Acórdão nº 02235/12.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelRosário Pais
Data da Resolução15 de Junho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1.

A Exm.ª Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 04.07.2018, pela qual foi julgada procedente a impugnação deduzida por A... Lda, contra, de forma imediata, o despacho de indeferimento do recurso hierárquico que interpôs da decisão que negou provimento à reclamação graciosa, apresentada contra as liquidações adicionais de IVA, identificadas com os números ...94, ...96, ...98, ...00, ...02, ...04, ...06, ...08, ...10, ...12, ...14, ...16, relativas aos períodos 0503T, 0506T, 0509T, 0512T, 0603T, 0606T, 0609T, 0612T, 0703T, 0706T, 0709T e 0712T, bem como das liquidações dos respetivos juros compensatórios identificadas com os números ...95, ...97, ...99, ...01, ...03, ...05, ...07, ...09, ...11, ...13, ...15 e ...17, no valor total de € 212.338,19, que constituem o objeto mediato da impugnação.

1.2. A Recorrente Fazenda Pública terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «A- Vem o presente recurso interposto contra a sentença proferida nos presentes autos que julgou a impugnação procedente e, em consequência anulou as liquidações adicionais de IVA e Juros Compensatórios, dos anos 2005, 2006 e 2007, no montante de € 212.338,19, B- processadas após a conclusão da ação inspectiva externa levada a cabo à impugnante a coberto das ordens de serviço ...21 e ...22, na sequência da qual foram efectuadas diversas correcções quer em sede de IVA quer em sede de IRC.

C- A Fazenda Pública não se conforma com o decidido pois entende que a douta sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito.

D- A acção de inspecção teve por principal objectivo a análise do enquadramento fiscal dos custos suportados pela impugnante com a aquisição de serviços de gestão.

E- Os actos de gestão contratualizados entre a A... Lda--- e a B..., SA---, diziam respeito a trabalho prestado pelos senhores AA---, BB... e CC..., todos administradores da impugnante, o que implicava a actuação pessoal dos mesmos.

F- A A... Lda--- contratualizou com a B..., SA--- a prestação de serviços de gestão a efectuar pelos respectivos administradores, e não, com estes, em representação de qualquer sociedade.

G- Ora, o que estava em questão nos presentes autos não era um caso de simulação absoluta, mas sim de simulação relativa subjectiva mediante interposição fictícia de uma pessoa in casu da sociedade A... Lda---.

H- A interposição fictícia “verifica-se quando um negócio jurídico é realizado simuladamente com uma pessoa, dissimulando-se nele um outro negócio (real), de conteúdo idêntico ao primeiro, mas celebrado com outra pessoa.” (Fernando Pessoa Jorge, in “O Mandato sem Representação”, Lisboa, 1961, pags. 215 e 216).

I- Uma das características da interposição fictícia é o seu carácter subjectivo, visto a simulação dar-se não no conteúdo do negócio, mas num dos sujeitos.

J- Entende a Fazenda Pública, que os SIT recolheram indícios sérios e sólidos da existência dessa simulação relativa.

K- Nos termos do n.º 5 do artigo 252.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), os gerentes não podem fazer-se representar no exercício do seu cargo, a administração configura um verdadeiro acto intuitu personae atento o carácter estritamente pessoal, e consequentemente intransmissível, do exercício do complexo de poderes e deveres decorrentes do cargo em que foram investidos.

L- Por conseguinte, os encargos deviam estar suportados por documentos comprovativos da sua realização, e serem emitidos pelas pessoas ou entidades que efectivamente exerceram a gerência/administração, pelo que as facturas ou documentos equivalentes no caso em apreço titulam negócios jurídicos simulados com intervenção de pessoas ou entidades diversas daquelas que realizaram os serviços tendo como único objectivo a obtenção de vantagens patrimoniais ilegítimas consubstanciadas em deduções de IVA.

M- A boa decisão da causa, passava apenas por uma questão de direito, independentemente de qualquer prova que eventualmente fosse efectuada pela impugnante.

N- Existia in casu uma impossibilidade legal factual da sociedade A... Lda--- prestar serviços de gestão (tituladas pelas notas de débito em crise relativas a «fee’s de gestão») à B..., SA---.

O- De acordo com o n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, para que a dedução seja admitida é necessário que as operações subjacentes se tenham efectivamente realizado entre o sujeito passivo e o emitente das facturas ou documentos equivalentes, o que, no caso em apreço, se conclui não ter acontecido.

P- O nº 3 do artigo 19º do CIVA não permite a dedução de imposto que resulte de operação simulada quer seja absoluta quer relativa, independentemente da prova da existência por parte da impugnante dessas operações. O artigo 19º, nº 3 do CIVA exige apenas que o negócio em causa não tenha aderência à realidade.

  1. Concomitantemente, entende a Fazenda Pública que os atos tributários anulados devem permanecer na sua estabilidade e vigência no ordenamento jurídico, revogando-se a douta sentença recorrida.

  2. Deste modo, verifica-se que a liquidação impugnada não padece de qualquer vício, reflectindo a situação jurídico-tributária do aqui impugnante, pelo que deverá manter-se, encontrando-se a presente impugnação votada ao insucesso.

  3. Por esta razão, se considera que o tribunal incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por violação, nomeadamente, do disposto nos artigos 19, nº 3, do CIVA, e 252º, nº 5, do CSC.

Nestes termos, E nos melhores de Direito aplicável, que V.Exª.s doutamente suprirão, porquanto os actos de liquidação aqui em causa não sofrem de qualquer erro, ilegalidade, ou vício, deverá a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e a impugnação ser julgada totalmente improcedente com as legais consequências.

».

1.3. A Recorrida A... Lda.

não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, com o seguinte teor: «Inconformada, recorre a FP da sentença proferida no TAF do Porto que julgou procedente a impugnação intentada por A... Lda contra as liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 2005, 2006 e 2007, invocando erro de julgamento de facto e de direito.

Sustenta que a sentença errou ao considerar que os indícios colhidos pelos Serviços de Inspeção Tributária não são sérios, sólidos e objetivos no que concerne às operações contabilizadas atinentes a serviços prestados pela A... Lda---, por forma a abalar a presunção de que beneficia a escrita da impugnante, que as operações/prestações de serviços existem, foram prestadas pela A... Lda--- à B..., SA---”.

E, consequentemente, a sentença incorreu em erro de direito, por violação do previsto nos artºs 19º, nº 3 do CIVA e 252º, nº 5 do CSC.

Afigura-se-me que lhe não assiste razão.

“O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação sub judice qua não revista natureza jurídica” – cfr. entre outros, ac. TCAS de 10.7.2015, proc. 08716/15.

As liquidações impugnadas tiveram origem em ação inspetiva à recorrente, não tendo sido aceites como custos da recorrente o valor das faturas emitidas por C... LDA, D... LDA e E... LDA, com fundamento em que os serviços de gestão ali patenteados foram contratados entre a recorrente e a B..., SA. e diziam respeito a trabalho prestado por AA…, BB... e CC..., seus gerentes, a titulo pessoal.

Não se questiona, assim, a efetivação do serviço, mas sim a entidade que os prestou, como se salienta nas alegações de recurso.

Conforme jurisprudência firmada nesta matéria (entre outros acs. STA de 30.4.2003, rec. 0241/03, de 23.10.2002, rec. nº 01151, de 20.11.2002, rec. 01483/02), tendo a AT considerado existirem fundadas dúvidas sobre a realização das operações consubstanciadas em determinadas faturas, existentes na contabilidade do contribuinte, desconsiderando tais operações, cabe-lhe a prova dos respetivos pressupostos, e ao contribuinte a prova de que, pelo contrário, as operações tiveram efetivamente, lugar.

A sentença recorrida fundamenta a procedência da impugnação no não cumprimento do ónus da prova que impendia sobre a AT na medida em que, como consigna, os indícios recolhidos “são insuficientes para extrair a conclusão de que as transações apostas nas faturas em causa não se realizaram”.

Para assim concluir, destaca do relatório o que intitula de “quadro de relações entre as sociedades em causa” e de seguida passa à sua análise com argumentos que se me afiguram representativos de que a AT poderia, e deveria, ter recolhido mais e melhores indícios de que, na verdade, as faturas não retratam serviços efetuados pelos supra identificados AA..., DD e CC... em representação das sociedades emitentes das faturas, das quais são também sócios gerentes.

Em suma, e seguindo o entendimento da sentença, não é viável a dedução do imposto levada a cabo pela AT ao abrigo da previsão do nº 3 do artº 19º do CIVA, devendo assim improceder o recurso.

».

*Dispensados os vistos prévios, nos termos do artigo 657º, nº 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

* 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, ao concluir que a AT não reuniu indícios suficientes de que as faturas desconsideradas não correspondem a serviços prestados em nome da sociedade Recorrida, bem como de erro de julgamento de direito.

  1. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. DE FACTO A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto: «Factos Provados: 1. A Impugnante, “A... Lda”, NIPC: (…), nos anos de 2005, 2006 e 2007, encontrava-se colectada pela actividade de “Comércio por grosso de...

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