Acórdão nº 01469/20.2BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução28 de Outubro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: AA (Rua …) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, em acção intentada por Fundo de Garantia Salarial (Av.ª …), julgada improcedente.

A recorrente despeja sob conclusões: A. A discordância da recorrente recai sobre o que considera ser uma aplicação e interpretação erróneas das disposições legais aplicáveis.

B. Recaindo, ainda, o presente recurso sobre a omissão da douta Sentença recorrida.

C. Especificamente prende-se com o facto de saber se a Autora/Recorrente tem direito à emissão de novo ato administrativo que lhe reconheça o pagamento das quantias peticionadas ao Fundo de Garantia Salarial no âmbito do processo de insolvência da sociedade D..., LDA.

D. Conforme se deu como provado na sentença de que ora se recorre, a Recorrente, até 20 de maio de 2019, manteve contrato de trabalho com a empresa “D..., LDA.”, o qual cessou por resolução do contrato de trabalho por iniciativa da entidade patronal com fundamento no despedimento coletivo do Recorrente e outros funcionários.

E. Por processo de declaração de insolvência iniciado pela referida empresa em 24-05-2019, que decorreu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo do Comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz XX, com o n.º 3..

/….3T8VNF, foi decretada a sua insolvência na qual o ora recorrente reclamou e viu reconhecidos os seus créditos, no montante global de €12.548,93 (doze mil, quinhentos e quarenta e oito euros e noventa e três cêntimos), acrescidos de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

F. «Em 21 de Junho de 2020, a Autora deu entrada, no Centro Distrital da Segurança Social de Braga, de requerimento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial para pagamento de créditos emergentes dos contratos de trabalho celebrados com a sociedade “D..., Lda”, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 24 e 25 do PA); dos factos provados; G. A Sentença recorrida entende que, pelo facto de anteriormente, a Autora/Recorrente ter já recorrido ao Fundo de Garantia Salarial no âmbito do Processo Especial de Revitalização da sociedade D..., H. um novo recurso ao Fundo de Garantia Salarial – no âmbito de um NOVO PROCESSO – estará sempre limitado ao valor que foi pago anteriormente.

I. Ou seja, se no âmbito do processo especial de revitalização da sociedade D... foi paga ao Autor a quantia de 3.500€, J. Qualquer outra quantia que o Autor/Recorrente peticionasse no âmbito de outro processo – como foi o processo de insolvência daquela sociedade – estaria limitada pelo valor que foi pago anteriormente, K. ainda que se tratasse de créditos diferentes, que se venceram em data posterior – como foi o caso dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho no âmbito do despedimento coletivo – e peticionados em processos distintos: o primeiro no âmbito de um processo especial de revitalização (previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial); e o segundo no âmbito de um processo de insolvência (previsto na alínea b) do mesmo normativo legal); L. Precisamente, nas situações abrangidas pelo n.º 1 do artigo 1.º do NRFGS, não há qualquer indício na lei de que essas situações se excluam umas às outras – ou seja, se o trabalhador já recebeu por conta do PER da entidade patronal, já não pode vir a receber na sequência da insolvência; ou só pode receber o remanescente até ao limite previsto no artigo 3.º M. Nem que sejam complementadas umas pelas outras.

N. Se assim fosse, teríamos, a título de exemplo, situações em que um trabalhador se hoje «esgota o plafond» do limite dos créditos pagos pelo Fundo porque a sua entidade patronal se apresentou a PER, O. nunca mais poderá a vir a receber qualquer compensação do fundo, P. não obstante se vencerem outros créditos laborais.

Q. Entende o Autor/Recorrente que a interpretação que deve ser conferida ao artigo 3.º do NRFGS é a de que esses limites devem ser aplicados a cada um dos pedidos do Requerente, para cada processo determinado.

R. E foi, precisamente, essa a omissão da Sentença recorrida, já que não apreciou a «falta de fundamentação do ato administrativo recorrido» alegada pelo Autor/Recorrente.

S. A interpretação que o tribunal a quo faz do artigo 3.º do NRFGS, no sentido de que os limites dos créditos pagos pelo Fundo se aplicam “ad etermum” na vida do trabalhador independentemente do vencimento posterior de outros créditos conduz a resultados de manifesta injustiça, T. resultados esses que o legislador não quis, e que são contrários à razão de ser da existência do próprio Fundo.

U. O Fundo de Garantia Salarial foi criado pelo Decreto-Lei n.º 219/99, de 15 de junho, com o objectivo de assegurar aos trabalhadores, em caso de incumprimento pela entidade empregadora, o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua cessação, verificadas certas condições.

V. O regime do Fundo de Garantia Salarial foi, entretanto, alterado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, que veio regulamentar a Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, diploma que aprovou o Código do Trabalho.

W. O Fundo de Garantia Salarial, atualmente, rege-se essencialmente pelo disposto no artigo 336.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, e pelos artigos 317.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, por força do disposto na alínea o) do n.º 6 do art.º 12.º da citada Lei n.º 7/2009.

X. À luz do Direito da União Europeia, preceitua o art.º 3.º da Diretiva n.º 80/987/CEE [na redação dada pela Diretiva n.º 2002/74/CE - que os “(…) Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.º, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho. Os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados- Membros (…) ”.

Y. Na verdade, tal como se sustentou no acórdão do TJUE de 17.11.2011 («J.C. van Ardennen» - Proc. n.º C-435/10, n.ºs 27/28, n.º s 31/32 e 34, consultável em «www.curia.europa.eu/juris») “(…) há que recordar desde logo que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a finalidade social da Diretiva 80/987 consiste em assegurar a todos os trabalhadores assalariados um mínimo de proteção a nível da União Europeia em caso de insolvência do empregador através do pagamento dos créditos em dívida resultantes de contratos ou de relações de trabalho, respeitantes à remuneração relativa a um determinado período (…)” (vide Acórdão de 4 de Março de 2004, Barsotti e o., C-19/01, C-50/01 e C-84/01, Colect., p. I-2005, n.º 35, e acórdão Visciano, já referido, n.º 27).

Z. É certo que os Estados membros podem fixar um limite para a garantia de pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados e prazos para sua dedução ou referência, a fim de evitar o pagamento das importâncias que excedam a finalidade social da Diretiva (art.º 4.º da Diretiva n.º 80/987/CEE).

AA. À luz dos factos expendidos pela Autora, aqui Recorrente, suscita-se a dúvida sobre se o quadro normativo do Direito da União, em particular a Diretiva n.º 80/987/CEE deve ser interpretado estritamente no sentido de que o limite imposto no artigo 3.º se aplica a todos os pedido que o Autor dirija ao Fundo durante a sua vida ativa ou se esse limite respeita a cada um dos pedidos na sequência de cada prevista no artigo 1.º.

BB. Parece-nos que, adotar a primeira interpretação – à semelhança do que foi feito na Sentença recorrida – será de uma tremenda injustiça.

CC. Uma vez que facilmente se “esgota o plafond” dos créditos dos trabalhadores se estivermos a “somar” o número de processos de insolvência e per que a(s) sua(s) entidade(s) patronais se poderão envolver.

DD. Reitera-se, no caso do Recorrente, que os créditos que este peticionou na sequência da insolvência da D... – o segundo requerimento dirigido ao Fundo, portanto – são créditos que não lhe foram pagos antes - no anterior pedido – e que nem sequer se encontravam vencidos antes.

EE. Foram créditos que se venceram após o primeiro pedido que o Recorrente dirigiu ao Fundo, na sequência do PER FF. São, portanto, duas situações distintas.

GG. E são as duas distintamente discriminadas na lei – uma na al. a) e outra na al. b) do n.º 1 do artigo 1.º HH. A interpretação que a Sentença recorrida faz do art.º 3 do NRFGS, viola a alínea a) do art.º 59.º, n.º 1 da Constituição, em conjugação com o n.º 3 do mesmo artigo, e bem assim preceitos comunitários.

II. Assim sendo, a Sentença recorrida faz uma aplicação e interpretação restrita e errada do referido art.º 3., e das mencionadas normas constitucionais e comunitárias JJ. É referido no ato administrativo de indeferimento aqui posto em crise, o seguinte: ««- O crédito requerido a título de Remunerações que se encontram por liquidar referente ao período de trabalho de 01/08/2017 a 31/10/2017, não vai ser considerado pelo Fundo de Garantia Salarial (FGS), uma vez que o requerente já recebeu esse crédito/valor do FGS, no que diz respeito à análise de um requerimento que entregou no âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER) (processo n.º 7067/17.0T8VNF) anterior a este processo de insolvência.» KK. Portanto, a decisão proferida no procedimento administrativo que originou o ato impugnado – iniciado, reitera-se, na sequência do processo de insolvência da D... – foi influenciada pela análise outro requerimento, no âmbito de outro procedimento administrativo anterior e, entretanto, findo – aquele que se iniciou na sequência do Processo Especial de Revitalização da D....

LL. Importa, pois, aferir da fundamentação do referido despacho.

MM. O direito à fundamentação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT