Acórdão nº 00721/08.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelAna Patrocínio
Data da Resolução15 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório T..., Lda., NIPC 5...9, com sede na Alameda ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 30/04/2020, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais n.ºs X e Y, de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC) e Juros Compensatórios, dos exercícios de 2003 e 2004, no valor de €47.744,47.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “1º) O Recurso interposto versa não só quanto à matéria de Direito, como também à matéria de Facto, tendo como fundamentos: - A errada apreciação que foi feita da prova produzida; - A incorrecta interpretação e aplicação da Lei aos factos concretos.

  1. ) DO ERRO DE JULGAMENTO QUANTO AOS (SUPOSTOS) INDÍCIOS SÉRIOS DE QUE AS OPERAÇÕES CONSTANTES DA FACTURAS NÃO CORRESPONDEM À REALIDADE Ocorreu porquanto nunca a AT fez a prova de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade: não bastam meras casualidades, há que provar a seriedade desses indícios.

  2. ) Nas palavras do Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 30.11.2011 proferidas no âmbito do Processo 1520/05, “IV - Se a Administração Fiscal desconsidera facturas que reputa de falsas, compete-lhe fazer a prova de verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. V - Realizada tal prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção que alega ter realizado.

    ”.

  3. ) A propósito da repartição do ónus da prova, “à AT cabe provar o preenchimento dos pressupostos legais que conferem legitimidade à sua actuação, ou seja, coligir e comprovar “factos-índice” da falsidade das facturas que suportam tais custos.” – Acórdão do TCA Norte de 27/10/2007 no processo 01139/04 -, mas as razões apontadas pela A.F. baseiam-se em raciocínios exclusivamente subjectivos, e não provados, em face de factos concretos, tendo apenas em vista uma tributação adicional, seja a que custo for.

  4. ) Se a fundamentação não esclarecer a motivação do acto por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado, (cfr. art. 77º da LGT e art. 125º do CPA) pois, de todo o relatório de fundamentação não se extrai um único facto susceptível de demonstrar a efectiva inexistência das relações jurídicas de prestação de serviços entre a aqui impugnante e a “CRM..., LDA”, vício da fundamentação susceptível de, à luz da al. c) do art. 99º do CPPT, afectar a validade intrínseca do acto tributário stricto sensu, em que se traduz a liquidação adicional, que em última análise, conduzirá anulação do acto por vício de forma.

  5. ) Prosseguindo, a SENTENÇA PADECE DE VÍCIO PELO NÃO RECONHECIMENTO DO ELEMENTOS ESSENCIAIS DAS FACTURAS quando, pelo contrário, o recente acórdão do TCA Norte, prolatado no âmbito do Processo n.º 3021/09.4BEPRT (relatora a Sra. Desembargadora Maria do Rosário Meneses da Silva Pais), que cremos ainda não publicado na página da DGSI, veio finalmente romper com o entendimento que os tribunais portugueses vinham sufragando inalteradamente há décadas em que citavam jurisprudência portuguesa com mais de 15 anos, salutarmente decidindo-se nesse aresto o transcrito na Alegação 41º) que se dá por reproduzida, e depois de citar o Acórdão Barlis, proferiu a decisão assim sumariada: III) A Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a factura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 36.º (Anterior 35.º) do CIVA, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos, devendo ainda ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo.

  6. ) E se assim é na exigente sede do IVA, note-se que a nossa Jurisprudência sempre afirmou que uma factura que não preenche os requisitos impostos por lei para efeitos de IVA não pode, em sede de IRC, resultar na consideração de que o custo inerente está não documentado - TCAS, Ac. de 1 de Junho de 2011.

  7. ) Por isso, não obstante estar aqui em causa o IRC, facto é que estão em causa verdadeiramente a dedutibilidade de custos, sendo que, mesmo para o IVA, em que a própria Jurisprudência nacional tem sido mais exigente do que para efeito sede IRC, o entendimento do Relatório Inspectivo está desconforme com o Direito Comunitário, sendo o IVA um imposto de matriz comunitária[1], 9º) direito à dedução que é conforme o Direito Europeu atendendo ao nível de organização das microempresas, que frequentemente revelam carências na área administrativa, desde que exista um “dossier” extra-contabilístico por obra que contenha os elementos necessários à Administração Fiscal para aferir da materialidade das operações, como sejam orçamentos, autos de medição, folhas de obra e mapas de controlo da presença dos diversos trabalhadores da empresa emitente das facturas afectos às obras da empresa beneficiária (que expressam o número de pessoas ao serviço, o número de horas trabalhadas por dia e a duração dos trabalhos), conjugados com prova testemunhal, inclusivamente em sede judicial.

  8. ) Acresce que, conforme relata a ilustre magistrada Margarida Reis in O Direito À Dedução No Imposto Sobre O Valor Acrescentado: jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia[2], quanto aos Requisitos formais do direito à dedução com base em Facturas, “Uma vez que a administração fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo é, enquanto destinatário da prestação em causa, devedor do IVA, não pode impor, no que se refere ao direito do referido sujeito passivo à dedução do IVA, condições adicionais que podem ter como efeito a impossibilidade absoluta do exercício desse direito. Assim, nestas circunstâncias, quando um sujeito passivo, enquanto destinatário de serviços, é designado devedor do IVA correspondente, a administração fiscal não pode exigir como condição adicional para permitir o direito à dedução que o mesmo esteja na posse de uma factura emitida em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 22.º da Sexta Directiva. Com efeito, tal exigência teria como consequência que um sujeito passivo fosse, por um lado, devedor do IVA em causa enquanto destinatário dos serviços, mas corresse o risco, por outro, de não poder deduzir esse imposto. (cf. Caso Bockemühl, proc. C-90/02 [2004])”.

  9. ) O Tribunal a quo, através da EQUIPA DE RECUPERAÇAÞO DE PENDÊNCIAS DA ZONA NORTE - DECRETO-LEI N.º 81/2018, DE 15/10), para julgar obras que decorreram nos anos de 2003 e 2004, relativamente aos quais a AT usou ao máximo a sua prorrogativa de liquidar impostos dentro do prazo de caducidade de 04 anos, liquidando-os oficiosamente no final de 2007, num processo instaurado em 2008 e sentenciado em Maio de 2020, tudo exigiu da contribuinte e nada da AT.

  10. ) A ampla prova testemunhal produzida corroborou a nossa Impugnação no sentido de explicar que a prestação de serviços pela “CRA..., Lda” era justamente a mencionada nas Facturas, ou seja, de construção civil geral, vulgarmente designada de “trabalhos de trolha”, e não de serviços de Especialidades, estes, sim, que somente incidiriam sobre uma parte concreta da obra.

  11. ) Os serviços prestados pela “CRA..., Lda” eram, portanto, de mero reforço da (reduzida) equipa da Impugnante (constituída por quatro colaboradores, sendo um deles o sócio-gerente e em Dezembro de 2003 ficou reduzida a apenas três colaboradores – cfr.

    , a título de exemplo, Docs. n.ºs 22 e 23 P.I.), consoante os “picos de trabalho”, e estavam todos sob a direcção do legal representante da Impugnante, Eng. AA. E tal reforço pela “CRA..., Lda” não era uniforme, nem quanto ao número de homens presentes em cada dia, nem quanto às horas que cada homem trabalhava em cada dia – por isso se elaboraram Mapas de Pessoal da “CRA..., Lda” em obra (juntos aos autos), esses sim, contendo o n.º de horas e de pessoas em cada obra.

  12. ) Seria impossível fazer constar das Facturas todos os elementos constantes desses Mapas de Pessoal, pois tal significaria mais do que uma factura diária, todos os dias de meses e meses de obras! Exigir-se que as facturas assim o tivessem sido emitidas - e lembre-se que decorriam os anos de 2003 e 2004, em que não se falava como hoje das exigências formais fiscais - , por parte de pequenas empresas de construção civil, será coarctar o direito à dedução que o supracitado acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias/hoje TJUE expressamente censura, quando refere que no que concerne, portanto, ao art. 18.º n.º 1, alínea d), da Sexta directiva, a imposição e o alcance das formalidades a cumprir a fim de poder exercer o direito à dedução não devem ultrapassar o estritamente necessário para controlar a aplicação correcta do procedimento de autoliquidação em causa.

  13. ) O ROC contratado pela Impugnante para auditar esta questão concluiu pela conformidade legal da Descrição das facturas emitidas pela empresa “CRA..., Lda” – ponto 5. do Relatório ROC (Doc. n.º 6 da P.I.), sustentando que “As facturas emitidas pela empresa CRA..., Lda, apresentam um descritivo simples (…) mas cumprindo os requisitos exigidos pelo art.º 35º do CIVA.

    ”. Após análise de auditoria à Impugnante, conclui o ROC que “Em relação à empresa T..., Lda é de destacar a existência de um “dossier” extra-contabilístico por obra que contém vários elementos como sejam: orçamentos, autos de medição, folhas de obra e mapas de controlo da presença dos diversos trabalhadores das empresas subcontratadas afectos às obras desta empresa. Estes mapas expressam o número de pessoas ao serviço, o número de horas trabalhadas por dia e a duração dos trabalhos, permitem também o...

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