Acórdão nº 36/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 36/2023

Processo n.º 944/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A., S.A. e recorrida B., S.A., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 6 de setembro de 2022.

2. Pela Decisão Sumária n.º 701/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

No caso vertente, é manifesto que tal requisito não se mostra preenchido.

A recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 362.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual «o regime das providências cautelares não se aplica às insolvências e ao PER».

Ao contrário do pressuposto incorporado pela recorrente neste enunciado, o Tribunal da Relação de Lisboa não interpretou tal preceito, nem acolheu no seu juízo qualquer norma nos termos da qual o procedimento cautelar comum e o respectivo regime jurídico-processual, nos termos do artigo 362.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não é aplicável às insolvências e ao processo especial de revitalização (PER). Ao invés, o que o Tribunal recorrido entendeu foi, que, no caso vertente, a requerente e ora recorrente não provou indiciariamente a probabilidade séria da existência de um direito de que fosse titular e sobre o qual existisse um receio fundado e objetivo de violação geradora de lesão grave e de difícil reparação. Assim, o que considerou foi que pelo menos um dos pressupostos de que dependeria o decretamento da providência cautelar não estava verificado, o que é substancialmente diferente de dizer que o regime das providências cautelares não se aplica às insolvências e ao PER.

Assim, é de concluir que a norma que constitui objecto do presente recurso não foi aplicada na decisão recorrida, como ratio decidendi, o que justifica a prolação da presente decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.»

3. De tal decisão vem agora a recorrente reclamar para a conferência, através de peça com o seguinte teor:

«A., S. A., foi notificada da decisão sumária n.º 701/2022, proferida pelo Exm.° Juiz Conselheiro Relator — nos termos do n.º 1 do Artigo 78.° A da LTC (redação da Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro) e não se conformando com o teor da mesma, vem nos termos do art.º 78.° A, n.º 3 da mesma Lei, apresentar reclamação para a conferência, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

1) No recurso que apresentou e que mereceu uma decisão sumária, a recorrente e ora reclamante, expôs o seguinte:

Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade:

a. Da norma do art.0 362.0 n.° 1 do Código do Processo Civil, nos termos em que foi interpretada. Decorre das normas constitucionais e ordinárias do nosso ordenamento jurídico que sempre que alguém tenha fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado. A. recorrente tem direito a esta proteção geral, que se aplica genericamente a todas as situações, no amplo regime que o legislador pretendeu estabelecer e que acima se reproduziu. Interpretar, como az o acórdão recorrido, que o regime das providências cautelares não se aplica às insolvências e ao PER, é violador do princípio constitucional da razoabilidade e da proporcionalidade.

b. A ora recorrente insurge-se contra a recorrida por esta ter interposto, de má-fé, uma ação de insolvência, com o mero fito de reclamar o pagamento de € 905 840,53.

c. Por via de um contrato de consórcio interno no âmbito da empreitada promovida pela C.", no porto de D., consórcio esse que teve o seu termo no ano de 2018.

d. Ora, este é um valor controvertido por resultar de um encontro de contas realizado unilateralmente pela requerida.

e. Donde se extrai que o crédito em causa não ê certo, líquido ou exigível, não tendo, portanto, a requerida, ora recorrida, título que a habilite a recorrer a uma ação executiva.

f. A par do crédito infundado, a ora recorrente tem em curso um processo de reestruturação decorrente do investimento de terceiros no grupo económico, todavia, sendo o seu core business" ligado às empreitadas de obras públicas e particulares, tendo assim de comprovar a inexistência de ações de insolvência sob pena de ver recusado o acesso à contratação pública.

g. Acresce que o indeferimento liminar de providência cautelar está reservado a situações em que ocorrem exceções dilatórias insupríveis, de que o juiz possa conhecer oficiosamente ou quando a tese do requerente não tenha qualquer possibilidade de ser acolhida perante a lei em vigor. O que não é o caso.

h. Em momento algum a ora recorrente requereu que os autos de insolvência fiquem suspensos indefinidamente.

i. E inevitável concluir que, perante a ausência de qualquer fundamento que legitime o recurso à insolvência e sendo esta indevida por via da falta de fundamentação, com o pedido de insolvência, a ora recorrida, apenas visou usar o mesmo como um meio de pressão indevido e inadequado, visando exclusivamente a rápida satisfação de um crédito inexigível, em detrimento e ao arrepio dos procedimentos judiciais adequados para se proceder ao reconhecimento do direito que invoca e, caso assim fosse considerado, à sua cobrança coerciva.

j. Ou seja, a ora recorrida fiz um uso irracional e desproporcionado dos meios judiciais.

k. E o tribunal a quo, ao entender que o indeferimento liminar da providência cautelar foi a solução jurídica adequada, violou o normativo já acima indicado, bem assim como o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, previsto e consagrado no art.º 18.º n.º 2 da Constituição.

l. Tal princípio, o da razoabilidade remite a estruturação e a aplicação de outras normas, princípios e regras. É critério, princípio, constitucional que é usado em vários sentidos.

m. A aplicação do direito deve ser feita com razoabilidade...

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