Acórdão nº 00001/14.1BPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução10 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I- RELATÓRIO 1.1.

A...

, residente na Rua (…) moveu a presente ação administrativa especial contra a FORÇA AÉREA PORTUGUESA tendo em vista impugnar o despacho de 07 de março de 2013 da autoria do CHEFE DO ESTADO MAIOR que, no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado, lhe aplicou a sanção disciplinar de cessação compulsiva do seu contrato de trabalho com a Força Aérea, nos termos dos artigos 30.º, n.º3 e 38.º do Regulamento de Disciplina Militar (RDM).

Pede que seja declarada a ilicitude do despedimento (cessação compulsiva do contrato de trabalho) e que a Ré seja condenada a proceder à sua reintegração no seu posto de trabalho ou, em alternativa, e caso venha a fazer essa opção, a pagar-lhe a indemnização correspondente, bem como os salários de tramitação.

Alega, para tanto, em síntese, que trabalhou na Força Aérea Portuguesa no período de 06/02/2006 a 07/03/2013, onde desempenhava as funções de FURG, cumprindo um horário das 09 h da manhã às 17 h da tarde, auferindo um salário de 800,00€.

No dia 04/12/2012 a Autora foi notificada de que lhe foi instaurado um processo disciplinar, tendo sido deduzida acusação a 28/02/2103, por ter ocultado o seu estado de gravidez durante a frequência de um curso de formação para ingresso no quadro permanente, com uma componente física exigente, e bem assim, ocultado e tentado desfazer-se do corpo da sua filha.

Na resposta que apresentou à nota de culpa alegou que os factos imputados são do foro privado e sem relevância disciplinar.

Em 06/03/2013 a instrutora do processo disciplinar elaborou o relatório final nos termos do art.º 104.º do RDM e concluiu que o comportamento da Autora encerra a prática de infrações disciplinares por violação do dever especial previsto no n.º 1 do art.º 11.º, do dever especial de lealdade, previsto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 16.º, do dever especial de responsabilidade previsto no n.º 1 do art.º 19.º e do dever especial de correção previsto no n.º 1 e 2 do art.º 23.º, todos do RDM, propondo que lhe fosse aplicada a pena de demissão.

Por decisão do Chefe de Estado Maior de 07/03/2013 foi aplicada à Autora a sanção de cessação compulsiva do seu contrato de trabalho.

A Autora considera que não deixou de cumprir nenhum dos deveres militares, pelo que não quebrou qualquer norma, e embora admita ter atingido uma zona proibida do direito penal, esta hipótese e eventual violação não pode ser bastante para, de per si, desencadear um processo disciplinar por falta de nexo de causalidade adequada.

Considera que, com o seu comportamento, nunca a ética e a honra militar, assim como a dignidade e o prestigio das forças armadas estiveram em causa, não tendo a sua atuação nada a ver com a sua missão de serviço, pelo que não violou o núcleo dos deveres protegidos pelos artigos 11.º, n.º1 ,16.º, n.º1, e art.º 19, n.º1, todos do RDM.

Afirma que a sua gravidez, assim como a sua sexualidade não é assunto de serviço, embora reconheça que, considerando o dever especial de correção da al. a), n.º1 do art.º 23 do RDM, que lhe impõe o dever de “não praticar fora do serviço ações contrárias á moral pública”, a sua conduta é passível de censura disciplinar, mas sem prejuízo de defesa, por entender ser inocente não tendo ainda sido sequer deduzida acusação penal contra si.

Refere que nunca teve o propósito de esconder o seu estado de gravidez, tendo-se limitado a não o revelar, convencida de que o assunto, a par da sua sexualidade, é da reserva da sua vida privada. E que a ocultação e a tentativa de destruição do cadáver da sua filha, diz exclusivamente respeito à lei penal e ao foro civil, em nada interferindo com a sua condição de militar.

A Autora considera que o grau da sua responsabilidade criminal é diminuto atendendo à sua atuação de stress pós-parto, que 12 dias após este, ainda permanecia, conforme foi reconhecido pelo Hospital Militar Principal do MDN, o que motivou o seu internamento até 03/12/2012, com o diagnóstico de alteração de personalidade e do comportamento.

Advoga que a recusa da instrutora na realização da perícia psiquiátrica pedida, traduz a omissão de um ato processual de extrema relevância para a sua defesa e uma boa decisão do processo disciplinar, com o que foi preterida uma formalidade essencial à sua defesa, levando à não prova dos factos com a perícia pretendia provar, geradora da nulidade do processo disciplinar a partir da omissão da prática desse ato, ou seja, do relatório e da decisão final.

Mais invoca que a pena disciplinar aplicada é desproporcionada, manifestamente excessiva e, em consequência, ilegal.

E, bem assim, que o despacho que lhe aplicou a sanção mais grave não tomou em consideração as circunstâncias atenuantes e dirimentes, bem como o facto de nunca ter infringido os deveres de que vem acusada.

Quando muito, a reprovação da sua conduta dever-se-ia ter fixado com a pena prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 30.º do RDM e regulada no art.º 33, o que alega para prova da grave nulidade que afeta a decisão punitiva.

Entende que não foi provado nenhum dos factos indicados pela Ré, cujo ónus da prova impendia sobre a entidade empregadora, cabendo-lhe demonstrar os factos integrantes da justa causa invocada, pelo que os fundamentos da decisão punitiva carecem de prova, cuja produção não foi obtida durante a instrução do processo disciplinar, pelo que o seu despedimento é ilícito.

Pretende que a Ré seja condenada a reintegrá-la e ao pagamento de todas as retribuições que deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da respetiva sentença (art.º 437.º do Código do Trabalho).

1.2. Citada, a Ré defendeu-se por impugnação, sustentando, em síntese, que com o seu comportamento, a Autora violou todos os deveres de que vinha acusada, sendo decisivo para a coesão das Forças Armadas o cumprimento dos deveres a que os militares se encontram sujeitos, gerador da consciência do espírito de corpo e elemento distintivo no contexto da sociedade civil.

Com a mentira expressa e reiterada, perante os seus camaradas de curso e perante os seus Chefes sobre o seu estado de gravidez, a Autora colocou em perigo, no quadro das elevadas exigências físicas do curso de formação e que, concretamente, teve que enfrentar, a sua própria vida e a vida da sua filha, com o que cometeu uma grave violação do dever especial de lealdade, incumpriu grosseiramente com o dever de responsabilidade e violou o dever especial de correção.

Considera que a forma como a Autora tratou o cadáver da sua filha, são evidência ad nauseaum da violação da moral pública e do dever especial de correção que impende sobre os militares.

Entende que os comportamentos imputados à Autora e provados, demonstram que a sua permanência na Força Aérea é manifestamente inviável, não sendo possível a manutenção de qualquer relação jurídico-funcional de natureza militar.

A Autora esteve internada no Serviço de Psiquiatria do Hospital das Forças Armadas entre 12/11/2012 e 03/12/2012, onde foi sujeita a avaliações psiquiátricas e psicológicas por médicos especialistas, tendo sido elaborados relatórios que constam do processo disciplinar, que são claros, fundamentados e sem zonas de incertezas sobre a imputabilidade da Autora, razão pela qual a Senhora Instrutora entendeu nos termos do disposto no art.º 103.º, n.º2 do RDM que a realização da perícia requerida pela Autora em nada contribuía para a descoberta da verdade, sendo assim desnecessária, pelo que não foram violados os direitos de defesa, não se verificando a invocada nulidade do processo disciplinar.

Observa que existe autonomia entre o processo disciplinar e o processo crime, e que foram cumpridas todas as formalidades no processo disciplinar.

Conclui pela improcedência da presente ação e pela sua absolvição dos pedidos.

1.3. Em 11/01/2021 elaborou-se despacho saneador tabelar, fixou-se o valor da causa em 30.000,01€, e considerando-se que o processo já continha todos os elementos de prova necessários à prolação da decisão de mérito, ordenou-se a notificação das partes para, querendo, apresentarem alegações escritas nos termos consagrados pelo art.º 91.º, n.º 4 do CPTA, na versão aplicável aos presentes autos.

1.4. A Autora apresentou as seguintes alegações escritas: «1. O despedimento da recorrente é ilícito pois sustentou-se num processo disciplinar conduzido exclusivamente por uma conduta discriminatória.

  1. A Recorrente veio a ser condenada ao despedimento com base na violação do dever de lealdade, quando tanta era a sua lealdade para com o exército e o seu sonho agir em representação do seu país e da sua pátria, tendo com todo o mérito executado todas a suas funções, todas as suas ordens e exercícios que lhe foram ordenados sem falhas de execução ou qualquer reclamação.

  2. Mais ainda foram imputados como fundamentos o dever especial de responsabilidade e dever especial de correção, deveres esses nunca violados ou que a Recorrida tenha logrado provar como efetivamente violados, limita-se a descrever sem sustentação um conjunto de desculpas para justificar um ato de pura discriminação.

  3. Nunca a honra e ética militar foram colocadas em causa pelas ações da recorrente, não tendo falhado uma única vez com os seus deveres.

  4. O facto que consubstanciou o processo disciplinar é alheio à recorrida, não podendo esta arrogar-se violação da dignidade e do prestígio das forças armadas, uma vez que tal facto, sendo-lhe alheio, não afeta qualquer prestígio/dignidade.

  5. Tal observação só demonstra que o despedimento não se tratou de um processo justo, mas sim de um juízo e de um julgamento moral que não cabe à recorrida poder realizar.

  6. A Recorrente, dentro dos seus deveres, sempre soube que tinha o dever de informar com verdade o seu superior sobre qualquer assunto e serviço, o que fez.

  7. Não pode, porém, aceitar que a devassa da sua vida privada, a sexualidade do militar (homo ou bi) não é...

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