, na qualidade de autora em ação declarativa proposta contra o aqui reclamante, interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que, em recurso, confirmou a sentença do Tribunal de 1.ª instância, pela qual se julgou a ação improcedente e procedente a reconvenção.

Por acórdão datado de 5 de maio de 2022, proferido pela formação a que se refere o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça admitir a revista.

Notificado de tal decisão, o réu e recorrido arguiu a sua nulidade com fundamento em excesso de pronúncia.

Com interesse para o caso, pode ler-se em tal peça processual:

«MUNICÍPIO DE BRAGA, Recorrido nos autos supra identificados, em que é Recorrente A., tendo sido notificado do douto acórdão de fls...,

vem, ao abrigo do disposto no artigo 666º/nº 1 e 615º /nº 1 d) do CPC, arguir a seguinte NULIDADE:

1. O artigo 672º do CPC impõe ao requerente de recurso de revista excepcional um específico ónus de alegação dos pressupostos tendentes à sua admissibilidade.

2. A Recorrente fundamenta o seu recurso nas alíneas a) e b) do nº 2 do referido artigo 672º.

3. Ou seja, para sustentar o seu recurso a Recorrente teve de invocar as "razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor apreciação do direito" e "as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social".

4. Tais razões constam da conclusão 1º (al. a) do nº 2 do artigo 672º) e da conclusão 2ª (al. b) do nº 2 do artigo 672º).

5. A melhor aplicação do direito/relevância jurídica consiste em apurar se uma capela e adro são um só prédio urbano indivisível (como escreve a Recorrente "ex rerum natura").

6. A relevância social decorre de haver no país, à espera de solução, situações iguais a esta.

7. São estas duas razões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões, as quais balizam o recurso, como tem sido pacificamente considerado por todos os Tribunais, incluindo o STJ.

8. Sucede, porém, que o acórdão ora sob arguição invoca novas razões para a admissão da revista, seja quanto à relevância jurídica, seja quanto à relevância social, as quais não constam das conclusões do recurso da Recorrente.

9. A relevância jurídica assenta — agora — no "apelo à Lei da Separação e à Concordata" e a "eventual consubstanciação do domínio público municipal".

10. A relevância social assenta — agora — nas "relações privilegiadas entre a Igreja e o Estado..." e no objetivo de "evitar perturbações nas populações...".

11. Nenhuma das razões invocadas no acórdão em crise são as razões invocadas pela Recorrente.

12. Sobre a relevância social invocada dir-se-á até que desconsidera o artigo 41º/nº 4 da CRP, sendo suscetível de se constituir como favorecimento a uma religião, em detrimento das demais, o que a Constituição não permite, pois o Estado (onde se incluem os Tribunais) é laico.

13. São, pois, razões que não constam das conclusões do recurso, e por isso as apelidamos de novas razões.

14. Tal significa, desde logo, que ocorre uma violação do princípio do contraditório, pois o Recorrido não se pôde defender destas novas razões.

15. O Recorrido contra-alegou ao recurso que lhe foi notificado, e não contava nem tinha de contar com novas razões trazidas pelo acórdão.

16. O Recorrido, nas páginas 1 a 4 e nas conclusões 12 a 62 das suas contra-alegações, expressamente rebate as duas razões invocadas nas conclusões supra indicadas do recurso da Recorrente.

17. Naturalmente que o Recorrido não podia rebater o que não conhecia.

18. É, pois, de concluir que o acórdão incorre em excesso de pronúncia, dado que ao invocar razões que a Recorrente não invocou no recurso conhece de questões que não podia tomar conhecimento.

19. O acórdão enferma, por conseguinte, da nulidade prevista no artigo 6152/n2 1 d) do CPC parte.

TERMOS EM QUE se requer seja deferida a presente arguição de nulidade, com as legais consequências.»

3. Por acórdão de 23 de junho de 2022, o Supremo Tribunal de Justiça, constituído na mesma formação, indeferiu a arguida nulidade.

Desta decisão foi interposto recurso de constitucionalidade, através de requerimento com o seguinte teor:

«MUNICÍPIO DE BRAGA, Recorrido nos autos supra identificados, notificado do douto acórdão de fls...., e não se conformando com o seu teor,

vem, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º/n.º 1 b), 72-/n.º 1 b), 75.º e 75.º-A/n.ºs. 1 e 2 da Lei n.º 28/82, de 15.11,

interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e com os seguintes fundamentos:

O acórdão ora notificado não é passível de recurso ordinário, em face do que dispõe o artigo 672.º/n.º 4 do CPC, pelo que cabe do mesmo recurso para o Tribunal Constitucional, conforme previsão do artigo 70.º/n.ºs 1 b) e 2 da Lei n.º 28/82, de 15.11.

O presente recurso vem suportado na alínea b) do n.º 1 do citado artigo 70.º, nos seguintes termos:

- a sentença do Tribunal da Comarca de Braga julgou a ação apresentada pela Recorrente improcedente;

- desta sentença foi interposto pela Recorrente recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual veio a ser julgado improcedente;

- do acórdão da Relação a Recorrente apresentou recurso de revista excecional para o STJ;

- nas conclusões l.º e 2.º da petição de recurso de revista a Recorrente invocou dois fundamentos para a sua admissão: relevância social e relevância jurídica/necessidade de melhor aplicação do Direito;

- o primeiro acórdão do STJ admitiu a revista excecional, considerando que se verificava relevância social e relevância jurídica/necessidade de melhor aplicação do Direito;

- o Recorrido arguiu a nulidade de tal aresto, alegando que os concretos fundamentos integradoras da relevância social e da relevância jurídica/necessidade de melhor aplicação do Direito invocados no acórdão não haviam sido invocados pela Recorrente, mas sim pelo Tribunal, violando-se desta forma o princípio do pedido e o princípio do contraditório;

- o segundo acórdão do STJ, ora sob recurso, considera ainda que "Esta Formação limitou-se a justificar o porquê, no seu entendimento, da relevância jurídica e social da questão que propicia o conhecimento do objeto do recurso".

Ora, dispõe o artigo 672.º do CPC o seguinte:

"1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:

a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;

2- O requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição:

c) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

d) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social;

3 - A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis

É inequívoco que o normativo em causa prevê apenas dois fundamentos para admissão da revista excecional:

- apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica, seja necessária para uma melhor aplicação do direito;

- apreciação de uma questão em que estejam em causa interesses de particular relevância social.

A Recorrente, como supra referido, invocou os dois fundamentos para admissão da revista, que o acórdão considerou procedentes mas invocando diversa fundamentação.

É sobre este entendimento do acórdão recorrido que a Recorrente não se conforma.

O acórdão recorrido defende que o Tribunal não está vinculado às alegações das partes nesta matéria e, por isso, admitiu o recurso na base de argumentos que a Recorrente não havia indicado.

E sobre estes argumentos o ora Recorrente Município não se pronunciou, pois nas contra-alegações ao recurso de revista a pronúncia foi precisamente sobre o recurso.

Como é bom de ver o Recorrente (rectius, nenhuma parte num processo judicial) não estava preparado para responder ao desconhecido.

Ora, o artigo 672.º/n.º 3 do CPC é muito claro quanto a impor à Formação o dever de verificação-dos pressupostos para admissão do recurso.

A verificação, como diz o n.º 3 do artigo 672.º, é dos pressupostos previstos no n.º 1, sendo que o n.º 2 do mesmo normativo obriga o Recorrente a invocar as "razões".

Estas razões são as invocadas pelo Recorrente: o Tribunal não pode aditar...

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