Acórdão nº 34/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 34/2023

Processo n.º 920/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Justiça, em que são recorrentes A. e B. e recorridos o Ministério Público e C., foram interpostos os presentes recursos, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 14 de julho de 2022.

2. Pela Decisão Sumária n.º 688/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento dos objetos dos recursos interpostos. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«3. Sendo dois os recorrentes, que apresentaram requerimentos de interposição de recurso de constitucionalidade distintos, a sua apreciação deveria ser separada. Contudo, verifica-se que há dimensões de ambos os recursos que justificam tratamento conjunto, por reclamarem valorações e juízos idênticos.

4. Tenha-se presente que ambos os recursos foram interpostos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de julho de 2022, que apreciou os recursos interpostos do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de junho de 2021, que, por sua vez, julgou os recursos interpostos do acórdão condenatório proferido pela 1.ª instância, confirmando-o integralmente.

Recorde-se também que, na parte relativa aos ora recorrentes, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça rejeitar os recursos a respeito de todas as questões relacionadas com as condenações criminais impostas a ambos os arguidos e às penas parcelares aplicadas pelo cometimento de cada um dos crimes dados como provados, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código de Processo Penal, pois tais condenações foram integralmente confirmadas em recurso pelo Tribunal da Relação – verificando-se, assim, dupla conforme –, sendo que nenhuma das condenações parcelares foi sancionada com pena superior a oito anos de prisão.

5. O recorrente A. pretende a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas:

i. «[A]rtigo 124.º a 127.° e 355.° do Código de Processo Penal, na interpretação que dele é feita pelo Venerando Tribunal da Relação e que acolhe a interpretação realizada pelo Tribunal de 1.a instância, e confirmada pelo Supremo Tribunal da Justiça, por violação do artigo 9.º, alínea b), conjugado com os artigos 205.°, n.° 1, e 32.°, n.° 1, todos da CRP (…) segundo a qual a livre convicção é suficiente para, sem prova direta, sem indicação de factos base, segundo regras de experiência comum ou de ciência em concreto, adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento» e «interpretação segundo a qual as presunções devem ser graves, precisas e concordantes, permitindo que perante os factos conhecidos (ou um facto preciso), se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras de experiência, certos factos são a consequência de outros, no valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção e na medida desse valor está o rigor da presunção»;

ii. «.[A]líneas b) e c) do número 1 do artigo 379.° do CPP alíneas a), b) e c) do número 2 do artigo 410.° do CPP, na interpretação que dele é feita pelo Venerando Tribunal recorrido, por violação do artigo 2.º, conjugado com o artigo 20.°, n.° 4, e artigo 205.°, todos da CRP» (…) no sentido em que tendo sido arguida qualquer uma destas nulidades/ilegalidades, ao Tribunal incumbe o dever de individualmente apreciar e fundamentar a sua decisão e explicitar o processo lógico ou racional que esteve subjacente à sua Decisão, não podendo apenas inferir sobre umas de forma genérica e infundada e omitir pronúncia sobre outras».

O recorrente B. pretende a apreciação da constitucionalidade da seguinte norma:

i. «[A]rtigo 127.° do Código de Processo Penal, na dimensão normativa com que foi aplicada no Acórdão Recorrido, segundo a qual a livre convicção do julgador é suficiente para, sem prova direta, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência em concreto, adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, violando, consequentemente, o Tribunal a quo, com a Decisão que proferiu o Princípio da Normalidade na utilização da Prova Indireta».

Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. No caso vertente, é manifesto que tal requisito não se mostra preenchido no que concerne às normas supra indicadas.

Mesmo que se admitisse que os enunciados formulados pelos recorrentes têm conteúdo normativo, sempre seria de concluir que o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou, como ratio decidendi, qualquer das referidas normas. Assim é porque rejeitou os recursos dos arguidos em questão, na parte em que visavam discutir o apuramento probatório dos factos subjacentes aos crimes pelos quais foram condenados, indicando expressamente que tal rejeição era extensiva a «todas as questões arguidas pelos recorrentes conexas com as, e subjacentes às, mencionadas condenações, concretamente, as do erro de julgamento em matéria de facto, da violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo, da interpretação e aplicação inconstitucional do art.º 127º do CPP (…)», dado ter o Supremo Tribunal de Justiça entendido que essas matérias eram irrecorríveis, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código de Processo Penal. Tais matérias encontravam-se, pois, já definitivamente julgadas, não beneficiando de terceiro grau de jurisdição.

Em consequência, no acórdão recorrido apenas se reapreciou a determinação das penas únicas aplicadas a cada um dos recorrentes, a partir das penas parcelares já definitivamente fixadas, na medida em que excediam os oito anos de prisão e, como tal, eram ainda passíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Conclui-se, pois, que as normas supra citadas, que constituem objeto dos presentes recursos, não foram aplicadas na decisão recorrida, como rationes decidendi, o que justifica a presente decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

6. O recorrente A. pretende também a apreciação da constitucionalidade de determinada norma reportada ao artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, por eventual violação do artigo 32.º da Constituição, argumentando que «quer no seu recurso para a 2.a instância, quer para o Supremo Tribunal, indicou e fundamentou a inconstitucionalidade dos factos dados como provados, por violarem o principio do contraditório e do direito de defesa, consagrados no art.º 32.° da Constituição da Republica Portuguesa».

De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que deve ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Ainda que não se chegue a compreender o concreto conteúdo da norma em apreço – remetendo o recorrente para a «interpretação que lhes é dada pelo Tribunal», sem a explicitar – certo é que a norma em causa não foi objeto de suscitação prévia da respetiva constitucionalidade por parte do recorrente em apreço. Percorrida toda a motivação e conclusões do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, não se vislumbra que o recorrente citado tenha invocado a inconstitucionalidade de alguma norma extraída do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, nem o recorrente identifica em que passagem de tal peça processual o terá feito.

A falta desse pressuposto do recurso obsta a que do mesmo se possa tomar conhecimento, também quanto a esta norma, justificando-se a presente decisão sumária (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).»

3. Da Decisão Sumária vêm agora os recorrentes reclamar para a conferência, apresentando os seguintes argumentos:

«A., na qualidade de arguido/recorrente, notificado que foi da Douta Decisão sumária no âmbito dos presentes autos, que negou tomar conhecimento do objeto de recurso oportuna e tempestivamente apresentado, de fiscalização concreta da Constitucionalidade nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 70.° n.° l, alinea b) , e 72.°, n.° 2 da Lei orgânica do Tribunal Constitucional, por ter legitimidade e estar em tempo e por ser legalmente admissível , pelo que, , conclui pelo preenchimento de todos os requisitos legais que condicionam a sua admissibilidade, vem ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 78.°A, n.° 3, da Lei orgânica do Tribunal Constitucional, apresentar Reclamação para a Conferência, o que faz nos termos e com os fundamentos constantes do requerimento que para o efeito ora se deduz e que dá aqui para todos os legais efeitos como integralmente reproduzido.

A - ENQUADRAMENTO INTRODUTÓRIO

- Nos exatos termos exarados na douta Decisão- Sumária objeto da presente reclamação, que aqui se alude em apertada síntese, o arguido/recorrente inconformado com a decisão proferida em primeira instância, leia-se, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Cascais, e do decidido em sede de recurso pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e Supremo Tribunal de Justiça, interpôs recurso para este Colendo Tribunal Constitucional ao abrigo do preceituado na alínea b) do n.° 1 e n.° 2, do artigo 70.° da...

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