Acórdão nº 01026/22.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução30 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo: I.RELATÓRIO 1.1.

AA (doravante Requerente ou A.), residente na Praceta..., instaurou providência cautelar, contra o IHRU – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, sito na Rua ... Porto, peticionando a suspensão de eficácia da decisão, que lhe foi notificada pelo oficio de 20/01/2022 do Coordenador do Departamento de Gestão do Património Arrendado do Norte, que determinou a desocupação e entrega da habitação correspondente à casa ...1, da entrada ...20, do ..., da Praceta ... àquele IHRU, livre de pessoas e bens.

Alega, para tanto, que, o despejo da requerente e do seu agregado familiar, constituído pela própria e pelos seus 3 filhos, irá causar-lhes prejuízo de difícil reparação, pois não têm onde morar nem salário fixo, vivendo do Rendimento Social de Inserção; Mais alega ser falso que a requerente esteja a usar o imóvel em causa de forma ilegítima e abusiva, sem autorização do requerido, sendo tal uso legítimo, uma vez que paga as despesas; A suspensão da eficácia requerida não determinará grave lesão do interesse público, acontecendo até o inverso, porquanto a permanência da requerente na habitação corresponde ao seu direito enquanto cidadã, sendo, inclusivamente, o direito à habitação ... direito constitucionalmente consagrado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual só pode ser posto em causa por motivo válido e legal, o que não acontece in casu, pois a requerente usa a habitação de forma legítima; O ato suspendendo é inválido por não esclarecer, concretamente, a sua motivação, desconhecendo-se as razões de facto e de direito que a ele conduziram, pelo que, estando o ato insuficientemente fundamentado, tal equivale à falta de fundamentação de acordo com o artigo 125.º, n.ºs 1 e 2, do CPA, gerando, por isso, vício de forma; A execução do ato suspendendo representa para o requerente uma violência, ofendendo o princípio da justiça, pois a requerente encontra-se em situação de insuficiência económica, tem três filhos, vivendo a família com algumas dificuldades.

1.2. Citado, o Requerido deduziu oposição, pugnando pela improcedência do pedido, sustentando, que é proprietário e possuidor da fração autónoma identificada pela letra ... correspondente à habitação n.º ...1 do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal com entrada pelo nº ...20 (Edifício 4) da Travessa ... (atualmente designada por Praceta ...), freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...85 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o n.º ...02, fogo que é utilizado pelo Requerido para atribuição a famílias carenciadas no regime de arrendamento apoiado; Não celebrou com a Requerente nenhum contrato de arrendamento, sendo que a Requerente tem utilizado o local em virtude de esbulho praticado com violência; Instaurou contra a requerente providência cautelar de restituição provisória de posse, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível, Juiz ..., sob o processo n.º 4936/22...., tendo sido proferida sentença em 28/03/2022, provando-se que o ali R. (aqui requerido) não celebrou com a aqui Requerente qualquer contrato de arrendamento nem estabeleceu qualquer relação jurídica administrativa, tendo sido ordenada a restituição da posse do imóvel ao ora Requerido e dispensado este do ónus de propositura da ação principal, sentença esta transitada em julgado; No decurso das diligências de entrega a Requerente peticionou a suspensão do ato, a qual tendo sido deferida foi objeto de recurso; Tendo tomado conhecimento da ocupação ilícita da habitação propriedade do Requerido por parte da Requerente, limitou-se a notificá-la para proceder à desocupação do fogo e à sua entrega sem que tal notificação constitua qualquer ato administrativo, pelo que não é impugnável; Ademais, a Requerente não tem qualquer direito à utilização do fogo.

1.4. Proferiu-se despacho que considerou desnecessária a produção de prova testemunhal aduzida pela Requerente e que indeferiu o requerimento de prova testemunhal, nos termos do art. 118.º, n.º 2 e 5 do CPTA.

1.5. Fixou-se o valor da causa em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).

1.6. O TAF do Porto proferiu decisão que julgou improcedente a providência cautelar, constando o seu dispositivo do seguinte teor: «Pelo exposto, julga-se improcedente a presente providência cautelar e, em consequência, absolve-se o requerido do pedido.

Custas pela requerente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º do CPTA, artigo 7.º, n.º 4 e tabela II-A do RCP).

Registe e notifique.» 1.7.

Inconformada com a decisão proferida, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes Conclusões: «1º - A Douta Sentença não faz a correcta aplicação do direito aos factos.

  1. - Com relevância para a boa decisão da causa, estão provados, os seguintes factos: 1. Pela ap. ...80 de 29.11.2010, da descrição predial ...13, mostra-se registada a favor do requerido, na Conservatória do Registo Predial ..., a transmissão por transferência de património das frações ... a ..., do prédio urbano situado na Travessa ..., composto por edifício de 4 pavimentos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...85 da freguesia ... – cfr. doc. 1 junto com a oposição.

    1. A fração autónoma designada pela letra ... do prédio referido no ponto anterior é utilizada pelo requerido para atribuição a famílias carenciadas no âmbito do regime de arrendamento apoiado. – cfr. doc. ... junto com a oposição.

    2. Com data de 20.01.2022, o requerido remeteu à requerente ofício sob o assunto “Entrega voluntária do fogo n.º ...55”, com o seguinte teor: “(...) Verificou-se que V. Exa. ocupa, sem contrato ou documento de autorização ou atribuição que a legitime, a habitação de que este Instituto é proprietário, correspondente à fração autónoma destinada a habitação designada pela letra ... situada no Bairro ..., ... (Bloco ...), casa ...1, no Porto. Neste sentido, e após análise da situação, ao abrigo dos artigos 28.º e 35.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na sua atual redação, solicita-se a V. Exa. a desocupação e entrega da habitação ao IHRU, livre de pessoas e bens e nos exatos termos em que a encontrou aquando a ocupação, no prazo de 3 dias úteis, sob pena da situação prosseguir a via judicial em ordem à recuperação do imóvel sem outro aviso. Mais se informa que, deverá, no prazo indicado, comunicar a concretização da desocupação do fogo nos termos previstos. (...)” – cfr. doc. 1 junto ao requerimento inicial.

    3. Em 28.03.2022, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto – Juiz ... proferiu sentença no âmbito do procedimento cautelar que correu termos sob o n.º de...

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