Acórdão nº 30/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 30/2023

Processo n.º 1119/22

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., ora reclamante, foi condenado, por decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo Central Criminal de Leiria (Juiz 4) –no seguimento da anulação da decisão prolatada primeiramente naquele tribunal, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 27 de outubro de 2021 –, pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º e 131.º do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

1.1. Na sequência desta decisão, o arguido apresentou recurso junto do Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 20 de abril de 2022, o julgou improcedente, mantendo a decisão recorrida (cf. fls. 8-53, do apenso).

Notificado desta decisão, o arguido requereu a nulidade do acórdão recorrido, a qual foi indeferida por decisão de 1 de junho de 2022 (cf. fls. 54-63, do apenso).

Inconformado, o arguido apresentou novo requerimento de arguição de nulidade dos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, datados de 27 de outubro de 2021, 20 abril de 2022 e 1 de junho de 2022, “por violação das regras de formação do tribunal coletivo e, consequentemente, devolvido o processo à secção central para nova distribuição por todos os juízes que compõem a secção criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra (…).”, o qual foi indeferido por acórdão de 5 de agosto de 2022 (cf. fls. 73-78, do apenso).

1.2. Desta decisão, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não tendo sido admitido, por despacho do Tribunal da Relação de Coimbra datada de 14 de setembro de 2022 (cf. fls. 95-97, do apenso).

Inconformado, apresentou reclamação deste despacho, a qual foi indeferida por despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 10 de outubro de 2022 (cf. fls. 100-108, do apenso).

1.3. Sobre esta decisão, apresentou, em 24 de outubro de 2022, requerimento de arguição de nulidade e, em requerimento autónomo, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, «LTC»), nos seguintes termos (cf. fls. 118-119, do apenso):

«Notificado da decisão singular, vem o reclamante, interpor RECURSO para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

1.º

O presente recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.º, número 1, alínea b) e n.º 2 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.

2.º

O recorrente não se conforma com a aplicação das seguintes normas:

3.º

Da norma extraída dos artigos 119.º al. a) in fine, 399.º, 400.º/1 als. c), d) e f) e 432.º/1 al. b) do CPP, por violar os princípios constitucionais do direito ao juiz natural e ao recurso, consagrados no artigo 32.º/l e 9 da Constituição, na interpretação de que é irrecorrível o acórdão do Tribunal da Relação que aprecie, em primeiro e único grau, a invocada nulidade insanável, por violação das regras da sua própria composição. - (inconstitucionalidade suscitada no ponto 12 da reclamação}.

4.º

Da norma extraída do artigo 405.º/l do CPP, conjugada com os artigos 62.º/3 e 4 e 64.º/l da Lei 62/2013 de 26.08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário), inconstitucional, por violar o artigo 111.º/3 da Constituição, na interpretação de que o Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça pode delegar num dos Vice-presidentes do mesmo tribunal a competência para conhecer da reclamação ali prevista. - Aplicação impossível de conceber, razão pela qual não foi suscitada na reclamação.

Por legal, tempestivo e por quem tem legitimidade deve o presente recurso ser admitido e, por via disso, subirem aos autos ao Tribunal Constitucional.»

2. Por despacho do Sr. Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 3 de novembro de 2022, não foi admitido o recurso interposto pelo reclamante, com a seguinte fundamentação (cfr. fls. 120-125, do apenso):

«Fundamentação:

Questão suscitada em A)

Na decisão que indeferiu a reclamação não foi aplicada norma adjetivas penal que se tivesse extraído da interpretação conjugada do disposto nos artigos 119.º alínea a) in fine, 399.º, 400.º, n.º 1, alíneas d) e f), do CPP. Tal como nenhuma destas normas processuais foi aplicada individual ou conjuntamente na decisão recorrida.

Aliás, aquando do conhecimento da reclamação não houve pronúncia sobre a inconstitucionalidade arguida por a interpretação normativa resultante da conjugação das normas acima referidas, não ter servido de critério e fundamento para a decisão que indeferiu a reclamação, como se disse no ponto 3 da decisão. 

Aplicou-se unicamente as normas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º n.º 1, alínea c), do CPP e conheceu-se da inconstitucionalidade imputada à norma extraída da interpretação e aplicação conjugada destas duas normas de direito adjetivo penal.

Mas, o recorrente, não circunscreve nem autonomiza a inconstitucionalidade dessas duas normas com a interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida.

Questão suscitada em B)

Em primeiro lugar, repete-se aqui que a ratio da decisão ora recorrida não se fundou na aplicação de norma extraída da interpretação conjugada do disposto no artigo 405.º, n.º 1, do CPP, conjugada com os artigos 62.º n.ºs 3 e 4 e 64.º, n.º 1 da Lei 62/2013 de 26.08.

Fundou-se, isso sim, na norma do art.0 61º n.º 1 da LOSJ. Norma que o recorrente não convoca nem coloca sob recurso.

Em segundo lugar, mesmo que por mera hipótese académica tivesse sido aplicada a norma a que o recorrente alude, ainda assim estaria fora de cogitação qualquer afronta ao preceituado no art.0 111º n.º 2 da nossa Carta Magna porque, repete-se mais uma vez, não estava em causa qualquer delegação de poderes de um órgão de soberania em outro. Não estaria em causa a delegação do poder judicial no poder político ou no poder legislativo. O que haveria era uma delegação de competências jurisdicionais de um juiz titular de um tribunal em outro juiz titular do mesmo órgão de soberania.

Depois porque, face ao disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC só pode ser interposto por quem haja suscitado a questão da inconstitucionalidade "de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer

Sucede que na reclamação não foi suscitada a sobredita questão de inconstitucionalidade como o próprio reclamante reconhece. Sendo essa a única peça processual que aqui tem relevância.

Não tendo sido suscitada então, não podia ter sido apreciada na decisão ora recorrida.

Além da questão de inconstitucionalidade não ter sido suscitada na reclamação, também não apresenta qualquer surpresa para ninguém que a reclamação tenha sido decidida pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Desde logo pelas razões acima expostas; em síntese, que lei expressa — ao artigo 63.º n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto -, comete aos Vice-Presidentes o poder-dever de coadjuvar o Presidente no exercício das respetivas funções, de todas as suas funções, independentemente da natureza jurídica das mesmas.

Mas também porque são inúmeras as decisões dos diversos tribunais superiores neste domínio e também do Tribunal Constitucional que em imensos acórdãos identifica o Vice- Presidente do Supremo Tribunal de Justiça como decisor das reclamações apresentadas ao abrigo do art.0 405º do CPP.

Pelas razões expostas, sumariamente consistentes na não verificação dos pressupostos legalmente exigidos, conclui-se, pois, que o recurso não pode ser admitido.

Decisão: 

Não se admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, em conformidade com o disposto e em obediência ao estabelecido nos artigos 72.º n.º 2 e 76.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 28/82.»

3. É deste despacho que vem deduzida a presente reclamação, com os seguintes fundamentos (cf. fls. 2-8):

«Notificado do despacho que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 77.º/1 da Lei LOFPTC, o reclamante acima melhor identificado vem apresentar reclamação, a qual dever ser enviada de imediato para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, apresentando as seguintes razoes:

EGRÉGIOS JUÍZES CONSELHEIROS:

O tribunal reclamado errou ao não admitir o recurso, pois que conheceu do mérito do recurso de constitucionalidade para o que, alias, não detém competência, na medida em que o tribunal recorrido apenas aprecia os pressupostos como a legitimidade, a tempestividade, o ter sido suscitada a questão de inconstitucionalidade no processo, salvo o caso de aplicação surpresa, estar o recorrente patrocinado por advogado e ter interesse em agir, ressalvados ainda os casos em que o recurso é manifestamente infundado.

Compulsada a decisão recorrida, vemos que nenhum dos pressupostos impeditivos do recurso foi considerado como verificado, indo, ao invés, o tribunal a quo mais longe do que lhe é permitido, conhecendo do mérito do recurso, o que - repita-se - está vedado.

Vejamos, pois, os dispositivos legais que regem a matéria e constantes na Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional:

Artigo 75.º-A

(Interposição do recurso)

1. O recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie.

2. Sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do...

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