Acórdão nº 00220/09.2BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelHélder Vieira
Data da Resolução24 de Abril de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Vem o recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou parcialmente procedente a supra identificada acção administrativa especial, anulando parcialmente o acto impugnado — deliberação do Conselho de Administração do Hospital JLC – A...

, de 12-01-2009, que ordenou a reposição de 28.060,02€ —, anulando parcialmente o acto impugnado por verificação da prescrição das dívidas relativas às diferenças salariais respeitantes aos anos de 2002 e 2003, mantendo o acto na parte restante.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1): “1ª O aresto em recurso enferma da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC por ter decidido a acção sem curar do vício suscitado nas conclusões 14º e 16º das alegações apresentadas pelo A., sendo absolutamente omissa quanto à existência de enriquecimento sem causa e à sua inadmissibilidade, pelo que deixou por conhecer um dos vícios assacados ao acto impugnado.

  1. Ao não permitir ao A. provar um facto por si alegado – que efectivamente exercer as funções de Administrador Hospitalar de 2ª classe – no sentido de demonstrar que o acto impugnado era ilegal por envolver um enriquecimento sem causa do Estado e ao julgar, depois, improcedente a acção com o argumento de que o A. não lograra provar que efectivamente exercera as funções de Administrador Hospitalar de 2ª classe, o aresto em recurso violou frontalmente o direito à tutela judicial efectiva e o princípio da igualdade das partes – consagrados no artº 268º da Constituição e no artº 6º do CPTA - , dos quais seguramente resulta a obrigação de permitir a prova de todos os factos relevantes para a boa decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e ainda o direito de o A. provar em juízo, por qualquer meio legalmente admissível, os factos integrantes da sua pretensão e de cada um dos vícios assacados ao acto impugnado – para que depois, em função da prova produzida, o Tribunal possa concluir pela procedência ou improcedência de tais vícios.

    Acresce que, 3ª O aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento quando julgou improcedente o vício de violação de lei por erro nos pressupostos assacado à decisão impugnada, uma vez que, tendo o A. estado provido em cargos dirigentes por mais de sete anos, tinha direito a aceder automaticamente à categoria de administrador hospitalar de 2ª classe e a auferir o respectivo vencimento, pelo que o acto impugnado atentou contra o disposto nos nºs 1 e 2 do artº 32º da Lei nº 49/99 e contra o direito fundamental à retribuição, sendo absurdo que se negue tal direito com o argumento de que se estava perante uma carreira especial e que o acesso decorrente do exercício de funções dirigentes pressupunha a realização de um concurso, sobretudo quando era o próprio estatuto do pessoal dirigente a permitir o acesso sem a realização de qualquer concurso mesmo que em causa estivesse uma carreira especial.

    Na verdade, 4ª Não só apenas compete ao legislador determinar e enumerar quais são as carreiras ou corpos especiais (como, aliás, se comprova pela nossa tradição legislativa - v., nº 2 do artº 16º do DL nº 184/89,de 2 de Junho, e os artºs 28 e 29 do DL nº 353-A/89, de 16 de Outubro), como seguramente em parte alguma o DL nº 101/80 qualifica a carreira de Administrador Hospitalar como uma carreira ou corpo especial, pelo que seguramente a tese sufragada pelo Tribunal a quo é não só errada, não tendo qualquer suporte legal, como conduz a que por via judicial se proceda a uma qualificação de uma carreira que só ao legislador compete proceder (v., neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, CRP Anotada, 3ª ed., pág. 262 e, no mesmo sentido, PAULO VEIGA E MOURA, Função Pública. Regime Jurídico, direitos e deveres dos funcionários e agentes, 1ª vol., 2ª ed., pág. 71).

    Para além disso, 5ª Mesmo que por hipótese a carreira do A. fosse qualificada como uma carreira especial, sempre o aresto em recurso teria incorrido em erro de julgamento ao concluir que o A. não tinha o direito de ser provido como Administrador Hospitalar de 2ª classe e a auferir a remuneração correspondente, uma vez que só poderia alcançar tal conclusão se tivesse dado por provado que o A. não possuía os requisitos especiais de que o nº 2 do artº 8º da Lei nº 101/80 fazia depender o acesso a tal categoria – o que não fez-, pelo que sempre seria de todo errado julgar-se improcedente o vício invocado com o argumento de que o A. só poderia passar a administrador hospitalar de 2ª classe por concurso, sobretudo quando não se pode ignorar que o artº 32º da Lei nº 49/99 impunha expressamente que o acesso à categoria seguinte pelo exercício de funções dirigentes se faria sem a realização de concurso.

    Em qualquer dos casos, 6ª O aresto em recurso sempre teria igualmente incorrido em flagrante erro de julgamento ao considerar que o A. não tinha sequer direito a auferir a remuneração que recebeu por não se ter provado que efectivamente exercera as funções de Administrador hospitalar de 2ª classe, pois não só o facto alegado no artº 41º da petição inicial não foi objecto de impugnação – pelo que deveria ter sido dado por provado por acordo – como, em qualquer dos casos, não poderia deixar de ser sujeito a prova caso fosse considerado como controvertido, pelo que ao não dar por provado tal facto e ao não abrir um período de prova para depois julgar improcedente a acção com o argumento de que o A. não provara tal facto, o aresto em recurso não só violou o direito à tutela judicial efectiva como incorreu em erro de julgamento, uma vez que o A. exerceu efectivamente as funções de Administrador Hospitalar de 2ª classe e o trabalhador que exercer funções próprias de uma categoria superior tem direito a ser abonado com a remuneração correspondente a tal categoria (v., neste sentido, PAULO VEIGA E MOURA, Função Pública. Regime Jurídico, direitos e deveres dos funcionários e agentes, 1ª vol., 2ª ed., pág. 256, nota 569 e ainda o próprio nº 3 do artº 62º da Lei nº 12-A/2008).

  2. Consequentemente, seja por ter direito ao provimento automático na categoria de Administrador Hospitalar de 2ª classe, seja por ter exercido efectivamente as funções correspondentes a tal categoria, sempre seria manifesto que o A. foi abonado com a remuneração correspondente às funções efectivamente exercidas, não tendo sido processados quaisquer vencimentos indevidos e, portanto, não havendo qualquer quantia a repor, pelo que o acto impugnado atenta frontalmente contra o princípio da legalidade da Administração e contra o direito fundamental à retribuição segundo a quantidade, qualidade e natureza.

    Acresce que, 8ª Mesmo que assim não fosse e tivessem sido indevidamente processados os vencimentos ao A., sempre o aresto em recurso teria incorrido em flagrante erro de julgamento ao julgar improcedente o vício de violação dos princípios da boa fé e da protecção da confiança, consagrados no artº 266º da Constituição e no artº 6º do CPA, dos quais resulta que não há lugar à reposição das quantias que sejam recebidas de boa fé e sem a consciência do seu carácter indevido (v. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10ª ed., 2º Vol., pág. 646, e ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, pág. 436).

  3. Aliás, o próprio acórdão do STA citado pelo aresto em recurso aponta exactamente neste mesmo sentido, pelo que sabendo o A. que exercera durante sete anos cargos dirigentes e que beneficiava do direito à promoção, independentemente da realização de um concurso, assegurado no final do exercício das funções dirigentes pela Lei nº 49/99 e não ignorando que desde que regressara ao serviço de origem exercia efectivamente as funções de Administrador Hospitalar de 2ª classe – e que, por isso mesmo, tinha direito a auferir a remuneração correspondente às funções que efectivamente exercia - , é por demais notório que sempre recebeu as remunerações de boa fé e com a plena convicção de que as mesmas lhe eram devidas, não tendo qualquer fundamento para duvidar da legalidade dos actos de processamento nem para sequer questionar a bondade da conduta que durante anos sucessivos a sua entidade patronal vinha adoptando em matéria retributiva, até por não ser minimamente credível que se os serviços entendessem que não tinha direito a ser promovido e que não exercia de facto funções de categoria superior lhe pagassem durante anos uma remuneração superior à que corresponderia então à sua categoria.

    Por outro lado, 10ª Não obstante o Tribunal a quo não tenha conhecido do vício em questão – e que lhe foi suscitado nas conclusões 14ª a 16º das alegações ali apresentadas pelo A. -, a verdade é que a reposição das verbas auferidas pelo A. representa uma clara violação do princípio geral da proibição de enriquecimento sem causa e de locupletamento à custa alheia, na medida em que o A. exerceu efectivamente as funções de Administrador Hospitalar de 2ª classe para satisfação do interesse colectivo e, agora, com a reposição ordenada, o Estado tem quem lhe tenha assegurado a execução de tais funções sem ter de pagar o correspectivo económico previsto na lei para o desempenho dessas mesma funções.

  4. Por isso mesmo, e salvo melhor opinião, julga-se que este douto Tribunal não poderá deixar de anular o acto impugnado com fundamento na violação do princípio da proibição do Estado enriquecer sem causa justificativa à custa do A., tanto mais que a nossa doutrina já vem concluindo que entre tais situações proibidas de enriquecimento se encontram todas aquelas situações “… em que alguém presta serviços por conta de outrem sem auferir a respectiva remuneração e sem a existência de um vínculo jurídico válido e eficaz” (v. ALEXANDRA LEITÃO, “O Enriquecimento sem Causa na Administração Pública”, Lisboa, 1998, págs. 127).

    Por fim, 12ª O aresto em recurso enferma de erro de...

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