Acórdão nº 00320/11.9BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Janeiro de 2014

Data17 Janeiro 2014
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório L…, SA, NIF 5…, com os demais sinais nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra os actos de liquidação de taxas de ocupação da via pública referentes a 2011, no valor total de EUR 98.054,73.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. Em causa nos autos está a liquidação de taxas efectuada pela Câmara Municipal de Estarreja (adiante “CME”) no valor total de € 98.054,73 (noventa e oito mil cinquenta e quatro euros e setenta e três cêntimos), as quais incidiram sobre a rede de distribuição de gás natural da Recorrente que se encontra instalada no domínio público municipal.

  1. Os tributos foram liquidados nos termos da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas anexa ao Regulamento Municipal publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.° 60, de 26.03.2010, em vigor desde Abril de 2010, cujos pontos 11.2.5.1 e 11.2.5.2 prevêem o seguinte: “11.2.5 Outras construções ou instalações especiais no solo ou no subsolo: 11.2.5.1 Por cada autorização . . - 35,03; 11.2.5.2 Acresce por m2 ou fracção e por mês ... 1, 50’ 3. Contrariamente ao que julgou o Tribunal a quo, não está em causa a natureza desse tributo, questão que hoje é pacífica, mas sim a existência de vícios inerentes à própria liquidação, tais como a inadmissibilidade de cobrança de uma taxa por autorização para uso do domínio público e o erro na aplicação da taxa.

  2. O que a Recorrente defende é que, sendo certo que se trata de uma taxa, esta é ilegal por não respeitar o princípio da equivalência previsto no artigo 15.° da Lei das Finanças Locais e no artigo 4.° do RGTAL.

  3. Na p.i. de impugnação a ora Recorrente assacou várias ilegalidades ao acto de liquidação de taxas efectuado pela CME, sendo a primeira delas a inadmissibilidade de cobrança de uma taxa a título de autorização para ocupar o domínio público.

  4. Com efeito, em virtude de a instalação de condutas no subsolo municipal, bem como a sua ampliação, ser efectuada por uma concessionária de serviço público – a ora Recorrente – no âmbito dessa concessão, a lei deixa claro que não há lugar a qualquer tipo de licenciamento ou autorização por parte da autarquia.

  5. A segunda ilegalidade imputada ao acto de liquidação respeita a um erro na aplicação da taxa, porquanto foi cobrada a taxa prevista nos pontos 11.2.5.1 e 11.2.5.2 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas e não a que se encontra prevista no ponto 11.3.3.2, que é específica para a realidade tributada (ocupação do subsolo com tubos e condutas).

  6. A terceira ilegalidade reside na circunstância de o valor das taxas liquidadas não encontrar correspondência em nenhuma prestação municipal ou custo provocado pelo particular (in casu a Recorrente), nem ter na sua base actividades cuja realização seja de limitar através de critérios de desincentivo, pelo que atentam contra o princípio da equivalência consagrado no artigo 4.° do RGTAL.

  7. Sucede que a sentença recorrida não dedica uma única linha às ilegalidades invocadas pela ora Recorrente e que recaem sobre o acto de liquidação impugnado.

  8. O que o Tribunal a quo fez foi discorrer, em abstracto, sobre a legalidade da cobrança de taxas pela ocupação do subsolo municipal, citando vários acórdãos nesse sentido, mas não se pronunciou sobre as ilegalidades concretamente expostas na p.i., ou seja, sobre as questões invocadas.

  9. Não o tendo feito, só se pode concluir que a douta sentença é nula por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 125°, n.° 1 do CPPT e 668°, n.° 1, al. d) do CPC.

  10. Com efeito, a existência de uma autorização ou licenciamento, o erro no acto de liquidação e a conformidade do quantum do tributo com o valor das prestações dirigidas ao sujeito passivo representam verdadeiras questões e não meras soluções jurídicas, pois constituem a causa de pedir e não uma linha de argumentação jurídica e, por conseguinte, o Tribunal tinha o dever de se pronunciar sobre elas (cfr. o douto acórdão do STA de 31.10.2007, processo n.° 01007/06).

  11. Relativamente à liquidação da taxa prevista no ponto n.º 11.2.5.1 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas da CME, que prevê a cobrança de €35,03 por cada “autorização” para construções ou instalações especiais no solo ou no subsolo municipal, a discordância da Recorrente radica na circunstância de inexistir qualquer tipo de autorização, licenciamento ou, se preferirmos, utilizando a expressão contida no n.º 2 do artigo 4.° da LGT, remoção de um obstáculo jurídico à actividade do particular para ocupação do subsolo com a rede de distribuição de gás natural.

  12. De acordo com a Base XVII anexa ao Decreto-Lei n.° 33/91 e com o artigo 23°, alínea c) do Decreto-Lei n.° 374/89, de 25 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 8/2000, de 8 de Fevereiro, a Recorrente tem o direito legal de utilizar o domínio público, seja o domínio público estadual ou municipal porque a lei não faz qualquer distinção, desde que essa utilização se destine à implantação e exploração das infraestruturas da concessão, pelo que não carece de qualquer licença.

  13. Se ao particular já tiver sido atribuído, por lei, o direito de utilizar o domínio público – como sucede no caso concreto – deixa de existir um limite jurídico â actividade que tenha de ser removido, desaparecendo, assim, a razão de ser da licença.

  14. Em face do exposto, é lícito concluir que não existe obstáculo jurídico a ser removido pela autarquia para a ocupação do subsolo com a rede de gás e, consequentemente, a liquidação da taxa por “autorização” prevista no ponto n.° 11.2.5.1 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas carece de fundamento.

  15. Outra das questões a que a sentença recorrida não dedicou uma única linha, sendo, por isso, nula por omissão de pronúncia, foi o erro na liquidação, que resulta do facto de a CME ter liquidado uma taxa pela ocupação do subsolo (é esse o seu real propósito) ao abrigo dos pontos n.° 11.2.5.1 e 11.2.5.2 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas, e não do ponto n.° 11.3.3.2 da Tabela (taxa anual pela ocupação do subsolo com tubos e condutas com o valor de €4,00 por metro linear).

  16. A diferença não é despicienda, porquanto a Recorrente é forçada a pagar, anualmente, uma taxa cujo valor unitário é de € 18,00 por cada metro linear de rede, em detrimento de uma taxa anual de € 4,00 por metro linear que está especificamente prevista para esse tipo de ocupação.

  17. Nessa medida, sem prejuízo da manifesta nulidade da sentença relativamente a esta questão, os actos de liquidação devem ser anulados com fundamento em erro na aplicação da taxa.

  18. A equivalência jurídica não representa um princípio de direito fiscal, mas apenas uma forma de expressar a necessária bilateralidade das taxas, estando relacionada com a legitimação formal destas. Por outras palavras, a equivalência jurídica significa apenas que a taxa é a contrapartida de algo e a equivalência económica, esta sim um verdadeiro princípio, traduz a indispensável conformidade do valor da taxa ao custo ou ao valor da prestação (o benefício) que visa compensar 21. Acontece que, contrariamente ao que afirma o Mmo. Juiz a quo, não se encontra minimamente demonstrado que as taxas cobradas à Recorrente visam dar cobertura ao custo da prestação que lhe é dirigida (disponibilização de um bem público) ou ao benefício que lhe é proporcionado (valor da prestação).

  19. Essa demonstração, que não foi feita, competia à autarquia enquanto sujeito activo, conforme o disposto no artigo 74°, n.° 1 da LGT, e não ao contribuinte.

  20. Existe ainda um desrespeito ao princípio da equivalência por força do agravamento do valor da taxa como forma de desincentivo, o que não se encontra minimamente fundamentado pela autarquia e, mesmo assim, mereceu a concordância do Tribunal a quo.

  21. Com efeito, a CME limita-se a disponibilizar um bem público a um particular e a tolerar a utilização subsequente, sem incorrer em custos de fiscalização ou de manutenção, que correm integralmente por conta da concessionária.

  22. Atenta a natureza bilateral ou sinalagmática das taxas, a respectiva legitimação depende da existência de uma contraprestação geradora de custos ou de um benefício quantificável proporcionado por quem as cobra. Se assim não for, abre-se à porta à tributação, ainda que dissimulada, da utilidade económica que o bem público proporciona ao particular, o que equivale a tributar com base na capacidade contributiva que é própria dos impostos e não das taxas.

  23. Por outro lado, não se encontra fundamentada a razão pela qual no valor da taxa está incorporado um coeficiente de desincentivo da actividade no valor de € 1,50, que corresponde ao valor cobrado por m2/fracção e por mês.

  24. Não obstante a possibilidade conferida pelo artigo 4°, n.° 2 do RGTAL de as autarquias fixarem o valor das taxas de modo a desincentivar a prática de certas actividades, essa faculdade não se traduz em arbítrio porque mesmo que existam desvios aos princípios da equivalência e da igualdade tributária em nome de um objectivo extrafiscal, estes princípios possuem valor reforçado no confronto com outros valores de ordem extrafiscal que o legislador pode pretender acautelar.

  25. In casu, não se revela que objectivo de ordem extrafiscal a CME visa atingir com a aplicação de um coeficiente de desincentivo à ocupação do subsolo, nem se demonstra que esse agravamento é necessário, adequado e indispensável à prossecução daquele objectivo.

  26. Por essa razão, a introdução de um valor de € 1,50 a título de desincentivo no valor das taxas não obedece a critérios objectivos e de legalidade, que nem sequer foram invocados pela CME, sendo antes resultado do arbítrio da edilidade.

  27. Em síntese, estamos perante a liquidação de taxas cujos...

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