Acórdão nº 01651/15.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução23 de Junho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: D..., Limitada (Rua ..., ..., ...

), em acção administrativa especial intentada contra Instituto da Segurança Social, IP (Rua ..., ...

), interpõe recurso jurisdicional do decidido pelo TAF de Braga, que julgou improcedente a acção.

Conclui: I - A recorrente não se conforma, nem se pode conformar, com a douta decisão constante da sentença proferida nos presentes autos.

II – As presentes alegações procedem à impugnação da matéria de facto e ao recurso da matéria de Direito.

III – Não pode ser dado como provado o ponto O da matéria de facto assente e relevante para a decisão de causa por que o mesmo ponto se limita à transcrição de uma portaria legal e, portanto, não é, naturalmente, um facto.

IV – Nos termos das disposições conjugadas da alínea c) do nº 1 do artigo 640º e do nº 1 do artigo 662º, ambos do CPC, devem ser aditados ao rol de factos provados constante da “fundamentação” da sentença, com o teor que ora se propõe, os seguintes: “Q – A ré não pagou à autora qualquer quantia por conta do contrato celebrado entre as mesmas partes a 17 de outubro de 2018.

R – Todos os contratos celebrados entre as partes foram redigidos pelo réu, que os apresentou à autora e esta os aceitou.

S – Em 11 de fevereiro de 2011, foi celebrado um contrato entre a autora, a ré e a Administração Regional de Saúde do Norte, IP, denominado “Acordo para Unidade de Longa Duração”.

T – Através deste contrato, a autora passou a integrar a rede nacional de cuidados continuados integrados.

U – A autora, em ordem a receber os doentes remetidos pelas entidades públicas outorgantes ao abrigo deste contrato de 11 de fevereiro de 2011, reservou uma parte do seu edifício, de tal forma que estas pessoas não se misturam, nem se confundem (quanto aos cuidados, acompanhamento e tratamento) com aquelas que estão noutro piso, esse apenas dedicado às funções de acolhimento de pessoas idosas”.

V - Nos termos das disposições conjugadas da alínea c) do nº 1 do artigo 640º e do nº 1 do artigo 662º, ambos do CPC, deve ser modificado o facto H) do rol de factos provados constante da “fundamentação” da sentença, com o teor que ora se propõe: “H – Em 24.07.2014, entre a Administração Regional de Saúde do Norte, IP, o Instituto da Segurança Social, IP e a D..., Limitada, foi celebrado um acordo de renovação do contrato celebrado entre as mesmas partes a 11.02.2011, com o seguinte teor: (…)”, mantendo-se o demais texto até final.

VI – Todos os factos assim propostos estão identificados na petição inicial e não se mostram impugnados pelo recorrido, nem se mostram em oposição com a sua posição processual no seu conjunto, e, pela sua relevância para a boa decisão da causa, devem ser dados como provados.

VII - Os factos relevantes considerados como provados – de acordo com o rol modificado que se propõe na presente alegação – determinam uma decisão judicial de sentido totalmente oposto ao constante da decisão sob recurso.

VIII – Não está em causa a boa-fé das partes contratantes, nem a sua legitimidade para a celebração contratual, nem o interesse social dos contratos; não há qualquer alegação ou indício que se possa retirar das peças processuais ou do procedimento administrativo que contrarie, ou que questione, se as partes são legítimas para a celebração ou execução dos contratos – na medida em que, manifestamente, são; o interesse social dos contratos é ostensivo, decorre da sua própria natureza e conteúdo e não está em disputa.

IX – O que está em crise, isso sim, é o ato administrativo praticado pelo recorrido, notificado à recorrente a 27 de janeiro de 2015, e impugnado nestes autos, já que é esse ato administrativo que viola o princípio da boa-fé, da cooperação entre a administração e os particulares e outras regras jurídicas.

X - Nunca, em momento algum, a recorrente foi alertada pelo recorrido de que a celebração do contrato de 11 de fevereiro de 2011 poderia constituir um desrespeito tão grave das suas obrigações resultantes do contrato de 17 de outubro de 2008 que pudesse determinar a sua rescisão por parte dele recorrido.

XI - Se a recorrente supusesse, em algum momento, e por alguma forma, que o contrato por si celebrado com o recorrido a 11 de fevereiro de 2011 pudesse determinar a rescisão do contrato de 17 de outubro de 2008, nunca o teria outorgado.

XII - A rescisão, promovida pelo recorrido, a 30 de dezembro de 2014, do contrato celebrado entre ambos a 17 de outubro de 2008 – fundamentada, exclusivamente, no facto dela recorrente não assegurar 45 lugares para utentes idosos, em razão das obrigações que, para a recorrente decorrem, do contrato de cuidados continuados celebrado a 11 de fevereiro de 2011 – viola, flagrantemente, o princípio da boa-fé, constante do nº 1 do artigo 10º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

XIII - A confiança que a recorrente depositou no recorrido, e que é juridicamente tutelável, decorre de dois comportamentos dele recorrido, de diferente natureza: um comissivo, o outro omissivo.

XIV – Decorre, por um lado, da celebração de dois contratos (incluindo uma renovação), distanciados entre si por três anos, outorgados entre as mesmas partes – recorrente e recorrido – que criaram à recorrente a convicção de estar a proceder com total integridade no cumprimento do contrato de apoio ao investimento, celebrado a 17 de outubro de 2008.

XV – Decorre, por outro lado, do comportamento omissivo do recorrido (do seu silêncio, portanto), ao longo de seis anos (entre outubro de 2008, quando outorgou, com a recorrente, o contrato de apoio ao investimento, e 30 de dezembro de 2014, quando determinou a rescisão deste mesmo contrato através do ato administrativo impugnado), criando a convicção à recorrente de esta estar a proceder com total integridade no cumprimento do contrato de apoio ao investimento, celebrado a 17 de outubro de 2008.

XVI – Neste sentido, por violação dos nºs 1 e 2 do artigo 10º do CPA, o ato administrativo impugnado é ilegal, por vício de violação de lei, e deve, por isso, ser sancionado com anulabilidade, o que expressamente se requer seja declarado pela douta decisão a proferir neste âmbito de recurso ordinário.

XVII – O ato administrativo impugnado viola, também, o princípio da boa-fé na medida em que profere uma decisão administrativa em situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprio, violando, por isso, o disposto no artigo 334º do Código Civil.

XVIII - O ato administrativo impugnado é uma traição da confiança que a recorrente depositou no recorrido de que poderia assumir novas obrigações perante ele recorrido (integração na rede de cuidados continuados e acolhimento de pessoas muito doentes) sem que, com isso, incumprisse o contrato de apoio ao financiamento, de 17 de outubro de 2008, e pusesse em risco o recebimento do montante de juros que, por força deste último contrato, passou a constituir uma obrigação (nunca cumprida) dele recorrido.

XIX - O recorrido, se considerasse que as obrigações assumidas pela recorrente após a sua integração na rede de cuidados continuados, determinavam o incumprimento definitivo das obrigações dela recorrente provindas do contrato de apoio ao financiamento (17 de outubro de 2008), teria de proceder à rescisão deste contrato logo após a celebração do contrato de cuidados continuados (11 de fevereiro de 2011), pois que foi a partir de 11 de fevereiro de 2011 que o recorrido passou a conhecer esse alegado incumprimento por parte da recorrente.

XX - Porém, a 31 de outubro de 2014 – portanto, em momento bem anterior à declaração de rescisão do contrato de apoio ao financiamento, a qual só veio a acontecer a 30 de dezembro de 2014, através do ato administrativo impugnado – o recorrido declarava à recorrente que, estando cumpridos todos os pressupostos de que dependia o pagamento das suas obrigações perante a recorrente (em virtude do contrato de apoio ao financiamento), assim o faria logo que fossem recebidos vários documentos – facto provado I.

XXI - No cumprimento do nº 1 do artigo 11º do CPA, caberia ao recorrido informar a recorrente de que o cumprimento das obrigações que estariam a cargo dela recorrente em face do contrato de cuidados continuados de 11 de fevereiro de 2011 provocaria o incumprimento (ou a interpretação de incumprimento) do contrato também celebrado entre as mesmas partes a 17 de outubro de 2008.

XXII - Desde o início da sua atividade (12 de maio de 2010) até aos dias hoje, a recorrente sempre teve em acolhimento pessoas idosas em regime de permanência, tal como o recorrido bem o sabe, e se não tem apenas pessoas idosas e recebe, também, pessoas doentes, é porque o recorrido o consentiu e autorizou, por duas vezes, através de contratos celebrados a 11 de fevereiro de 2011 e 24 de julho de 2014.

XXIII - A decisão contida no ato administrativo impugnado viola, ela sim, o disposto no ponto 27.2 do Regulamento do PAIES, contido na Portaria nº 869/2006, de 29 de agosto, do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.

XXIV - Se a recorrente, como qualquer outra beneficiária, poderia ceder (ou até mesmo alienar) uma parte (ou até mesmo a totalidade) da sua infraestrutura a terceiros, para, nela, ser exercida outra atividade, então, por maioria de razão, a recorrente pode utilizar (muito menos do que ceder) uma parte da sua infraestrutura (um piso, apenas) para acolher pessoas doentes ao abrigo de um contrato de cuidados continuados celebrado com o recorrido.

XXV - Os contratos de cuidados continuados celebrados entre a recorrente e o recorrido são, salvo sempre melhor opinião, manifestações ostensivas da autorização do recorrido para utilização de uma parte da infraestrutura objeto de contrato de apoio ao investimento.

XXVI - Foi o conselho diretivo do recorrido que, nos termos do nº 2 do ponto 27º do regulamento do PAIES (aprovado pela Portaria nº 869/2006, de 29 de agosto, do Ministério do...

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