Acórdão nº 00209/08.9BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelIrene Isabel Gomes das Neves
Data da Resolução03 de Maio de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO C…, contribuinte n.° 1…, residente na Quinta…Bragança, deduziu impugnação judicial a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), relativa ao ano de 2004.

No Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela foi proferida sentença que julgou procedente a impugnação, decisão com que a Fazenda Pública não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou a FP, tendo concluído da seguinte forma: 1ª - Em processos de natureza semelhante à dos autos - em que se discute a tributação de rendimentos atribuídos a titulo de ajudas de custo no estrangeiro - a maioria da jurisprudência produzida tem entendido que a definição e concretização de domicilio necessário e o pagamento de um valor mensal fixo, por si só, não bastam para qualificar tais rendimentos como verdadeiras remunerações e em consequência tributáveis em sede de IRS.

  1. - Esse também foi o entendimento plasmado na douta sentença. Recomendando-se à Administração Tributária, a final, o aprofundamento da investigação e sugerindo-se: “Por exemplo, poderia ser indagado da existência de refeitórios ou dormitórios da entidade patronal nas obras em que o impugnante trabalhou em Angola. E, na dúvida, a AT deveria abster-se de praticar o ato.” Mas, na verdade, a AT procurou aprofundar a investigação. E o que se sugere na douta sentença foi efetuado pela AT, pois a entidade patronal foi notificada, no âmbito do procedimento inspetivo, através do oficio n°5611, de 24 de outubro de 2007 (Cfr. ponto 2.1 do Relatório de Inspeção Tributária, que se juntou à contestação como doc.2/8; e minuta do oficio como 2/17), para: “1) Indicação dos valores atribuídos às pessoas referidas, a título de vencimentos (valor bruto) e de ajudas de custo; 2) Fotocópia dos recibos de vencimento das pessoas referidas, do exercício de 2004; 3) Fotocópia dos Boletins Itinerários relativos aos valores pagos a título de ajudas de custo; 4) Fotocópia dos documentos justificativos dos valores pagos a título de vencimento e de ajudas de custo (ex.° transferência bancária ou cheques emitidos).

    5) Justificação de eventuais diferenças entre os valores processados nos recibos de vencimento (valor liquido a receber pelo funcionário) e dos valores efetivamente pagos; 6) Indicação do país e da localização das obras onde os trabalhadores referidos prestaram funções no estrangeiro; 7) Indicação da localização do estaleiro das obras identificadas no ponto anterior, esclarecendo quais as estruturas operativas existentes (cantina, dormitórios, clínica, etc.); 8) Indicação se as estruturas da empresa nesses estaleiros foram utilizadas pelo trabalhadores referidos, e se esse uso foi descontado no salário bruto; 9) Informação sobre a forma de processamento dos salários e de ajudas de custo, a domiciliação bancária do salário líquido e das ajudas de custo pagas aos funcionários deslocados no estrangeiro.” E o trabalhador, ora impugnante, foi notificado, também no âmbito do procedimento inspetivo, através do oficio n°5608, de 24 de outubro de 2007 (Cfr. ponto 2.2 do Relatório de Inspeção Tributária, que se juntou como doc.2/9; e minuta do oficio como 2/15), para: “1) Indicação dos valores auferidos a título de vencimentos (valor bruto) e de ajudas de custo; 2) Fotocópia dos recibos de vencimento do exercício de 2004; 3) Fotocópia dos Boletins Itinerários relativos aos valores recebidos a título de ajudas de custo; 4) Fotocópia dos documentos, das despesas suportadas com a alimentação, alojamento e transportes realizadas para desempenhar as suas funções no estrangeiro, justificando a sua falta de apresentação dos mesmos (ex.° despesas pagas pela entidade patronal...); 5) Fotocópia dos documentos justificativos dos valores recebidos a título de vencimento e de ajudas de custo (ex. ° extrato bancários dos valores transferidos (ou depositados) pela entidade patronal, cheques emitidos pela entidade patronal).” 3ª - A empresa S..., SA, respondeu (Cfr. doc.2/19) a esta solicitação, remetendo todas as explicações para o processo inspetivo realizado pela DSIT. E o impugnante não respondeu à notificação (Cfr. ponto 2.2 do Relatório de Inspeção Tributária, doc.2/9). Ou seja, fazendo uso da expressão popular, a AT “bateu às portas” de quem poderia dar as tais informações sobre a eventual existência de estaleiros, dormitórios e cantinas e uso das mesmas por parte do impugnante. Mas as “portas” não se abriram por vontade dos visados. E assim, foi o impugnante e foi a entidade patronal do mesmo, que inviabilizaram o aprofundar da investigação. E o que a AT pedia era razoável e as respostas - que não foram dadas - poderiam esclarecer, em definitivo, esta questão. Assim, a Administração Tributária não sabe se estes estaleiros existiam nas obras em que a impugnante trabalhou. Também não sabe, no caso de existirem tais estruturas de apoio, se o trabalhador fez uso das cantinas e dormitórios da empresa.

  2. - Por isso, na contestação se pediu a inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344° n.°2 do Código Civil e 519° do Código de Processo Civil. Mas sobre estes factos, sobre esforço realizado pela AT, sobre a aferição da titularidade do ónus da prova, nada foi escrito, nem decidido na douta sentença. Resolvendo-se a impugnação judicial por semelhança, como uma de muitas mais - quando, na perspetiva da Fazenda Pública, existem especificidades próprias neste processo que impedem essa generalização.

  3. - Especificidades acima descritas que, no limite, sempre impediriam o conhecimento imediato do pedido, nos termos do artigo 113º do CPPT, com a evolução, natural, dos autos para a instrução, com, pelo menos, a produção de prova testemunhal através da inquirição das testemunhas arroladas pelas partes.

  4. - E são também estas especificidades - do reforço da investigação realizada pela AT e consequente necessidade de aferição da titularidade do ónus da prova - a questão - ou questões - que o Meritíssimo Juiz a quo não resolveu, nem conheceu na Douta Sentença. E assim, a validade da sentença está em crise, por omissão de pronúncia, devendo ser considerada nula, nos termos do artigo 668° n.°1 alínea d) do Código de Processo Civil, por força da remissão subsidiária do artigo 2° alínea e) do Código de Procedimento e Processo Tributário.

    Nestes termos, e nos melhores de Direito, que serão por V. Exas Doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, revogada a Douta Sentença, com todas as consequências legais.

    O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma: 1ª - A douta sentença recorrida mostra-se conforme à factualidade provada e ao Direito, pelo que deve ser mantida na íntegra.

  5. - Também o Ministério Público sustenta a procedência da impugnação.

  6. - Como entende a douta decisão recorrida e tem decidido de forma pacífica a Jurisprudência, é à Administração Tributária que compete demonstrar a existência dos factos constitutivos dos seus direitos, ou seja, que ocorreram situações suscetíveis de serem tributadas, designadamente ao abrigo do artigo 2° do Código do IRS.

  7. - No fundo, do que se trata é de que cabe à AT dar satisfação ao ónus que lhe incumbe de “apontar elementos factuais demonstrativos ou seriamente indiciantes de que os abonos recebidos (pelo Impugnante, aqui recorrente) não tinham qualquer fim compensatório.” (Cfr. Ac. n° 0063/01, do TCANORTE, de 06-04-2006, in www.dgsi.pt, Acs. do STA, de 06.03.2008 e 06.03.2008, e Sentenças do TAF de Braga, de 22.05.2007, e do TAF de Penafiel, de 07-02-2007, que se juntam - Docs. 1, 2, 3 e 4).

  8. - A AT não alegou, nem obviamente provou, quaisquer factos que demonstrem que as quantias pagas pela S... ao Impugnante tinham caráter remuneratório ou integrante da sua retribuição.

  9. - E não se olvide que o ato tributário impugnado - liquidação adicional de IRS ao Impugnante - assentou única e exclusivamente na consideração pelo Fisco de que as quantias em causa constituíram remuneração do Impugnante e não ajudas de custo.

  10. - É sobre a AT que recai o ónus da prova dos factos constitutivos do ato tributário sub judice, isto é, da liquidação adicional de IRS ao Impugnante (cfr., Art° 74° da LGT).

  11. - As declarações feitas pelos contribuintes, no caso a declaração de IRS apresentada pelo Impugnante, beneficiam da presunção de verdade e de boa fé (cfr. Art° 75° da LGT)! 9ª - O Meritíssimo Sr. Dr. Juiz a quo não violou o princípio do inquisitório plasmado nos artigos 515° do CPC, 13° do CPPT e 99° da LGT.

  12. - A AT, aqui Recorrente, é que não alegou os factos fundamentadores ou enformadores do ato tributário e, por conseguinte, não os podia provar.

  13. - O Impugnante nem é funcionário público nem está subordinado às disposições do Dec.Lei n° 106/98, 24-04, mas apenas ao DL 192/95, de 28/07, uma vez que se trata de trabalhador deslocado em país estrangeiro (cfr. cit. Sentença do TAF de Braga, de 22.05.2007, e Sentenças do TAF de Mirandela, de 29.12.2006 e de 26.03.2007, em questão absolutamente igual à dos presentes autos - cit. Doc. 3 e Docs. 5 e 6).

  14. - Logo pelo preâmbulo daquele primeiro diploma legal se evidencia que a intenção do legislador foi a de introduzir um conjunto de alterações pontuais ao precedente DL n° 519-M/79, de 28/12 (então com quase 20 anos), “de molde a adequá-lo à nova realidade económica e social”.(Sic.).

  15. - Ora, o referido DL 519-M/79 estabelecia o regime jurídico do abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública, quando deslocado em serviço público em território nacional.

  16. - Esse diploma legal não se aplica ao abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública quando deslocado em serviço público no estrangeiro.

  17. - De resto, o Art° 15° desse DL corrobora inequivocamente este entendimento ao dispor que “O abono de ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro e no estrangeiro é regulado por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT