Acórdão nº 045750/21.3YIPRT-L1-S1 de Tribunal dos Conflitos, 31 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução31 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal dos Conflitos

Tribunal dos Conflitos Acordam, no Tribunal dos Conflitos: 1. Em 13 de Maio de 2021, Novo Verde – Entidade Gestora de Resíduos de Embalagens, S.A., requereu junto do Balcão Nacional de Injunções uma injunção contra Silvex, Indústria de Plástico e Papéis, S.A., pedindo o pagamento de € 115.701,54 (€ 113.176,79 de capital, € 2.331,75 de juros de mora vencidos, € 40 de custos de cobrança da dívida e € 153 de taxa de justiça paga), acrescido dos juros de mora vincendos até integral pagamento.

Alegou, em suma, que entre requerente e requerida foi celebrado um contrato de adesão ao Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens, nos termos do qual a requerida transferiu para a requerente a sua responsabilidade pela gestão e destino final dos resíduos de embalagens que coloca no mercado nacional, mediante o pagamento de uma prestação financeira anual à requerente, em montantes definido nos termos do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de Dezembro, da Licença e do Contrato.

Apesar de interpelada, porém, a requerida não liquidou duas facturas correspondentes à quarta tranche da prestação financeira anual devida no ano de 2020.

Citada, a requerida Silvex,, S.A., opôs-se à pretensão da requerente (impugnando os factos) e deduziu reconvenção, opondo a compensação de créditos e pedindo a condenação da requerente nos montantes que indica.

A requerente replicou.

Notificadas para se pronunciarem sobre a competência material para a apreciação da causa, conforme determinado pelo despacho de 14 de Março de 2022 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Cascais – Juiz ..., tribunal para onde foi remetido o processo para distribuição, a requerente sustentou serem competentes os tribunais comuns e a requerida os tribunais administrativos.

A 28 de Março de 2022, no despacho saneador-sentença, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Cascais – Juiz ... declarou-se materialmente incompetente para conhecer da presente ação, atribuindo a competência à jurisdição administrativa.

Para assim decidir, em síntese, o tribunal entendeu que “Tendo presente que a A. tem por missão a satisfação das referidas necessidades de interesse público, encontrando-se licenciada, como se referiu, para exercer a actividade de gestão de resíduos de embalagens enquanto gestora do sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens (SIGRE), e considerando a natureza dos contratos celebrados entre as partes, a fim de dar cumprimento ao estabelecido no D.L. 366-A/91, de 20/12, e designadamente das contrapartidas no mesmo estabelecidas, que são aprovadas pela APA (e que aprova também os valores de informação e motivação, o plano de marketing e o investimento em investigação), há que concluir que está preenchida a previsão das al. e) e f) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF.

” (na redacção inicial da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro).

Inconformada, a requerente Novo Verde, S.A., interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa; a requerida Silvex, S.A., contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.

Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Setembro de 2022, foi negado provimento ao recurso e confirmada a decisão da primeira instância.

O Tribunal da Relação de Lisboa considerou que, sendo a requerente titular de uma licença concedida pela Administração Pública e estando sujeita ao seu controlo, está preenchida a previsão do art. 2.º, n.º 2, al. b), do CCP. Assim, e estando em causa questões relativas ao (in)cumprimento de contrato celebrado no âmbito do SIGRE – Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens – as mesmas integram-se na previsão do art. 4.º, n.º 1, al. e), do ETAF, sendo materialmente competentes para conhecer da acção os Tribunais da jurisdição administrativa.

  1. A requerente interpôs recurso para o Tribunal dos Conflitos, nos termos do art. 101.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: «A. Vem o presente recurso interposto do acórdão que confirmou a decisão do Tribunal de primeira instância que se julgou materialmente incompetente para conhecer da matéria em discussão nos presentes autos.

    1. Concluiu o Tribunal a quo que “a A. é titular de uma licença concedida pela Administração Pública e sujeita ao controlo desse Entidade, o que preenche a previsão do artigo 2.º, n.º 2 alínea b) do CCP” e que “as questões relativas ao (in)cumprimento do contrato em causa nos autos, celebrado no âmbito do SIGRE (…) se integram na previsão do artigo 4.º, n.º 1, e) do ETAF, sendo materialmente incompetente o Tribunal Judicial Cível para conhecer da ação e competentes para conhecer da ação os Tribunais da jurisdição administrativa”.

    2. Salvo o devido respeito, que é muito, o acórdão recorrido é ilegal por erro quanto aos pressupostos de facto e por errada aplicação do Direito aos factos.

    3. Com efeito, o litígio submetido à apreciação do Tribunal não emerge de uma relação jurídico-administrativa, nem se enquadra em qualquer alínea do artigo 4.º do ETAF, como erroneamente resulta do acórdão agora posto em crise.

    4. Não se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 4.º, n.º 1 alínea e) do ETAF.

    5. A Recorrente e a Recorrida são ambas pessoas coletivas de direito privado: ambas são sociedades comerciais sob forma de sociedade anónima de capital exclusivamente privado.

    6. É verdade que a Recorrente atua ao abrigo de uma licença, concedida pela Administração Pública, mas não é a circunstância de estar licenciada para uma atividade que altera o seu estatuto jurídico de pessoa coletiva de direito privado, que a converte em entidade adjudicante para efeitos de aplicação das regras do Código dos Contratos Públicos (“CCP”) ou que qualifica os contratos que celebra como contratos públicos.

    7. Na verdade, não estamos perante qualquer contrato administrativo ou um contrato celebrado nos termos da legislação sobre contratação pública, nem a Recorrente é uma pessoa coletiva de direito público ou qualquer outra entidade adjudicante, erros quanto aos pressupostos de facto que se arguem para todos os efeitos legais.

      I. Define o artigo 280.º, n.º 1 do CCP os contratos públicos como “aqueles em que pelo menos uma das partes seja um contraente público”, convocando-se aqui o conteúdo do artigo 2.º do CCP, que clarifica quem preenche o conceito de entidade adjudicante.

    8. Analisado o preceito, facilmente se conclui que a Recorrente não preenche o conceito de entidade adjudicante, pelo que os contratos que celebra não revestem a natureza de contratos públicos.

    9. O n.º 1 deste preceito identifica os organismos pertencentes ao setor público administrativo tradicional e o n.º 2 estende a sua aplicação a outras realidades, como sejam os organismos de direito público ou as associações de que façam parte uma ou várias das pessoas coletivas referidas nas alíneas anteriores.

      L. Para que uma entidade, independentemente da sua natureza jurídica, possa ser enquadrada no conceito de organismo de direito público, é preciso que, cumulativamente: Prossiga necessidades de interesse geral, não tenha carácter industrial ou comercial, seja maioritariamente objeto de financiamento público, está sujeita ao controlo de gestão das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, a maioria dos titulares dos órgãos sociais foi designada por entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º.

    10. E certo é que falham os requisitos para que possa ser qualificada como um organismo de direito público ou que permitam identificar uma relação com outros organismos de direito público.

    11. A Recorrente é responsável pelos seus atos de gestão, suportando as suas perdas e aplicando os resultados positivos do seu exercício, sempre que umas e outros existam, de acordo com os seus próprios critérios de gestão. Não existe qualquer interferência na gestão da Recorrente por qualquer entidade pública.

    12. Não há efetivamente controlo de gestão público nem a maioria (ou algum sequer) dos titulares dos órgãos sociais foi designado por entidades públicas tradicionais ou por algum organismo de direito público.

    13. Por outro lado, a Recorrente é financiada exclusivamente pela atividade que desenvolve, pelos serviços que presta, não beneficiando de qualquer financiamento público ou subsídio à exploração.

    14. Logo, o contrato de onde emerge a dívida que constitui o objeto dos presentes autos não foi celebrado “por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”, como exige o supra citado artigo 4.º, n.º 1 alínea e) do ETAF, e não é, por maioria de razão, um contrato público.

    15. E também não é verdade que o contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida tenha sido celebrado nos termos da legislação sobre contratação pública.

    16. O contrato em causa nasce no contexto do princípio da responsabilidade alargada do produtor, densificado no Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro.

    17. O que significa, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, que a Recorrida tinha vários níveis de opção: podia requerer uma autorização para a implementação de um sistema individual ou aderir a um sistema integrado. Optando por esta última solução, que se admite como a mais razoável face à natureza da atividade da Recorrida, sempre poderia escolher o sistema integrado a que pretendia aderir, gerido por uma das três entidades licenciadas para o efeito.

    18. Através de um contrato de adesão, os operadores económicos transferem aquela responsabilidade para uma entidade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT