Acórdão nº 00425/06.8BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução13 de Maio de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo: I.RELATÓRIO 1.1.

JA...

e mulher CM...

, por si e na qualidade de legais representantes de FM...

, de 22 meses de idade, aqueles contribuintes n.º (…) e n.º (…), residentes no lugar dos (…), intentaram junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a presente ação administrativa comum, contra (i) AD..., médico de Medicina Geral e Familiar, com morada profissional no Centro de Saúde (...) (extensão de saúde de (...)) e (ii) CENTRO DE SAÚDE (…) (extensão de (...)) ,entretanto substituído pela ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, pedindo condenação solidária dos Réus: (i) a pagar à sua representada FM..., a quantia de 180.000,00€ pelos danos patrimoniais sofridos, presentes e futuros, decorrente da sua incapacidade total de 100% para toda a vida e para qualquer trabalho, em resultado do seu nascimento com síndrome de Down, e a quantia de 50.000,00€, a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora, a contar desde a data da citação dos Réus para os termos da presente ação.

(ii) a pagar a cada um dos coautores marido e mulher, a quantia de 40.000,00€, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, presente e futuros, resultantes do nascimento da filha de ambos com síndrome de Down, acrescidas de juros de mora, a contar desde a data da citação dos Réus para os termos da presente ação; (iii) a pagar aos autores marido e mulher, a quantia de 70.000,00€, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos alegados no artigo 37.º da p.i., presentes e futuros, resultantes do nascimento da filha de ambos com síndrome de Down, acrescidas de juros de mora, a contar desde a data da citação dos Réus para os termos da presente ação; (iv) a pagar as custas, procuradoria e o mais legal.

Para tanto alegam, em síntese, que no dia 01 de maio de 2004, nasceu com vida FM..., do sexo feminino, filha de ambos, com síndrome de Down e cuja gravidez não foi voluntariamente interrompida, no prazo legal, devido à atuação negligente do 1.º Coreu, médico assistente no Centro de Saúde (...), extensão de (...), (...). Sustentam para tanto, que o médico assistente, perante o resultado da 1.ª ecografia realizada no Hospital de (...), em 2003/11/06, em cujo relatório a analista Dra. JD... escreveu que «Deve ser efetuado rastreio bioquímico do 1.º trimestre em centro credenciado para o efeito com doseamento de PAPP-A e l. (liquido) fetal proteico no ventre materno», em consequência de se ter verificado que há “ translucência da Nuca: 3,1mm”, e pese embora tenha sido indicada a realização do rastreio bioquímico, que o 1.º Réu providenciou, com resultado negativo, mas em cujo relatório se afirmava que «um rastreio negativo não exclui a possibilidade de Síndrome de Down», o referido médico assistente devia ter pedido a realização do teste da amniocentese e/ou colheita de vilosidades da placenta para confirmação diagnóstica, o que não fez, assim violando todas as regras de arte médica em ordem a prevenir efetivamente a doença Síndrome de Down e uma opção dos futuros pais.

Como tal, consideram que o direito à interrupção voluntária da gravidez foi-lhes vedado por culpa exclusiva do médico assistente, que violou gravemente os deveres de médico pelo desconhecimento das artes médicas aplicadas ao caso vertente, pois que, sabendo dos graves riscos de a nascitura vir a nascer com a doença de Síndrome de Down, conformou-se com esse resultado, nada fazendo para o contrariar. E tudo, não obstante os AA., na semana de 06 de novembro de 2003, isto é, com 12 semanas de gravidez, terem exposto ao médico assistente a vontade inequívoca de interrupção voluntaria da gravidez, tendo-se o mesmo negado a colaborar com os AA., recusando o internamento da A. mulher para que pudesse interromper voluntariamente a sua gravidez.

Em suma, perante o resultado dos exames realizados, o médico - assistente, no imediato, devia pedir a realização do teste da amniocentese e/ou colheita de vilosidades da placenta para confirmação diagnostica, o que não fez, violando todas as regras da arte médica, em ordem a prevenir efetivamente a doença Síndrome de Down e uma opção dos futuros pais.

Em consequência desta omissão dos deveres de cuidado médico, a FM... nunca será uma pessoa autónoma, mas a necessitar, durante toda a sua vida, de terceiras pessoas, (pais ou outrem) que a assistam médica, nutritiva, higiene, física, educativa ou socialmente, padecendo de dores incalculáveis que não podem ser contabilizadas, face à sua doença de malformação congénita, com necessidade de ser medicada durante toda a vida.

1.2. Citado, o Réu AD..., contestou defendendo-se por exceção e por impugnação. Invocou a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial e a sua ilegitimidade.

Impugnou parte dos factos alegados pelos Autores, sustentando que a vigilância da parturiente e Autora iniciou-se em 02/10/2003, no Centro de Saúde (...), na extensão de (...) e o risco obstétrico foi avaliado às oito semanas de gestação, pela aplicação do critério de Goodwin, sendo o mesmo classificado de baixo risco.

Que era médico assistente não só da parturiente, como da família desta, desde 1985, tendo assistido clinicamente as três gravidezes normais de uma irmã e da co- A. mulher e os membros da família da A. continuam a depositar no Réu, confiança e não conhece no seio da família qualquer caso de malformação congénita e que não conhece o Autor.

Que nunca lhe foi referido qualquer problema congénito ou outro na família do cônjuge da parturiente e que foram por si solicitados os exames preconizados pela Direção Geral dos Cuidados de Saúde Primários para o 1º semestre de gravidez, análises e ecografia.

Os resultados analíticos foram normais e o exame ecográfico apresentou valores normais nos vários itens em consideração, seja na frequência cardíaca, seja no comprimento de Crânio-Caudal da placenta, não tendo sido observados sinais diretos de eventuais anomalias fetais.

Que, todavia, em resultado da translucência da nuca (espessura da quantidade de líquido acumulado, atrás da nuca do feto), a médica especialista do setor de ecografia do serviço de obstetrícia do Hospital de (...), sugeriu o rastreio bioquímico do 1º semestre, mas não sugeriu amniocentese.

Que tendo o resultado do Laboratório de Genética e Diagnóstico Pré-Natal, do prof. Doutor SC..., que reviu esse rastreio, sido negativo e não havendo no historial clínico da grávida qualquer outra razão ou risco como a idade gestacional e materna, a etnia e peso da mãe, a presença de diabetes, o consumo de tabaco, entre outros, não se justificaria, na altura e face ao caso, a amniocentese.

Quanto à possibilidade de a Autora vir a realizar a interrupção voluntária da gravidez, de tal nunca falaram os Autores nas consultas e nem existiam seguros motivos para prever a existência de malformações congénitas, nem os Autores clarificaram ainda haver sido essa a sua vontade, nem em 06 de novembro de 2003, os Autores expuseram essa vontade ao 1ª Réu, porquanto, nessa altura, ainda não havia elementos para o efeito e mesmo que fosse essa a sua vontade, tal não seria permitido à luz do disposto no artigo 142.º, n.º 1, al. c) do Código Penal.

Que em 10/01/2014, a grávida realizou ecografia que não juntou aos autos e na qual o nascituro tinha 22 semanas e não foram encontradas ou apontadas pelo especialista em causa quaisquer problemas nos vários itens em ponderação E até às 24 semanas – momento até quando podia, legalmente, ocorrer a IVG, o Réu tinha em seu poder uma avaliação clínica de baixo risco, um rastreio bioquímico (englobando ecografia do 1º semestre) negativo e uma ecografia de 2º trimestre normal.

Em 10/03/2004, quando o nascituro tinha a idade ecográfica de 29 semanas e 5 dias, novo exame deste tipo foi realizado no Departamento de Imagiologia do Hospital da (...) de (...), cujos resultados foram normais – com “Gestação favorável e compatível com as semanas de amenorreia”.

E no item anatomia fetal (cabeça), há uma chamada de atenção para uma “certa deformidade da região anterior do ovoide”, o que não é indicativo ou conclusivo quanto ao Síndrome de Down.

E esse Síndrome apenas foi detetado após o nascimento da FM..., quando na unidade de Citogenética, onde deu entrada no dia 04/05/2004, foi realizado o exame a que se refere o documento n.º 4 junto com a petição inicial, o que também não foi verificável à nascença, mas sim à posteriori, no serviço de Neonatologia, onde deu entrada após o parto ocorrido em 01 de maio de 2014 por “Problemas de alimentação no recém-nascido” e foi “internado por dificuldades em mamar.” E nesse serviço, as fácies com estigmas de síndrome de Down, com fendas palpebrais características, implantação baixa dos pavilhões auriculares, nariz pequeno e pescoço curto foram detetadas, mas não é associada à sintomatologia que define Trissomia 21.

Conclui que teve atuação com diligência e zelo a que estava obrigado, agindo segundo as regras da legis artis e os conhecimentos científicos e meios de diagnóstico ao seu alcance e então existentes.

Requereu a intervenção da AP---, SA, com quem celebrou contrato de seguro de responsabilidade civil, com a apólice de seguro n.º 0084.07.125800.

Conclui pela improcedência da presente ação.

1.3. Citado, o Réu Centro de Saúde (...), apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Na defesa por exceção, alega a falta de personalidade judiciária para ser demandado como Ré na presente ação, por se encontrar integrado na Administração Regional de Saúde do Norte, dependendo administrativa, financeira e juridicamente do Conselho de Administração Regional de Saúde do Norte.

Por impugnação, sustenta, em suma, que a IVG, a ser realizada no contexto legal do Serviço Nacional de Saúde, teria de observar os requisitos estabelecidos, designadamente na Portaria n.º 189/96, de 21/03, o que no caso não ocorreu, não tendo, assim...

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