Acórdão nº 3/15.0T8BJA.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO AA, instaurou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BB e CC, alegando, em síntese, que realizou obras, a expensas suas, num prédio propriedade destas, que viram, assim, o seu património beneficiado à custa do património dele, sem que existisse causa justificativa, sendo que no aludido prédio estão instalados estabelecimentos comerciais custeados a expensas do autor e dos quais são retirados pela rés proventos provenientes da exploração, formulando o seguinte pedido: “Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente ação ser julgada totalmente procedente por provada e, por via disso, a) serem as Rés condenadas a restituir ao Autor a quantia de €: 98.250,00 (Noventa e Oito Mil Duzentos e Cinquenta Euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de trânsito em julgado da decisão que lhes atribuiu a propriedade do imóvel supra descrito, até efetivo e integral pagamento, b) e, bem assim, serem as Rés condenadas, em quantia a apurar em sede de execução de sentença, a restituir ao aqui Autor todas as quantias que fizeram integrar no seu património provenientes da exploração dos estabelecimentos comerciais instalados no prédio supra identificado, c) Tudo com custas, procuradoria e demais encargos legais a cargo das Rés”.

Apresentada a contestação e tramitado o processo veio a ser realizada audiência final e, no seu seguimento, proferida sentença pela qual se decidiu julgar a ação improcedente e absolver as rés do pedido.

* Irresignado, veio o autor interpor recurso de apelação, vindo a Relação de Évora, em acórdão, a proferir a seguinte “DECISÃO Pelo exposto, nos termos supra explicitados decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, na parte impugnada, condenando-se as rés a restituírem ao autor a quantia que este suportou com as obras a que se alude em 5 e 6 dos factos provados, que se vier a liquidar em execução de sentença.”.

* Por sua vez inconformadas, vieram as RR CC e BB, interpor recurso de revista, apresentando alegações que rematem com as seguintes CONCLUSÕES: 1. O recorrente não tem direito à indemnização que peticiona pois não provou os factos que alega; 2. Não existiu empobrecimento do recorrido nem enriquecimento das recorrentes, por força da realização das obras em causa nos autos, não se encontrando preenchidos os pressupostos para atribuição de indemnização, por força do instituto do enriquecimento sem causa.

  1. As obras realizadas foram consumidas, utilizadas, esgotadas com a utilização que o casal deu ao prédio durante anos de vida em comum.

  2. O recorrido beneficiou até as mesmas se esgotarem das obras realizadas; 5. Não existe, assim, qualquer enriquecimento das recorrentes à custa do recorrido, nem um empobrecimento deste, que beneficiou anos e anos e enquanto residiu no prédio, das obras efectuadas; 6. As obras realizadas na década de 90 deixaram de existir, uma vez que o prédio muito degradado teve de sofrer intervenções profundas, efectuadas a partir do ano de 2012.

  3. A existir um crédito de obras, tratar-se-ia de um crédito do casal que teria de ter sido partilhado, no âmbito do processo de inventário para partilha de bens do casal; 8. A questão das benfeitorias nunca foi suscitada naquele processo; 9. Seria, assim, no processo de inventário que deveria ter sido suscitada a questão da existência ou não de um crédito de um membro do casal sobre o outro, ou a existência de um crédito sobre o casal.

  4. O recorrido não logrou provar que realizou no prédio benfeitorias úteis ou necessárias.

  5. Tratando-se de benfeitorias voluptuárias, e não podendo ser levantadas (sem que houvesse detrimento da coisa) o recorrido nunca poderia haver o valor das mesmas.

  6. Não podem ser relegados para liquidação de sentença quaisquer valores, pois não foram dados como provados os factos constitutivos do direito peticionado; 13. Não é verdade que a realização de obras tivesse valorizado o imóvel em 129.264,21 euros; 14.Foram violados, por erro de interpretação os artigos 342º, 473º, 474º, 479º,1273º e 1275º do Código Civil; TERMOS EM QUE DEVE O DOUTO ACÓRDÃO SER REVOGADO, E AS RECORRENTES ABSOLVIDAS DOS PEDIDOS.

    * Contra-alegou o Autor/recorrido, pugnando pela improcedência do recurso, com a manutenção do acórdão recorrido.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    ** II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

    Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).

    ** Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir são as seguintes: § Se as obras realizadas no prédio, aludidas em 5 e 6 dos factos provados, são benfeitorias voluptuárias.

    § Se estão preenchidos os pressupostos ou requisitos do enriquecimento sem causa que permitam a atribuição de indemnização ao Autor/benfeitorizante.

    § Se a existir um crédito por tais benfeitorias (obras), o mesmo teria de ter sido partilhado no âmbito do processo de inventário para partilha de bens do casal; § Se a fixação do quantum indemnizatório devido ao Autor não podia ser relegado para liquidação de sentença.

    ** III – FUNDAMENTAÇÃO III. 1.

    FACTOS PROVADOS É a seguinte a matéria de facto provada (fixada na Relação após impugnação em recurso): 1. O Autor e a 2.ª Ré casaram em 6/12/1991, sem convenção antenupcial; 2. Esse casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado em 20/06/2005; 3. Que correu processo de inventário para partilha do património comum do casal (Processo n.º 364/03....); 4. No âmbito do Processo n.º 62/07.... foi reconhecida a aquisição por usucapião pelas Rés do direito de propriedade sobre o imóvel em causa nos autos.

  7. O Autor e a 2ª Ré efectuaram as seguintes obras no imóvel: - obra de alvenaria em todo o prédio; - obra no telhado em todo o prédio, com colocação de placa e telha; - aplicação de pavimento revestido a mosaicos; - reboco e pintura de paredes interiores e exteriores do imóvel, com criação de novas paredes e divisões; - instalação eléctrica e louças sanitárias novas; - colocação de portas interiores novas e janelas em alumínio; 6.

    Bem como, na parte do prédio afecto ao estabelecimento comercial de minimercado: - Aumento do estabelecimento, remodelação de paredes interiores e exteriores; - Colocação de pavimento revestido a mosaico; - Instalação eléctrica e louças sanitárias novas; - Reboco e pintura das paredes; e, - Colocação de montra.

  8. À data da compra o imóvel tinha o valor patrimonial de € 645,79 e em 2012 o de € 129.910,00; 8. Em 1995 Autor e 2ª Ré contraíram um empréstimo de cerca de €25.000,00, que está a ser amortizado desde há vários anos pela Ré CC; 9. As obras foram custeadas com parte do valor desse empréstimo, pela 1ª Ré e falecido marido e com rendimentos provenientes do trabalho do Autor e da 2ª Ré; 10. A partir de 2012 foram executadas no prédio obras, designadamente pintura exterior e interior, reboco da fachada do prédio e no interior, colocação de mosaicos, pavimento flutuante nos quartos, janelas de alumínio, portas novas cobertura em telha e alpendre.

    * Não se provou que:

    1. Com a realização das obras indicadas em 5 e 6 o Autor gastou as seguintes quantias monetárias: €: 3.000,00 – mão-de-obra de pedreiro e trolha, no supermercado; - €: 6.250,00 – mão-de-obra do telhado da casa; - €: 6.500,00 – mão-de-obra do telhado, cozinha e casa de banho do café; - €: 8.000,00 – mão-de-obra de electricidade na casa, café e supermercado; - €: 4.000,00 – mão-de-obra e material de carpintaria (portas, roupeiro e bancada de cozinha) da casa; - €: 6.000,00 – mão-de-obra e material de carpintaria (portas exteriores) do café, casa e supermercado; - €: 15.000,00 – mão-de-obra de trabalhos no quintal (paredes, muro, portões); - €: 25.000,00 – Material de construção (pavimento, tijoleiras, ripado de cimento para placa, areia, cola, cimento, ferro, tijolos, louça sanitária, azulejos, entre outros); - €: 7.000,00 – Telhas; - €: 15.000,00 – Material de Construção (pavimento, tijoleiras, ripado para o telhado, cimento, ferro, louça sanitária, azulejos, entre outros), no café; e, - €: 2.500,00 – ar condicionado no café.

    2. O Autor e a Ré colocaram vedações de quintal.

    ** III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO Analisemos, então, as questões suscitadas na revista.

    § As obras realizadas no prédio, aludidas em 5 e 6 dos factos provados, são benfeitorias voluptuárias? É mais que evidente que tais obras são benfeitorias e que se não integram, de todo, no conceito de benfeitorias voluptuárias, ao contrário do que que as recorrentes pretendem fazer crer.

    As obras que o Autor, conjuntamente com a 2ª Ré, alegou e se provou ter levado a cabo no prédio alheio (das Rés), estão elencadas nos pontos de facto provados nºs 5 e 6.

    São elas (o destaque é nosso): 5. (… - obra de alvenaria em todo o...

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