Acórdão nº 1013/16.6T9STS-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO M. MENEZES
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º: 1013/16.6T9STS-A.P1 Origem: Juízo Central Criminal de Vila do Conde (Juiz 2) Recorrente: Ministério Público Referência do documento: 16564343 I 1.O Ministério Público impugna, no presente recurso, decisão proferida no Juízo Central Criminal de Vila do Conde (Juiz 2), que, afastando o entendimento «de que todas as penas parcelares que tenham transitado em julgado, e pelo simples facto de terem, são integradas no cúmulo» nos casos em que «tal redundar na aplicação de uma pena mais desfavorável ao condenado», e ponderando «que a realização de cúmulo jurídico de todas as penas sofridas pelo condenado [nos autos] [...] redundaria, atentas as regras de determinação da pena única de concurso, na fixação de uma pena privativa da liberdade que de todo beneficiaria o arguido, ao invés», decidiu «não proceder à realização do cúmulo jurídico das penas acima elencadas em que foi o arguido condenado».

  1. Este é, na parte aqui relevante, o texto da decisão recorrida: «I - Sobre o cúmulo jurídico de penas em que foi condenado o arguido AA e o concreto objecto, importa salientar que estão em causa em causa as penas em que o arguido foi condenado no âmbito dos presentes autos e dos processos 107/19.0PAVNF e 401/20.8PAVNF, das quais apenas a condenação deste último se reporta a uma prisão efectiva e as demais a penas cuja execução foi suspensa.

    Se certo é que nos deparamos com uma situação de conhecimento superveniente de concurso, atentos os termos estabelecidos pelo artigo 79°, n.° 1 do CP, que se verificam tanto o pressuposto temporal, como o pressuposto da(s) pena(s) proferida(s) na(s) condenação(ões) anterior(es) se não encontre(em) ainda cumprida, prescrita ou extinta, a verdade é que pelas razões que infra se elencarão, nas situações em que em causa estejam condenações em penas de prisão (efectiva) em concurso com condenações em penas de prisão cuja execução foi suspensa, bem assim os casos em que em que estão em concurso várias penas de prisão suspensas na sua execução, não deve ser realizado o cúmulo jurídico de tais penas em concurso.

    Não somos alheios posição é por ora minoritária (em sentido contrário ao nosso, vejam-se Paulo Dá Mesquita, in “O Concurso de Penas”, Coimbra Editora1997, pág. 95 e ss. e Tiago Caiado Milheiro, in “Cúmulo Jurídico Superveniente - Noções Fundamentais”, Almedina-Casa do Juiz, 2016, pág. 112 e ss., citando ambos abundantes jurisprudência para sustentação da tese defendida), não podemos deixar de pugnar pelo entendimento que os cúmulos jurídicos de penas suspensas não devem ser realizados, bem assim as penas suspensas não podem ser cumuladas com penas efectivas, caso se conclua que o arguido teve uma “reacção favorável” à suspensão e se possa fazer um juízo de prognose positivo, no sentido de que, em liberdade, continuará o seu processo de ressocialização, existindo vantagens em manter a sua suspensão. Ou seja, antevendo-se que a realização do cúmulo jurídico das penas suspensas na sua execução irá “conduzir” a uma pena efectiva, mas o arguido alterou o seu comportamento na vigência das execuções das penas, entende-se que não há obrigatoriedade em realizar o cúmulo jurídico. Neste sentido, aliás, já decidiu o STJ em Acordão de 24.01.1996, publicado na CJSTJ 1996, tomo I, pág. 184. Parecendo ser este o argumento já aduzido pelo arguido quando notificado para o o efeito E são as seguintes as razões para tal e em reforço deste entendimento: a.

    em primeiro lugar, quando em concurso está(ão) pena(s) de prisão ((efectiva(s)) e pena(s) de prisão cuja execução foi suspensa, não podemos esquecer que se tratam de penas com natureza diferente, pois que - a pena suspensa não implica a privação da liberdade; - tem requisitos específicos de imposição, bem assim regras próprias de cumprimento e regras de revogação, as quais não se confundem com a regras que regem a reclusão (cfr. artigos 50° a 54° e 55° a 57°, todos do CP; - a pena suspensa só pode ser revogada em caso de incumprimento culposo do condenado; v só com a revogação é que se “retorna” a uma pena privativa da liberdade (e só nestes casos então é que se torna possível a realização de cúmulo jurídico, verificados os demais pressupostos enumerados no 3o parágrafo do presente despacho); Donde, a realização de cúmulo jurídico para se alcançar uma pena única, sem que tenha existido, ou apurado, o incumprimento culposo do condenado, consubstanciaria uma violação da lei, que apenas admite a substituição e revogação em casos expressamente previstos.

    b.

    em segundo lugar, não podemos esquecer que o comportamento do arguido anterior à aplicação da(s) pena(s) suspensa(s) foi já atendido para a decisão de suspensão da execução da pena de prisão e que ainda se mantém no actual momento; c.

    em terceiro lugar, as privações da liberdade são descontadas na pena única, ao contrário da revogação da suspensão que necessariamente determina o cumprimento da pena fixada na sentença (vide artigos 80° a 82° e 57°, n.° 2, todos do CP), o que se mostra incompatível com o instituto jurídico do desconto, designadamente com a fórmula legal prevista para a fixação da pena única (assim, Ac. Rei. Lisboa de 11.09.2013, sendo Relatora Juíza Desembargadora Margarida Ramos de Almeida, in www.dgsi.pt).

    d.

    Por fim, não poderá deixar de ser inconstitucional, por violação do caso julgado consagrado no artigo 29°, n.° 5 da CRP uma decisão que “revogue” pena(s) suspensa(s) e a(s) substitua por uma pena única conjunta de prisão efectiva, não podendo ademais tal decisão deixar de ser violadora do artigo 18°, n.° 2 e 3 da CRP, por violadora de direitos, liberdades e garantias do arguido e bem assim beliscadora do princípio ne bis in idem (neste sentido, Nuno Brandão, comentário ao Ac. STJ de 03.07.2003, in RPCC, 2005, n.° 1, pág. 117 e ss.).

    Cremos, ademais, não poder deixar de atentar aos princípios que enformam e norteiam a fixação de uma pena única de concurso nas apontadas situações de conhecimento superveniente, como sejam os princípios gerais ou normais de determinação da pena única: de modo algum pode ser ultrapassado o limite da culpa e não podem ser esquecidas as finalidades especial-preventivas de aplicação das penas. Desta feita, e como se decidiu no já citado Ac. STJ de 24.01.1996, “(...) é assim possível concluir-se que enquanto a pena no instituto da suspensão da execução exerce tão só a função de quantitativo de ameaça destinado a afastar o arguido da criminalidade, a pena única visada com o concurso visa estabelecer uma pena adequada aos factos e á personalidade do delinquente (...). Isto considerado e atenta a necessidade de tornar maleável a utilização da suspensão da execução da pena na sua função de pena não detentiva, é de libertá-la na medida do possível dos limites formais, como se sugere na introdução do Código Penal. Daí que se entende que não devem as penas ser submetidas às regras dos artigos 78° e 79° do CP se nisso se considerar haver vantagens para as penas não detentivas”.

    Por tal, e...

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