Acórdão nº 00279/16.6BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelIrene Isabel Gomes das Neves
Data da Resolução27 de Abril de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Recorrente (C..., S.A.), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em que foi julgada procedente a exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual, no âmbito da acção administrativa especial por si intentada, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegou, formulando as seguintes conclusões: «A. A tese do Tribunal a quo tem subjacente um erro jurídico que consiste em pura e simplesmente desconsiderar a circunstância de o contencioso tributário dispor de algumas regras próprias sobre a impugnabilidade contenciosa nos casos em que há recurso hierárquico, regras estas que, com efeito, não podem ser consideradas revogadas por qualquer lei geral, dado que, conforme se dispõe no artigo 7.º n.º 3 do Código Civil, não apenas não existe (ou existiu) nesse sentido uma intenção legislativa, como, pelo contrário, aquelas regras (especiais) foram sendo sempre propositadamente mantidas, apesar das onze revisões legislativas operadas no CPPT.

B. A leitura do artigo 76.º do CPPT torna claro que, nos casos de reclamação graciosa – qualquer que seja o seu fundamento – seguida de recurso hierárquico, a decisão impugnável é sempre a decisão secundária (decisão do recurso hierárquico) e não o acto primário que incide sobre aquele primeiro meio administrativo (decisão que recai sobre a reclamação graciosa).

C. Este é, portanto, um regime que claramente se distingue do mobilizado pelo Tribunal a quo, que encontra sustentação na norma do artigo 59.º, n.º 4 do CPTA, e que assenta na ideia de que, em caso de impugnação administrativa, o acto impugnável é sempre o acto primário e não o que decide sobre essa impugnação.

D.

O carácter especial deste regime do contencioso tributário sobre impugnações contenciosas de decisões de recursos hierárquicos encontra-se bem patente na circunstância de o legislador ter assegurado, por exemplo, ao nível do estabelecimento dos prazos de impugnação, uma específica previsão, conforme decorre do disposto no artigo 102, n.º 1, al. e) do CPPT: se dúvidas houvesse, este cuidado acaba por conferir certeza e definitividade àquela ideia de que, nos casos em que à reclamação graciosa se segue um recurso hierárquico, é sobre a data da notificação da decisão que incide sobre este último que deve contar-se o prazo de impugnação judicial (ou, mutatis mutandis, o prazo do recurso contencioso quando seja este o meio contencioso adequado) – vide JORGE LOPES DE SOUSA, em comentário ao artigo 67.º do CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO – ANOTADO E COMENTADO (2011), Volume I, da Áreas Editora, pág. 614 e em comentário ao artigo 76.º do CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO – ANOTADO E COMENTADO (2011), Volume III, da Áreas Editora, pág. 668.

E. Isto é assim, aliás, por força do imperativo constitucional de admissibilidade de impugnação contenciosa de todos os actos administrativos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, por via do qual não pode deixar de ser assegurada a possibilidade de impugnação contenciosa sempre que o acto seja considerado efectivamente lesivo.

F. Ora, esta lesividade terá que ser aferida em função da existência ou não de meios administrativos que possam obstar à produção de efeitos sobre a esfera jurídica do recorrente.

G.

Assim, nos casos (regra, por força do disposto no artigo 67.º, n.º 1 do CPPT) em que o recurso hierárquico não tem um efeito suspensivo, mas meramente devolutivo, o acto de que se recorre, com efeitos imediatos na esfera jurídica dos particulares, não pode deixar de ser autonomamente impugnado.

H. Já, por outro lado, nos casos (como o nosso), em que o recurso hierárquico é interposto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa e esta (bem como aquele) tem um efeito suspensivo, designadamente por ter sido prestada, no processo executivo concomitante, uma garantia idónea nos termos do artigo 169.º do CPPT, a impugnação contenciosa incidirá sobre a decisão secundária – a decisão que recair sobre o recurso hierárquico da decisão primária relativa à reclamação deduzida -, por ser este o acto que, em sede administrativa, se afigura como o acto a partir do qual se produzem, com caracter de definitividade, os efeitos externos.

I. E não se argumente, neste ponto, que o artigo 169.º do CPPT, a que fizemos acima alusão a propósito do efeito suspensivo do recurso hierárquico de decisão de indeferimento de reclamação graciosa (o recurso previsto no artigo 76.º, n.º 1 do CPPT), não faz uma referência expressa a este meio contencioso, porquanto é assente que [no caso do recurso hierárquico] «está-se perante um prolongamento do procedimento de reclamação graciosa, pelo que deverá interpretar-se extensivamente a referência a esta feita no n.º 1 do presente artigo 169.º, de forma a abrange-lo» (vide JORGE LOPES DE SOUSA, que, em comentário ao artigo 169.º do CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO – ANOTADO E COMENTADO (2011), Volume III, da Áreas Editora, pág. 209).

J. O Tribunal a quo entende que a Autora não foi condicionada, na sua acção, pela errada indicação do prazo para reacção contenciosa, não se observando, no caso, a frustração da sua confiança nas informações emanadas da própria Administração. Mas não é assim.

K. Mais não seja, é inequívoco que, ao sugerir que do acto de indeferimento do recurso hierárquico poderia ser deduzida «acção administrativa especial, nos termos previstos nos art.ºs 46.º e seguintes do CPTA, ex vi o n.º 2 do artigo 97.º do CPPT», a AT criou na Autora, pelo menos, a legitima expectativa de que esta decisão (secundária) seria impugnável através daquele mecanismo contencioso.

L. Além disso, não pode negar-se que a AT claramente indica que a referida acção administrativa deve ser proposta no prazo de 3 (três) meses, e, mais ainda, que esse prazo de 3 meses se inicia a contar da presente notificação. M.

Não é, por isso, verdade que a informação prestada pela AT não tenha tido «qualquer influência na conduta da autora», nem mesmo se se admitisse como legítima a tese segundo a qual, na data em que ocorre a notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, já tinha esgotado o prazo para impugnação do acto de indeferimento da reclamação graciosa — vide Acórdão do STA, de 12 de Abril de 2012, proferido no âmbito do Processo n.º 0122/12.

A fim de instruir o presente recurso requer-se certidão, nos termos previstos no número 1 do artigo 646.º do Código de Processo Civil das seguintes peças do processo: 1) Petição inicial; 2) Despacho Saneador/Sentença, ora recorrido.

NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo, em consequência, o despacho saneador/sentença recorrido:

  1. Ser revogado por violação das regras aplicáveis, concretamente dos artigos 2.º, al. c), 66.º, 76.º, 97.º, n.º 2, 102.º, n.º 1, al. e), e 169.º do CPPT, artigo 80.º da LGT, artigo 7.º, n.º 3 do CC e artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

  2. Ser substituído por outro que julgue improcedente a excepção dilatória de intempestividade da prática do acto processual.» 1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma: «a) A AT, entidade recorrida, pugna pela manutenção na ordem jurídica do despacho saneador sob recurso, por entender que o mesmo não enferma de erro de julgamento quanto à matéria de facto ou de direito.

    b) Em causa está a caducidade do direito de acção, decorrente do decurso do prazo previsto na alínea b) do nº 1 do art. 58º do CPTA, com a suspensão prevista no nº 4 do art. 59º do mesmo diploma legal, por ter sido deduzido recurso hierárquico.

    c) Em síntese, a decisão ora recorrida conclui pela caducidade do direito de acção a 05/01/2016, com a consequente extemporaneidade da petição entregue pela ora Recorrente a 29/04/2016.

    d) Quanto ao prazo legal para impugnação contenciosa, entende-se que o mesmo está contemplado no CPTA, mais concretamente na alínea b) do nº 1 do art. 58º e nº 4 do art. 59º daquele diploma legal, por estar em causa uma acção administrativa de condenação à prática de acto devido em matéria tributária que não comporta a apreciação da legalidade da liquidação, conforme disposto no nº 2 do art. 97º do CPPT, conjugado com o art. 191º do CPTA, e) Pois o pedido da acção consiste na anulação da decisão de intempestividade da reclamação graciosa, que não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação, com a consequente condenação da AT a apreciar o seu mérito.

    f) Admitir-se, como pretende a Autora, que com a notificação do indeferimento do recurso hierárquico seja reaberta a via judicial para impugnar a reclamação graciosa “constitui uma afronta ao princípio da boa-fé que funciona como cláusula geral de valoração dos comportamentos dos intervenientes” g) Sobre a interpretação e aplicação do nº 4 do art. 59º do CPTA, o despacho saneador sob recurso louva-se no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, de 23/02/2017, no processo nº 01268/16, h) Do qual resulta que a interposição de recurso hierárquico facultativo tem a virtualidade de suspender o prazo para impugnar contenciosamente um acto em matéria administrativa, porém essa suspensão cessa com a notificação da decisão sobre recurso ou com o decurso do prazo legal para a sua decisão.

    i) Efectivamente, embora seja verdade que o CPTA consagra um regime que confere ao interessado a possibilidade de cumular as prerrogativas da impugnação administrativa hierárquica e do potencial recurso à via judicial, nos termos do 59.º, n.º 4 do CPTA, a suspensão do prazo de impugnação contenciosa cessa com o facto que ocorra em primeiro lugar: ou com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal para a decidir (cf. neste...

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