Acórdão nº 03430/19.0BEPRT-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução14 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO.

1.1.SINDICATO INDEPENDENTE DE PROFESSORES E EDUCADORES, com sede na Rua (…), em representação dos direitos e interesses legalmente protegidos dos seus associados moveu a presente ação de condenação à prática de ato devido e de responsabilidade civil contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, com sede na Av. 24 de Julho, formulando os seguintes pedidos: «a) Reconhecer que a aplicação da Portaria n.º 119/2018 de 4 de maio, nos moldes efetuados pelo Réu Ministério da Educação, conduz à violação, grave, do princípio da igualdade (por ultrapassagens ilegais, sem qualquer justificação ou fundamentação legalmente válida), relativamente a todos os docentes que tenham ingressado nos quadros do Ministério da Educação antes de 2011; b) Ser o Réu Ministério da Educação condenado a repor a legalidade, posicionando os aqui docentes representados pelo Autor no escalão devido e correspondente índice remuneratório, desde 01/01/2018, atendendo aos anos de serviço que dispõe, com todas as devidas e legais consequências que daí advêm; c)Ser o Réu Ministério da Educação condenado a repor a legalidade, efetuando o pagamento aos docentes aqui representados pelo Autor da totalidade do vencimento legalmente previsto para cada indicie remuneratório, sem qualquer corte salarial; d)Subsidiariamente, o Réu Estado ser condenado a indemnizar pelos danos causados aos aqui associados do Autor com tal violação.

1.2.

A citação do Réu Estado Português para contestar efetuou-se por carta registada, datada de 09/01/20202, dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado.

1.3.

Por requerimento apresentado em 15/01/2020, o Ministério Público requereu a recusa de aplicação, na presente ação, das normas constantes do segmento final do n.º 1 do artigo 11.º e do n.º 4 do artigo 25.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), com a redação da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante do n.º 1, primeira proposição, e 2 do artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) conjugados com os artigos 3.º, n.º 3 e 204.º da CRP e artigo 1.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF); Mais pediu a declaração de nulidade por falta de citação do Réu – Estado Português (por força do disposto nos artigos 188.º, n.º 1, alínea a), e 187.º, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA) e, a anulação do processado posterior à petição, requerendo a citação do Réu/Estado Português no Ministério Público para os subsequentes termos da ação, concretamente para, desde já, querendo, apresentar a sua contestação.

1.4. Com data de 18/05/2021, o TAF do Porto proferiu despacho que desatendeu a invocada inconstitucionalidade material das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na redação da Lei nº 118/2019, de 17 de setembro, lendo-se nesse despacho « que, nem a nova redação do n.º 1 do artigo 11.º, nem tão pouco o novo n.º 4 do artigo 25.º do CPTA, padecem da alegada inconstitucionalidade material, pois que tanto o n.º 1 do artigo 11.º continua a possibilitar a representação do Estado pelo Ministério, tal como o n.º 4 do artigo 25.º não a põe em causa, apenas prescreve que a citação deve ser feita por intermédio do Centro de Competências Jurídicas do Estado, e logo, tais normas devem ser aplicadas ao presente caso».

1.5 Inconformado com despacho assim proferido, o Ministério Público interpôs o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes Conclusões: «1 – A presente ação de responsabilidade civil foi intentada por Sindicato Independente de Professores e Educadores contra o Estado Português, tendo, nos termos do disposto no artigo 25º, nº 4 do Código de Português sido dirigida unicamente para o Centro de Competências Jurídicas do Estado, e o Ministério Público não foi citado, nem sequer notificado da pendência da mesma, designadamente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 85º, nº 1 do CPTA; 2 – A Lei nº 118/2019, de 17 de Setembro, que entrou em vigor no passado dia 16.11.2019, introduziu no CPTA nova norma acima referida, que estabelece que quando seja demandado o Estado já não é citado o Ministério Público, em representação deste, como até agora sempre esteve consagrado, mas sim o Centro de Competências Jurídicas do Estado, designado por JurisAPP, que é um serviço central da administração direta do Estado, integrado na Presidência do Conselho de Ministros; 3 – Sob a sua aparência puramente procedimental e regulamentar — o que bastaria para a considerar deslocada num diploma sobre processo administrativo —, trata-se de uma norma revolucionária, sobretudo quando conjugada com o disposto na parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, na redação igualmente conferida pela mesma Lei nº 118/2019; 4 – Com efeito, onde na anterior redação desta norma se previa ¯(…) sem prejuízo da representação do Estado Pelo Ministério Público passou, com a referida alteração, a prever-se ¯(…) sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público, o que transformou numa exceção o que era uma regra, pois o possível tanto é o que pode ser como o que pode não ser vez alguma, sendo que não se vislumbra qualquer possibilidade de o Ministério Público ser eliminado, ao menos potencialmente, da representação do Estado no domínio do contencioso administrativo sem que daí resulte uma flagrante ofensa da primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da CRP; 5 – Pelo que, esse conjunto normativo esvazia o essencial da função do Ministério Público nos tribunais administrativos, enquanto representante do Estado-Administração, mostrando-se desconforme ao parâmetro normativo consagrado na primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da CRP; 6 – A norma do artigo 219º, nº 1 da CRP configura um imperativo constitucional, a observar pelo legislador ordinário, que contém a regra da atribuição de competência ao Ministério Público para representar o Estado; 7 – Em 1 de Janeiro de 2020 entrou em vigor o novo Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei nº 68/2019, de 27 de Agosto — i.e, menos de um mês antes da publicação da Lei nº 118/2019, de 17 de Setembro, que contém as normas cuja inconstitucionalidade se invoca, que continuou a confiar a representação do Estado ao Ministério Público (artigo 4º, nº 1, al. b)) e a prever a existência de ¯um departamento central de contencioso do Estado e interesses coletivos e difusos da Procuradoria-Geral da República‖, o qual passará a intervir também em matéria tributária e não apenas na cível e administrativa (artigo 61º, nº 1 e 2); 8 – A Lei nº 114/2019, de 12 de Setembro, que procedeu à 12ª alteração no ETAF/2002, — i.e., menos de uma semana antes da edição da Lei nº 118/2019, a que pertencem as normas aqui questionadas —, não introduziu qualquer alteração ao disposto no artigo 51º; 9 – A representação do Estado em juízo foi sempre confiada, a nível constitucional e da lei ordinária, ao Ministério Público (com a única exceção da hipótese residual contemplada na parte final do nº 1 do artigo 24º do vigente CPC), estando essa representação, nas áreas cível, administrativa e até tributária, inequivocamente prevista em diplomas recentíssimos e de uma evidente centralidade na conformação dos nossos sistemas jurídico e judiciário; 10 – A norma do nº 1 do artigo 219º da CRP, que confia ao Ministério Público a representação judiciária do Estado-Administração (central), possui natureza auto-exequível, incondicionada, sem necessidade de densificação pela legislação ordinária, configurando-se como uma intencional e estrutural opção constitucional, em consonância com a tradição jurídica do país; 11 – Tanto o legislador constituinte originário como o derivado ponderaram os atributos do Ministério Público como magistratura dotada de ¯autonomia (artigo 219º, nº 2 da CRP), com a sua atuação sempre vinculada a ¯critérios de legalidade e objetividade (artigo 3º, nº 2 do EMP) e, em razão desses atributos, confiaram-lhe a tarefa representativa do Estado em juízo, justamente a título de representação e não como advogado, patrono ou mandatário judicial; sendo a representação do Estado nos tribunais por parte do Ministério Público é configurável como um verdadeiro princípio judiciário constitucional, com alcance material; 12 – Porém, em flagrante contradição sistémica e teleológica, a parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, na redação conferida pelo artigo 6º da Lei nº 118/2019, vem reduzir a representação do Estado por parte do Ministério Público a uma pura eventualidade; 13 – A nova redação limita-se a acrescentar o substantivo possibilidade, mas desse modo transforma a regra da representação do Estado pelo Ministério Público em exceção, pois o possível tanto é o que pode ser como o que pode não ser vez alguma, não sendo inócuo que o conjunto de alterações legislativas no âmbito da jurisdição administrativa que ocorreram em 2019, de que faz parte aquele preceito, não tenha introduzido, paralelamente, o referido substantivo no artigo 51º do ETAF.

14 – Do confronto da fórmula usada no CPTA (parte final do nº 1 do artigo 11º ¯sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público‖) com a acolhida no CPC (artigo 24º, nº 1: ¯O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio…), resulta segura a conclusão de que, no âmbito do primeiro diploma, a representação do Estado por parte do Ministério Público tem caráter eventual e subsidiário, ao passo que no segundo constitui a regra, só passível de afastamento por lei concreta; 15 – A nova redação do artigo 11º, nº 1, in fine, do CPTA torna meramente eventual e subsidiária a intervenção do Ministério Público...

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