Acórdão nº 01230/13.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelHélder Vieira
Data da Resolução15 de Maio de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Pela Requerente e ora recorrente Liga...... foi interposto recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, no âmbito do supra identificado processo cautelar requerido contra a Presidência do Conselho de Ministros, indeferiu a pretensão cautelar consubstanciada no pedido de suspensão da eficácia, com efeitos circunscritos ao caso da Requerente, das seguintes normas administrativas constantes da Portaria nº 50/2013, de 5 de Fevereiro: Artºs 8º, 10º, nº 2, 11º e 13º, nº 1.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação [Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA,]: “1.ª A norma suspendenda é uma norma administrativa ou regulamentar, constante de uma portaria governamental, e adotada por um Secretário de Estado.

  1. A norma suspendenda incide sobre a liberdade de autoorganização de um certo tipo de associações (: as Ligas... profissionais), restringindo ou comprimindo essa liberdade de auto-organização, na medida em que lhes impõe a criação na sua estrutura orgânica interna de um órgão com uma determinada denominação, competências e composição.

  2. Na medida em que a norma suspendenda se aplica ao caso concreto da recorrente Liga... (que era uma associação que já existia e se encontrava em funcionamento à data de entrada em vigor da norma), a norma suspendenda está a aplicar-se a factos anteriores à sua entrada em vigor.

  3. A liberdade de auto-organização associativa é uma componente da liberdade de associação (art. 46.º da CRP), a qual por seu turno é uma das liberdades fundamentais que integram o catálogo constitucional dos direitos, liberdades e garantias; 5.ª A restrição de direitos, liberdades e garantias apenas se pode fazer por via legislativa (e não por via regulamentar ou administrativa), mediante lei da Assembleia da República ou decreto-lei parlamentarmente autorizado e não pode ter carácter retroativo (art. 18.º, n.os 2 e 3, da CRP).

  4. É assim claro que o art. 11.º, n.º 2, da Portaria está ferido de inconstitucionalidade material por violação da proibição de retroatividade das normas restritivas de direitos, liberdades e garantias (art. 18.º, n.º 3, da CRP), de inconstitucionalidade formal por preterição da forma de lei na restrição de direitos, liberdades e garantias (art. 18.º, n.º 2, da CRP), e de inconstitucionalidade orgânica por violação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República (art. 165.º, n.º 1, al. b), da CRP), do que resulta evidente e manifesta a procedência da pretensão a formular na ação principal de que os presentes autos de processo cautelar são dependência, conclusão salta à vista desarmada e não exige, para a sua formulação, especiais operações intelectuais ou exegéticas, o que sempre permite o, decretamento ao abrigo da al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA da suspensão da eficácia, com efeitos circunscritos ao caso concreto da recorrente Liga..., do art. 11.º, n.º 1, da Portaria.

  5. No caso presente a pendência da ação principal – até à sua decisão com sentença transitada em julgado – levará a que a norma ora suspendenda conduza à constituição de uma situação de facto consumado que nem a procedência da ação principal terá a virtualidade de afastar ou suprimir.

  6. Pois, a procedência da ação principal não afastará a circunstância de, durante a sua pendência, tal Comissão ilegalmente criada pela Portaria ter estado em funções e ter funcionado como um constrangimento e uma restrição à autonomia da requerente Liga... e à sua liberdade de auto-organização e de autodeterminação associativa.

  7. É este o dano que cuja consumação irremediável se pretende evitar por via da peticionada providência cautelar, pois não se decretando a peticionada providência os efeitos entretanto produzidos pela norma suspendenda durante a pendência da ação principal não poderão nunca ser removidos da ordem jurídica.

  8. A reconstituição da situação atual hipotética emergente de uma sentença definitiva de desaplicação (com efeitos circunscritos ao caso concreto) da norma suspendenda nunca permitirá reintegrar a ablação da liberdade de auto-organização e de autoconformação associativas que a Liga... ter-se-ia visto, num tal cenário, forçada a suportar na sua esfera jurídica durante todo o período de pendência da ação principal.

  9. Finalmente, também o requisito da ponderação de interesses, exigido pelo n.º 2 do art. 120.º do CPTA, se encontra preenchido.

  10. Pois, a desaplicação provisória e cautelar da norma suspendenda no presente recurso (depois de restringido o objeto do pedido cautelar) é insuscetível de causar qualquer dano a um qualquer interesse público e, em qualquer caso, a situação orgânica interna da requerente Liga... atualmente existente é de molde a garantir a prossecução de um eventual interesse público no controlo e cumprimento, pelos clubes, dos pressupostos de participação nas competições profissionais de futebol.

  11. A sentença recorrida está assim ferida de erro de julgamento, tendo violado o disposto no art. 120.º, n.º 1, als. a) e b), e n.º 2 do CPTA, bem como no art. 46.º da CRP..”.

    Conclui a recorrente dever este Tribunal “conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente, na procedência do pedido cautelar deduzido decretar a suspensão da eficácia da norma administrativa contida no n.º 1 do artigo 11.º da Portaria n.º 50/2013, de 5 de fevereiro, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 25”.

    O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: “A) A douta sentença recorrida não incorreu em nenhum dos vícios que a Recorrente lhe assaca; B) Com efeito, e desde logo, a criação de uma Comissão de Auditoria, com a específica finalidade de assegurar o cumprimento, pelas sociedades desportivas, dos parâmetros de reconhecimento da competição profissional, cujo reconhecimento cabe ao membro do Governo responsável pela área do desporto, não ofende, sequer por aparência, a autonomia estatutária da Recorrente; C) Mostrando-se, pois, perfeitamente razoável e proporcionada a criação de tal órgão, o mesmo, pela sua natureza e função, não afeta em nada a capacidade de auto-organização e auto-gestão da Recorrente; D) Não estando aqui em causa a restrição do direito de associação da Recorrente, não há que falar em invasão, que não existiu, da reserva de lei, parlamentar ou governamental; E) Bem assim, é inaplicável ao caso o regime da irretroatividade das leis restrivas de direitos, liberdades e garantias; F) Aliás, e em qualquer caso, não se está aqui perante a aplicação retroativa à Recorrente da norma do artigo 11.º, n.º 1, da Portaria n.º 50/2013, a qual se aplica ad futurum às Ligas... profissionais existentes e àquelas que venham a ser criadas; G) Em face de tudo quanto se invoca, e do mais – e melhor – que se contém na fundamentação da douta decisão impugnada, esta não enferma de erro de julgamento por não ter considerado manifesta a procedência da ação principal a propor pela Recorrente, dando por inverificado o requisito da adoção da providência requerida previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; H) Em segundo lugar, não colhe minimamente a tese da Recorrente segundo a qual a entrada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT