Acórdão nº 00185/20.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Junho de 2022

Data23 Junho 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (Rua ..., ... pisos, ... Lisboa), em acção administrativa intentada por Centro Hospitalar e Universitário ...

(... ...), interpõe recurso jurisdicional do decidido pelo TAF de Coimbra ao anular sua deliberação de 22 de Janeiro de 2020, exarada sobre o Parecer n.º 53/CITE/2020, no âmbito do Proc. n.º 4717-QX/2019.

Conclui: A) A ora recorrente, tem que apresentar as razões que fundamentam o recurso, que, nos termos do n.° 2 do artigo 1440 do CPTA, "é interposto mediante requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, que inclui ou junta a respetiva alegação e no qual são enunciados os vícios imputados à decisão e formuladas conclusões".

B) Também, a CITE como Ré, teve de expor na sua Contestação, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 83.

0 do CPTA "as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor", e daí no artigo 11.º da sua Contestação refere um facto público e notório, que por ser do conhecimento geral, não consubstancia fundamentação a posteriori, e, portanto, é legalmente admissível, contrariamente ao que refere a sentença recorrida, o de "as mulheres serem, estatisticamente, muito mais cuidadoras que os homens, como ilustra o caso "sub judice" pelo que, não deve causar surpresa que o facto do autor (ora recorrido) impedir que uma mãe trabalhadora goze de um horário que foi permitido gozar a outros colegas, em situações semelhantes, se possa considerar uma prática discriminatória em função do sexo".

C) A este argumento soma-se outro de conhecimento obrigatório, que é a missão da CITE, constante do Decreto-Lei n.° 76/2012, de 26 de março, artigo 2.º, segundo o qual: "A CITE tem por missão prosseguir a igualdade e a não discriminação entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional e colaborar na aplicação de disposições legais e convencionais nesta matéria, bem como as relativas à proteção da parentalidade e à conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal, no setor privado, no setor público e no setor cooperativo".

O) No âmbito desta missão, cabe à CITE, nos termos da alínea f) (antiga alínea e) do artigo 3.° do mencionado Decreto-Lei n.° 76/2012, de 26 de março, a que alude o ponto 1.10. do parecer em causa: "Apreciar as queixas que lhe sejam apresentadas ou situações de que tenha conhecimento indiciadoras de violação de disposições legais sobre igualdade e não discriminação entre mulheres e homens no trabalho, no emprego e na formação profissional, proteção da parentalidade e conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal", pelo que, tratando-se de uma queixa indiciadora de violação de disposições legais sobre igualdade e não discriminação entre mulheres e homens no trabalho, proteção da parentalidade e conciliação da atividade profissional com a vida familiar, não deve, nem pode causar surpresa que o facto do autor (ora recorrido) impedir que uma mãe trabalhadora goze de um horário que foi permitido gozar a outros colegas, em situações semelhantes, se possa considerar uma prática discriminatória em função do sexo, já que só as mulheres podem ser mães e é este (o sexo) o único fator de discriminação que a CITE, ora recorrente, tem competência legal para apreciar.

E) É de salientar que os pareceres da CITE emitidos ao abrigo da alínea a) do artigo 3º, do Decreto-Lei n.° 76/2012, de 26.03, tal como o parecer n.° 53/CITE/2020, objeto da presente ação administrativa, são pareceres emitidos pela CITE, na sequência de um procedimento de queixa no âmbito laboral, que são objeto de contraditório, como no presente caso, e são pareceres meramente consultivos, pois, nem a referida lei, nem o Código do Trabalho, considera vinculativas as suas conclusões para as entidades a que se dirigem, conforme artigo 91.º do CPA.

F) De acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 92.º do CPA, a CITE, ora recorrente, fundamentou suficientemente o parecer "sub judice", através dos pontos 1.10. a 3.1., que acima se transcreveram, pelo que, contrariamente ao que refere a sentença recorrida, a ora recorrente, não violou, nem poderia ter violado os artigos 152. ° e 153.° do CPA.

G) É de realçar que o parecer prévio que a CITE deveria ter emitido, nos termos do n.° 6 do artigo 57.º do CT, se o ora recorrido tivesse cumprido o n.° 5 do artigo 57.º do CT, esse parecer é vinculativo, por força do n.° 7 do mesmo artigo 57,º do CT, segundo o qual "se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo".

H) Assim, no âmbito das suas atribuições e competências, a CITE, ora recorrente, fundamentou o parecer "sub judice” que apenas foi emitido, na sequência da queixa apresentada pela ora contrainteressada AA, em virtude do incumprimento por parte do ora recorrido Centro Hospitalar e Universitário ..., do disposto no n.° 5 do artigo 57.º do CT.

I) Face ao que antecede, considerando a CITE, ora recorrente, ter havido violação de disposições legais sobre igualdade e não discriminação entre mulheres e homens no trabalho, proteção da parentalidade e conciliação da atividade profissional com a vida familiar, conforme consta nos pontos 2.16. a 2.25. acima transcritos, do parecer "sub judice” não poderia ter outra conclusão que não fosse a de prática discriminatória em função do sexo.

J) Relativamente às custas, estipula a alínea g) do n.° 1 do artigo 4.º do R.C.P., que, "estão isentos de custas as entidades públicas quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias", o que é o caso da CITE, cuja lei orgânica aprovada pelo Governo, bem o demonstra, através do Decreto-Lei n.° 76/2012, de 26 de março.

K) Assim, face ao exposto e pelo que será doutamente suprido por V. Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, em virtude da falta de fundamentação legal da sentença recorrida, por não ter aplicado bem os preceitos referidos nas alíneas anteriores, devendo interpretar-se e aplicar-se no sentido aí expresso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra decisão, nos termos do artigo 149.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que considere fundamentado o parecer n.º 53/CITE/2020, o que se afigura de elementar JUSTIÇA.

Sem contra-alegações.

* A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de manutenção da decretada anulação, por vício de falta de fundamentação do acto impugnado - de qualquer forma sem identificação de prática discriminatória em função do sexo -, mas com provimento do recurso no que toca à questão das custas.

* Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.

* Os factos, julgados provados pelo tribunal “a quo”: 1) Em 09/09/2019 a contrainteressada, enfermeira no Serviço de Urgência do Autor, requereu, nos termos dos art.os 56.º e 57.º do Código do Trabalho, a concessão de horário flexível, no período de 01/11/2019 a 22/12/2029, concretizado em dias úteis, entre as 08h00 e as 17h00 (cfr. doc. de fls. 15 e 16 do processo administrativo junto com o processo cautelar, doravante PA).

2) Em 10/09/2019 a Enfermeira Diretora elaborou a seguinte informação / proposta acerca do pedido da contrainteressada: “(…) Pelo que, e considerando o compromisso assumido pelo C..., EPE em promover a conciliação da vida profissional com a vida familiar, deverá a respetiva Enfermeira Chefe, na elaboração dos horários, procurar observar as pretensões da autor, salvaguardando a realização de horários de segunda a domingo, sem prejuízo da mesma assegurar a realização de outro tipo de horários que, por necessidade imperiosa do serviço, necessitem de ser assegurados, devendo ser sempre observada a distribuição equitativa pelos trabalhadores e trabalhadoras com...

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