Acórdão nº 00204/19.2BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelIrene Isabel Gomes das Neves
Data da Resolução03 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. O Recorrente (Ministério Público), notificado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, em que foi julgada totalmente procedente a oposição à execução fiscal por reversão de dívidas de IVA de 2014, no valor de 31.622,53€, inconformado vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegou, formulando as seguintes conclusões: «-De facto: 1ª Sendo desde logo declarado pela Oponente perante o Tribunal, em sede de oposição que apresenta: “A Oponente, no exercício das funções de gerente da devedora originária, sempre actuou responsavelmente com o intuito de cumprir todas as obrigações a que se encontrava obrigada por dever de zelo, nomeadamente às obrigações fiscais, quer declarativas, quer de pagamento dos tributos.

Tendo contabilidade organizada.

Acresce, por último, que antes de intentar a acção de insolvência e numa perspectiva de recuperação da empresa devedora originária, empreenderam os gerentes, todos os esforços de a salvar economicamente, mantendo-a activa.....” 2ª E igualmente em sede de audição prévia, dirigido também pela a Oponente à própria AT, em escrito assinado pelo seu próprio punho, que: “1. É um facto que a ora Requerente foi gerente da sociedade comercial designada pela firma “C.., Lda”.

  1. Contudo, face ao teor da notificação recebida, nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada pela insuficiência de bens penhoráveis da dita sociedade, devedora principal, 5. Efectivamente, face à diminuição de clientela provocada pela crise económica que atravessou o País, como é do conhecimento geral e que levou a uma forte quebra do volume de vendas, mantendo-se os encargos assumidos, tudo isso impossibilitou que a dita sociedade comercial cumprisse pontualmente as obrigações entretanto assumidas, apresentando-se em último recurso à insolvência.....

    Assim da conduta dos gerentes não emergem factos que justifiquem a imputação da culpa pelo não pagamento da dívida, não lhe podendo, assim, ser imputável essa falta de pagamento que ocorreu por razões externas à sua vontade....

    ” 3ª Outra conclusão não pode extrair-se que não seja, ter tido a Oponente no período a que respeita a dívida tributária, o domínio efectivo da gestão da sociedade devedora originária, em termos de ter actuado para a vincular, e assim não poderia ter concluído o Tribunal, ao desconsiderar o conteúdo significativo da assunção feita pelo Oponente, sobretudo ainda antes da reversão, perante um credor da devedora originária, que era a AT, e bem assim do assumido na própria oposição, de forma condizente com tal expressão e da representação legal como gerente nominal da certidão permanente do registo da devedora originária.

    - Do Direito: 4ª Considerando o interesse público subjacente à indisponibilidade dos créditos tributários, a sua legalidade e igualdade, nos termos do artigo 13.º do CPPT e 99º da LGT, em que é conferido ao Julgador um poder dever de tudo fazer para obter a verdade material, a verdade histórica, sendo essa a única almejada na expressão da realização da justiça, encontra-se adstrito o Julgador no processo tributário a tal fim, cabendo apenas às partes colaborar com aquele para tal desiderato, e ainda que tal documento não tivesse sido formalmente oferecido como prova pela AT, ele encontrava-se disponível, e impunha-se relevar probatoriamente o mesmo, pois; 5ª Por força do disposto no nº1 do artigo 376º do Código Civil, aplicável por força da al. d) do artº 2º do CPPT, “o documento particular cuja autoria seja reconhecida (...) faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”, o que não sucedeu, e; 6ª Igualmente nos termos do art. 352º do mesmo diploma, de onde resulta que a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a pate contrária, resultando também do nº 2 do art. 358º do CC que, a confissão extrajudicial em documento particular considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.

    7ª Nos termos em que veio a pronunciar-se aliás o STJ, no seu douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2002, resulta o seguinte: “A indicação da qualidade de gerente prescrita no n.º 4 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais pode até ser deduzida, nos termos do artigo 217.º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.” 8ª Ora, e também consentâneo aliás com o doutamente decidido por esse Venerando Tribunal, no que consideramos duas situações equivalentes, proferidas nos processos …/17.6BEMDL e …/17.4BEMDL, pelos decisores é referido o seguinte: “Decorre do agora transcrito que a assunção de gerência no período em crise foi manifestada pelo próprio, em documento por si assinado e contra o qual não foi arguido qualquer vício de vontade, nem negada a sua autoria, como afirmado pelo Recorrente.

    A ser assim, tal declaração não pode deixar de ter efeitos na convicção do tribunal, mais que não seja como uma presunção natural, e merecer a devida atenção na prova dos factos que lhe respeitam, precisamente a gerência efectiva da sociedade devedora originária sem que daí resulte alguma incongruência lógica, ou contrária aos princípios gerais de experiência comum bem pelo contrário.

    Tão pouco defendeu, em sede de p.i., não ter capacidade (ou legitimidade) para a declaração que efetuou, aquando do seu exercício do direito de audição prévia. Sustentou apenas (na p.i.) referindo de forma genérica e conclusiva que a gerência sempre havia sido exercida por outrem (“O exercício da gerência de facto esteve sempre a cargo do gerente M..”-cfr.art.180 da p.i.,).

    Ainda relativamente ao exercício da gerência de facto, limitou-se a alegar, também, que a AT não provou a gerência efectiva do Oponente falhando assim um dos pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade subsidiária prevista no art. 240/1 LGT: (“Aliás a Fazenda Pública nem sequer alegou qualquer facto susceptível de consubstanciar o pressuposto atinente ao efectivo exercício da gerência por parte do Revertido — cfr. art. 0 36; Do que resulta que, não só a Fazenda Pública não alegou nem provou os factos constitutivos do seu direito, como ao invés, o Revertido, no período relevante, não exerceu a efectiva gerência da executada originária — cfr. art. 0 370 da pi), e ainda que a alusão a descontos para a Segurança Social por si só não provam a gerência de facto (cfr art.39º da p.i).

    Ora, tudo concatenado, apenas podemos concluir que não aceitar a declaração do próprio quanto à gerência que diz ter exercido, como parece fazer a sentença recorrida é que nos pareceria decididamente contrário aos princípios gerais e da experiência comum …“ 9ª Pelo que, em face de tudo o referido, com todo o respeito, cremos que não poderia este Tribunal ter desconsiderado o conteúdo significativo da declaração constante de documento particular assinado e apresentado pela própria Oponente, antes da reversão, assumindo ela inequivocamente o domínio da gestão de facto da devedora originária, que, com toda a lógica se deduz, existindo um nexo jurídico dedutivo válido incontrovertido para o efeito até associado ao registo da certidão permanente, desde logo, e, bem assim; 10ª Ao afirmado inclusive pela Oponente em sede de oposição, pelo que, modestamente entendemos que deverá ser revogada a douta sentença proferida, substituindo-a por decisão que dê expressão a...

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