Acórdão nº 00086/06.4BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelIrene Isabel Gomes das Neves
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Recorrente (Fazenda Pública), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, em que foi julgada procedente a impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IRS dos anos de 2001, 2002 e 2003, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegou, formulando as seguintes conclusões: «1ª – É o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do agregado familiar, composto pelo impugnante e pela impugnante, que está em discussão. Os impugnantes, ao tempo, exploravam dois estabelecimentos de comércio a retalho de carnes, vulgarmente conhecidos por talhos. Estes estabelecimentos pertenciam á mesma família, tinham por objecto a mesma actividade comercial e eram explorados em vilas próximas, no distrito de G. 2ª – Na Douta Sentença, em crise, entendeu-se por necessária a quantificação da matéria tributável por métodos indirectos no estabelecimento comercial do impugnante. A impossibilidade da quantificação aritmética foi reconhecida – e assumida como necessária – pelos próprios impugnantes, face a inexistência de contabilidade e desorganização dos documentos fiscais legalmente exigidos, nos termos dos artigos 87º alínea b) e 88º alínea a) da Lei Geral Tributária.

  1. – No estabelecimento comercial da impugnante foi apurado, pela Administração Tributária, no mesmo procedimento inspectivo, que não foram declaradas existências finais nos exercícios de 2002 e 2003, com inexistência de inventários; as margens de lucros declaradas eram inferiores às dos rácios do sector e existia urna contabilização incipiente das compras, com talões de compra emitidos pelo impugnante onde apenas se fazia referência ao preço unitário por cabeça de bovinos, ovinos e caprinos, sem menção dos quilos adquiridos.

  2. – Concluiu a MMª Juiz a quo que, no caso do estabelecimento da impugnante1: “...

    as diferenças entre as margens de lucro não constituem um elemento objectivo e concreto que permitisse à Administração Tributária concluir que a contabilidade da impugnante não reflectia a sua real situação e que era inviável o apuramento direto”.

    Sucede que, para Fazenda Pública e sempre com o devido respeito, este juízo é redutor e não traduz a realidade e totalidade dos motivos da aplicação de métodos indirectos. Pois, ainda que tenha sido possível efectuar uma análise individual dos dois estabelecimentos, são patentes as especiais relações estabelecidas entre os dois talhos, que devem ser analisados numa perspectiva de conjunto ou global.

    1 Transcrição parcial do segundo paragrafo, a folhas 34 da Douta Sentença.

  3. – Mais, no procedimento inspectivo foi apurado que, a gestão de facto dos dois estabelecimentos, era feita pelo impugnante, que efectuava as compras para os dois talhos, com situações em que, por exemplo, era comprado um vitelo e metade era vendida no talho do impugnante e a outra metade era vendida no talho da impugnante (conforme ponto 6 da matéria de facto provada da sentença, a folhas 12, com transcrição do relatório de inspeção, cap. II ponto 5.2.1).

  4. – Com dois talhos na mesma esfera de gestão – um sem contabilidade e outro com contabilidade – com aquisições suportadas por talões de compra emitidos pelo preço unitário por cabeça de bovinos, ovinos e caprinos, sem menção dos quilos adquiridos, como destrinçar quanto foi vendido em cada estabelecimento? Ter uma referência de preço de aquisição por cabeça não é o mesmo que ter um preço de aquisição por quilo! Somente com a referência do valor por cabeça, um dos talhos pode comprar muitos quilos ou comprar poucos quilos; comprar a bom preço ou a mau preço; vender muito ou vender pouco em função dos quilos efectivamente comprados. Não restando mais do que apurar médias de preços de aquisição, representativas de uma parte dos custos desta actividade, que não permitem uma quantificação directa, exacta e aritmética da matéria tributável e justificaram a necessidade de quantificação da matéria tributável por métodos indirectos, também, para o talho da impugnante.

  5. – De igual modo, e sempre com a devida vénia, não se pode concordar com o decidido relativamente aos critérios de quantificação da matéria tributável por métodos indirectos. Concluiu-se2: “...não se encontrando justificada a desconsideração de lodos os factores suscitados pelos impugnantes, os quais são susceptíveis de influir no resultado obtido, em desfavor deles, pois que se tivessem sido considerados, os valores seriam necessariamente inferiores – as liquidações padecem de erro por excesso...o que implica a sua anulação como o requerido.” Naturalmente, na impossibilidade quantificação da matéria tributável por métodos aritméticos a alternativa possível – por métodos indirectos – é feita por estimativas, por indícios, por valores de referência aproximados da realidade tributária. No caso, a quantificação foi efectuada com base nos rácios da rentabilidade fiscal da actividade de comércio a retalho de carne do distrito de G; que neste caso era, ao tempo 19,75%. Rácio que foi confirmado pelo próprio impugnante questionado, no decurso do procedimento inspectivo (ponto 2 do termo de declarações junto à contestação como doc.4/3 a 4/4) sobre as margens praticadas no talho, respondeu que variavam entre 15% a 20%.

    2 Transcrição parcial do último paragrafo, a folhas 37 da Douta Sentença.

  6. – Já o valor médio dos preços de compra dos bovinos do matadouro de 3,66 euros não é um valor fortuitamente apurado pela Administração Tributária! Resulta da média dos trás anos (2001 com 3,82 euros, 2002 com 3,66 euros e 2003 com 3,49 euros) do preço de compra por quilo, do talho do impugnante no matadouro (ponto 6 da matéria de facto provada da sentença. a folhas 6 a 8, com transcrição do relatório de inspeção, cap. II ponto 5.2).

  7. e última conclusão – Não faz qualquer sentido e é totalmente despropositado o argumentado pelos impugnantes – tese acolhida na Douta Sentença – quanto à consideração das quebras (desperdícios por exemplo: ossos e banhas) na quantificação. Pois, a determinação da matéria tributável teve por base o valor das compras e o rácio da margem bruta, das vendas, no qual não são consideradas quaisquer quebras. Este rácio é determinado pela relação entre os valores das compras e das vendas declarados pelos vários sujeitos passivos que integram o cadastro daquela actividade, já contemplando essa realidade, pois o valor utilizado como compras já é o das compras efectivas – líquidas de eventuais quebras e outras depreciações.

    Nestes termos, e nos melhores de Direito, que serão por V.Exas Doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, revogada a Douta Sentença, com manutenção das liquidações de IRS de 2001 a 2003.» 1.2. Os Recorridos (C. e M.), notificados da apresentação do presente recurso, não apresentaram contra-alegações.

    1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 322 SITAF, no sentido da improcedência do recurso.

    1.4.

    Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

    Questões a decidir: As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes: Ø se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto na valoração e subsequente subsunção jurídica, ao concluir pela não verificação dos pressupostos de que depende a avaliação indirecta quanto a impugnante mulher (Talho 1 (...) – sujeito passivo M.) e ao considerar a errónea quantificação da matéria tributável, nomeadamente quanto ao critério utilizado quanto ao impugnante marido (Talho 2 – sujeito passivo C.).

    1. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «Com relevo para a decisão a proferir, julgo provados os seguintes factos: 1.

      Os Impugnantes exercem a atividade de comércio a retalho de carnes, CAE 052220, encontrando-se ambos enquadrados, para efeitos de I.R.S. na categoria B, e para efeitos de I.V.A., no regime normal trimestral; 2.

      O Impugnante exerce atividade num estabelecimento sito em A; 3.

      A Impugnante exerce atividade num estabelecimento sito em o; 4.

      Pela ordem de serviço n.º OI200400027/28, foi realizada inspeção aos Impugnantes, quanto aos exercícios de 2001 a 2003, tendo durado desde 01.03.2005 a 20.05.2005 – cfr. fls. 11 do processo administrativo apenso; 5.

      Em 11.03.2005, o Impugnante, em sede de declarações, referiu que as margens de lucro variavam entre 18% e 20% - cfr. fls. 105 dos autos em suporte físico; 6.

      A referida inspeção culminou com a elaboração de relatório final, em 20.05.2005, com o seguinte teor – cfr. fls. 11 a 30 do processo administrativo apenso: “[...][imagem que aqui se dá por reproduzida] […]”; 7.

      Sobre o relatório elaborado, foi aposto o seguinte despacho – cfr. fls. 8 do processo administrativo apenso: “DESPACHO (a) Sanciono o presente relatório nos termos propostos.

      [...] (a) DESPACHO n.º 5750/05, DR II SÉRIE n.º 54 DE 17/03” 8.

      Na sequência de pedido dos Impugnantes, foi desencadeado procedimento de revisão da matéria coletável nos termos do artigo 91º da L.G.T. – cfr. fls. 85 e seguintes dos autos em suporte físico; 9.

      Por despacho de 11.08.2005, da Diretora de Finanças de G, foi designado o perito T, da Fazenda Pública para o processo de revisão – cfr. fls. 85 dos autos em suporte físico; 10.

      Naquele procedimento foi proferida a seguinte decisão – cfr. fls. 86 a 93 dos autos em suporte físico: “[...][imagem que aqui se dá por reproduzida] 11.

      Nesta sequência, em 14.11.2005, foram efetuadas liquidações de I.R.S. quanto aos anos de 2001, 2002 e 2003, no valor de, respetivamente, 2.364,62€, 3.661,95€ e 4.110,03€ - cfr. fls. 176 a 184 dos autos em suporte físico; 12.

      Em...

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