Acórdão nº 32/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 32/2023

Processo n.º 859/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente Associação de Familiares das Vítimas da Tragédia de Entre-os-Rios, IPSS e recorridos o Ministério Público e A., S.A., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 5 de maio de 2022.

2. Pela Decisão Sumária n.º 648/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«5. O recurso interposto funda-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e tem por objeto a apreciação da norma «dos artigos 150.º, n.º 5, do CPTA e 29.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro (ETAF), "por vedarem a possibilidade de recurso de decisão liminar que não admitiu o recurso de revista por si interposto, ou seja, a impossibilidade legal de sindicância de decisão liminar que não admite o recurso em causa"».

Do artigo 70.º, n.º 2, da LTC, decorre que o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 cabe apenas de decisões que não admitam recurso ordinário. É de entender que a exigência de definitividade da decisão recorrida – entendida como a insusceptibilidade de poder ainda vir a ser modificada – impõe que não possa ser interposto recurso de constitucionalidade de decisão relativamente à qual seja suscitado incidente pós-decisório, pelo menos na medida em que o julgamento de tal incidente possa vir a repercutir-se no objeto do recurso de constitucionalidade.

Ora, tendo sido arguida a nulidade do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de maio de 2022, com fundamento em ininteligibilidade da decisão, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – logo, com repercussão direta sobre a questão de constitucionalidade normativa suscitada –, e tendo sido interposto recurso de constitucionalidade do mesmo acórdão no decurso do mesmo prazo, ou seja, antes de o incidente pós-decisório ter sido julgado, deve considerar-se que, por acção da recorrente, a decisão recorrida não consubstanciava uma decisão definitiva – no sentido relevante para efeitos do pressuposto processual estabelecido no artigo 70.º, n.º 2, da LTC –, na ordem jurisdicional respetiva. Isto porque, caso fosse reconhecida razão à recorrente no incidente de nulidade, sempre tal se repercutiria sobre o sentido e conteúdo do acórdão recorrido, no que à questão de constitucionalidade suscitada diz respeito. É este o entendimento tradicional e dominante na jurisprudência constitucional (v. os Acórdãos n.os 534/2004, 24/2006, 286/2008, 331/2008, 377/2011, 117/2012, 426/2013, 620/2014 e 622/2017), ainda que não unânime (v. o Acórdão n.º 329/2015), não se vislumbrando razões para dissentir de tal orientação jurisprudencial.

Deve sublinhar-se ainda que, à data da admissão do recurso de constitucionalidade, ainda o incidente pós-decisório se mostrava por julgar, embora tal já não fosse o caso aquando da subida dos autos a este Tribunal Constitucional. De qualquer forma, o momento relevante para a apreciação dos pressupostos e requisitos do recurso de constitucionalidade é o da respetiva interposição e não o da sua admissão − menos ainda o momento da sua remessa ao Tribunal ad quem. A não ser assim, isto é, a admitir-se que a verificação dos pressupostos e requisitos do recurso de constitucionalidade, designadamente a definitividade da decisão recorrida, pode ocorrer supervenientemente, estar-se-ia a transferir da parte para o tribunal a quo o ónus processual da tempestividade do recurso, na medida em que o preenchimento desse pressuposto processual estaria inteiramente dependente da discricionariedade daquele tribunal.

A propósito desta questão, escreveu-se no Acórdão n.º 734/2014:

«A existência dos pressupostos de admissibilidade do recurso deve ser aferida à data da respetiva interposição, não sendo admissível, nem justo, que os requerimentos de interposição de recurso sejam distinguidos em função de uma álea quanto ao tempo de resolução das pretensões deduzidas pelos recorrentes. Dito de outro modo, não seria justo nem minimamente fundado se, existindo, por hipótese, dois recorrentes, que, simultaneamente à apresentação dos respetivos requerimentos de interposição de recurso de constitucionalidade, tivessem apresentado dois incidentes pós-decisórios junto do tribunal a quo, os mesmos vissem os seus requerimentos de interposição de recurso ser alvo de tratamento diferenciado pelo Tribunal, em função da maior ou menor dilação na prolação da decisão dos incidentes pós-decisórios apresentados por cada um deles, em idênticas circunstâncias.

Pelo exposto, conclui-se que o Tribunal Constitucional deve apreciar os pressupostos de admissibilidade dos recursos, com referência à data da respetiva interposição – excetuados os casos em que ocorrência processual superveniente torne a apreciação inútil – e não fazer depender tal admissibilidade de circunstâncias processuais alheias aos recorrentes, como o momento em que o despacho de admissão do recurso é proferido pelo tribunal a quo ou o momento em que o processo é efetivamente enviado para o Tribunal Constitucional, tudo, de resto, em obediência a um princípio de igualdade de tratamento.

Assim, é indiferente, para efeito da admissibilidade do recurso, se um determinado incidente pós-decisório é considerado ou não procedente pelo tribunal a quo, após tal interposição.»

É esta jurisprudência que aqui importa reiterar, o que permite concluir que, em virtude da dedução do incidente de nulidade, o recurso de constitucionalidade incidia sobre decisão não definitiva, na aceção do artigo 70.º, n.º 2, da LTC, o mesmo não pode ser admitido.

6. Embora este fundamento seja suficiente para justificar a não admissão do recurso, outro fundamento justificaria idêntico desfecho.

Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é sindicada pela recorrente.

Este requisito não se mostra preenchido no que concerne...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT