Acórdão nº 02122/04.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelPaulo Moura
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:*A FAZENDA PÚBLICA interpõe recurso da sentença que julgou parcialmente procedente a Impugnação deduzida por C. e mulher, P., contra a liquidação adicional de IRS do ano de 1998 (mais-valias), por entender que a sentença incorre em erro de julgamento na matéria de facto e de direito.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: A.

Julgou a douta Sentença parcialmente procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2002 55140…7, de 24.11.2004, respeitante ao ano de 1998, em que resulta apurado o valor do imposto de 11.576,44€, a qual considerada no acerto de contas com a liquidação anterior, e acrescida dos respetivos juros compensatórios, resultou a final no montante a pagar de 8.163,59€, na sequência da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa autuada com o n.º 1821-03/400001.3.

B.

O ato tributário de liquidação sindicado tem na sua origem o ganho resultante da diferença declarada de valores, que constitui mais-valias sujeitas a tributação em sede de Categoria G, enquadrável na al. a) do n.º 1 do artigo 10º do CIRS.

C.

Este enquadramento surge em consequência da recolha dos dados inscritos na declaração de rendimentos – modelo 3 de substituição, apresentada pelos impugnantes em 18.10.2002, quando foram instados pela AT, por mor da alienação em 26.11.1998 de duas frações autónomas adquiridas em 15.03.1995 e 09.08.1991, designadas pelas letras “K” e “FM”, do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...), concelho de (...), sob o artigo….

D.

A AT procedeu assim à liquidação adicional tendo por referência única e simplesmente a declaração de substituição apresentada pelos impugnantes e, desta feita os rendimentos de mais-valias da categoria G, que incluíram no Anexo G, E.

ali indicando como ano de aquisição 1995 e, valores de aquisição os de 2.454,09€ e de 35.315,89€, respetivamente, que correspondiam aos valores patrimoniais tributários de cada uma das identificadas frações “K” e “FM” e, como ano de alienação 1998 e, valores de alienação os declarados na escritura de Compra e Venda de 7.481,97€ (esc. 1.500.000] e de 69.831,70€ (esc. 14.000.000), respetivamente.

F. O decidido, louva-se na consideração de que os impugnantes em sede judicial, “...juntaram para além daqueles contratos outros documentos, entre os quais se incluem os «recibos» (...) atinentes aos valores entregues à dita comissão administrativa com vista a fazer face aos encargos com a construção daquele Edifício (...) em que se integram as frações “K” e “FM” (...) comprovam terem os impugnantes entregue as importâncias referidas em 9. a 12. e 14. e 25. da factualidade dada como provada G. Concluindo, afinal, que o ato de liquidação aqui impugnado enferma de errónea quantificação da matéria coletável, pelo que cumpre anulá-lo parcialmente, parte respetiva, com as devidas consequências legais.

H.

Com a ressalva do sempre devido respeito, considera a Fazenda Pública que o douto decisório incorre em erro de julgamento da matéria de facto – por errada valoração da prova –, e que com tal se não conforma, aduzindo para o efeito a motivação subsequente.

I.

O quid decidendum cinge-se a saber se a provada emissão dos documentos elencados nos factos assentes, dando quitação das quantias pagas pelos impugnante não fazem quanto a nós presumir o invocado pagamento nos termos do disposto no artigo 786º nº 3 do CCivil.

J.

Como estipula o n.º 2 do artigo 342º do mesmo diploma, o cumprimento, porque extintivo das obrigações, há de ser demonstrado pelo devedor e, sendo essa uma das formas de cumprimento o pagamento, há de competir aquele o ónus de provar tal facto.

K. Para facilitar tal prova, dispõe ainda o artigo 787º do CCivil, que quem cumpre a obrigação, tem direito a exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, podendo recusar o pagamento enquanto a quitação lhe não for dada ou exigir esta, mesmo depois de pagar.

L. I. e., a verificar-se a presunção de cumprimento prevista no artigo 786º nº 3 do CCivil, incumbiria ao credor o ónus de provar que a obrigação não se extinguiu.

M. Mas uma coisa é a quitação ou recibo, documento particular onde o credor declara que recebeu a prestação, outra distinta, é o título original do crédito, que é o documento necessário para exercer o direito literal e autónomo nele mencionado e que pode consistir, por exemplo, numa letra, numa livrança, num cheque ou noutro documento demonstrativo do fluxo financeiro.

N. E, realça-se aparte a presunção do artigo 786º, em parte alguma, o legislador conferiu à quitação força probatória que fosse para além da generalidade dos documentos em que se integra.

O. Ora que está verdadeiramente em causa é a força probatória da quitação exarada nos recibos e nos documentos elencados no probatório, designadamente os que no dizer da douta sentença em sede da presente impugnação juntaram, à qual a lei não confere um valor probatório especial.

P. Tanto assim, que o artigo 787º do CCivil estabelece, que no exercício do seu direito, aquele que cumpre a obrigação, se nisso tiver interesse legítimo, pode exigir que aquela conste de documento autêntico ou autenticado.

Q.

Significa que nem sequer tem a força por si só de, sendo contestado o pagamento, levar o juiz à dúvida a que alude o artigo 346º do CCivil, como se escreveu no Acórdão do colendo STJ de 16.10.2008, in Processo 08B2668, disponível em em www.dgsi.pt.jtsj.

R.

No valor probatório dos documentos onde está consubstanciado, valem consoante os casos, os artigos 371º, 372º, 376º e 377º do CCivil.

In casu, porque se trata de documentos particulares, há a considerar-se apenas o penúltimo destes preceitos.

S.

É que ainda que se considere que tais documentos teriam sido emitidos pelo credor, apenas fazem prova plena no que respeita ás declarações contrárias aos interesses do declarante, sem prejuízo da indivisibilidade de tais declarações, como sustenta o acórdão citado. A jurisprudência daquela suprema instancia no sentido de que essa prova plena se reporta à materialidade das declarações e não à exatidão do conteúdo destas tem sido abundante.

T.

Na situação sub judicie, cremos que a fundamentação da decisão de facto do Tribunal a quo não permite aquilatar das circunstâncias em que tais documentos foram emitidos e entregues aos impugnantes e, nesta conformidade, sempre ressalvado o devido respeito pelo labor jurisdicional, não deveriam ter sido valorados como o foram, U. assim enferma de erro de julgamento, na valoração e juízo dos factos que considerou como provados.

V. Concomitantemente, deve o ato tributário impugnado permanecer na sua estabilidade e vigência no ordenamento jurídico, uma vez que a AT agiu em cumprimento do preceituado pelo legislador e, em ordem ao princípio da legalidade que impera na sua atuação.

W.

O Tribunal a quo decidiu com violação das disposições legais supra citadas.

Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

**Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a sentença incorre em erro de julgamento por incorreta valoração da prova, mais concretamente sobre a prova documental.

** Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte: FUNDAMENTAÇÃO A) Dos factos Com interesse para a decisão considero provados os seguintes factos: 1. Os aqui Impugnantes venderam, por escritura outorgada («compra e venda e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT