Acórdão nº 01036/18.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução30 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I.

RELATÓRIO 1. "INSTITUTO da SEGURANÇA SOCIAL - Centro Distrital de Viana do Castelo, IP", inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga, datada de 30 de Abril de 2020, que julgando procedente a acção administrativa instaurada pelo A./Recorrido AA, residente na Rua …, anulou o acto de 12 de Janeiro de 2018, pelo qual foram declaradas nulas as prestações atribuídas, a título de subsídio de doença, nos períodos compreendidos entre 9/9/2013 e 6/1/2015 e 9/3/2015 e 26/3/2016.

* Nas suas alegações, o recorrente ISSocial - IP, formulou as seguintes conclusões: "1 - A sentença recorrida padece de ilegalidade por ter violado o disposto nas alíneas a) e c) do n. º 1 do artigo 24º, do Decreto – Lei n.º 28/84, de 14/8, interpretando tais disposições no sentido de que a prática de atos esporádicos e ou ocasionais de natureza profissional não constitui exercício de actividade profissional, para efeitos de cessação do direito ao subsídio de doença.

2 – O douto aresto está ferido de ilegalidade por enfermar de erro nos seus pressupostos, de erro no julgamento de direito, constando do processo elementos que por si conduziriam a decisão diversa.

3 – O ato impugnado, ora em crise, foi praticado pelo recorrente em 12 de janeiro de 2018 e declarou nulas as prestações de subsídio de doença atribuídas ao recorrido nos períodos compreendidos entre 9/09/2013 e 6/01/2015 e entre 9/03/2015 e 26/03/2016 com fundamento no facto de nesses períodos ter existido acumulação com a prática de actividade profissional por parte do recorrido.

4 – Perante os factos dados como provados, identificados de 1 a 29 e os factos dados como não provados, de A) a C), entendeu a Meritíssima Juiz que no que toca ao exercício de actividade profissional por parte do recorrido, nos períodos em que se encontrava a receber prestações substitutivas do rendimento do trabalho, em concreto prestações de subsídio de doença, aquele praticou três atos de gestão em 2014, dentro do primeiro de dois períodos em que o recorrido esteve de baixa por doença (de 9/09/2013 a 6/01/2015).cfr fls 22 e 23 do douto aresto em apreciação.

5 – Considera a decisão proferida, no que toca a apreciação da prática dos referidos três atos de gestão, que os mesmos não se podem traduzir na prática de actividade profissional devido ao facto de os atos em causa serem de número diminuto, o espaçamento temporal havido entre a prática dos mesmos e a longa duração do período de baixa, considerando ainda o douto aresto em apreciação que, para esse mesmo efeito, uma actividade profissional pressupõe, naturalmente, uma certa continuidade de acção prolongada no tempo.

6 – A douta sentença proferida entende que o disposto no artigo 24º, n.º 1 alínea c) do Decreto – Lei n.º 28784, de 14/8, com o sentido de que considerar que a prática de atos esporádicos e ou ocasionais de natureza profissional constitui exercício de atividade profissional, para efeitos de cessação do direito ao subsídio de doença, seria sufragar uma interpretação que não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, por ser suposto que o legislador sabe exprimir o seu pensamento de forma adequada (vide artigo 9º do Código Civil).

7 – Todavia, em caso de doença, como em todas as actividades, o recorrido está incapacitado para o trabalho e não pode, pura e simplesmente realizar tarefas próprias e características da actividade de gerente e, ao mesmo tempo, auferir subsídio de doença, uma vez que a sua atribuição pressupõe essa mesma incapacidade que se traduz, tal como encerra a própria etimologia da palavra, a impossibilidade de exercer a sua actividade e as tarefas próprias da mesma, sejam elas quais forem.

8 – Relativamente à natureza dos atos praticados sempre se dirá que “a gerência é, por força da lei e salvo casos excecionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir atuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito.

Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objeto social), com a simples exceção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º, n.º1 e 409º, nº1 do Código das Sociedades Comerciais).

O gerente/administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade.

A distinção entre ambos radica no seguinte: se o ato em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário se o ato respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos.

Por outras palavras, se o ato em causa tem apenas eficácia interna estamos perante poderes de administração ou gestão.

Se o ato tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.” In Ac. do TCAN de 15/05/2014 – Proc. n.º 273/07.8BEMDL – www.dgsi.pt (sublinhado nosso) 9 – Atente-se ainda que “… a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dividas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem atos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto ...” in Ac de 29/09/2016 do TAF de Viseu proferido no proc. .00274/10.0BEVIS, da 2ª seção – Contencioso tributário 10 – Dos acórdãos supra referidos retira-se que a actividade profissional de gerência é ou pode ser, pela sua própria natureza, caracterizada pela prática de atos típicos ou próprios da gerência que poderão até ser esporádicos ou ocasionais mas que constituem o exercício dessa mesma actividade porque vinculam interna e externamente a sociedade e vão permitindo o seu giro no meio económico – social onde se move.

11 – A acolher-se a teoria consignada no douto aresto proferido onde encontrar-se, então, a linha distintiva entre a prática ou não prática de tarefas ou atos de gestão ou de representação de uma sociedade para considerarmos que um gerente está ou não está a praticar actividade profissional e qual o período de tempo em que teremos de realizar tal aferição? Mais de três atos, seis atos? E em que período de tempo? Seis meses, um ano? Se assim fosse estaríamos, em nosso entender e, salvo melhor opinião, a introduzir uma subjectividade, que o legislador não introduziu na alínea c) do n.º 1 do artigo 24º do Decreto – Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro.

12- O legislador, nesta norma, apenas refere “O beneficiário tenha exercido actividade profissional...” e, de forma objectiva, em nosso modesto entender, o que ele pretende dizer é “exerceu ou não exerceu”, bastando para o efeito que a tenha exercido, seja por 15 minutos, uma hora ou meio dia, praticando apenas um único ato ou vários, desde que os mesmos tenham validamente vinculado a sociedade.

13 – O entendimento da douta sentença recorrida permite que um gerente em situação de incapacidade temporária para o trabalho possa, ano após ano, manter a sua actividade, prosseguindo a sociedade o seu giro normal, pela prática de atos ou tarefas profissionais que são típicas de uma actividade profissional que desse modo acaba por, eficazmente permitir a manutenção da vida da sociedade e, simultaneamente, ao gerente, receber rendimentos substitutivos dos rendimentos do trabalho, no pressuposto que está incapacitado para esse efeito.

14 – É à luz do previsto no artigo 9º do Código Civil e da natureza jurídica da actividade profissional de gerente que temos de aferir o sentido da norma no caso concreto sob pena de o resultado ser contrário àquilo que o próprio legislador consignou, sendo que consagrou que basta a prática de actividade profissional, independentemente até da prova de existência de qualquer remuneração, para cessar o direito ao subsídio de doença. cfr alínea c) do n.º 1 do artigo 24º.

15 – Se o legislador afastou até a necessidade de prova da existência de remuneração, bastando-se com o mero exercício da actividade profissional para cessar o direito ao subsídio de doença durante o período de concessão, deve o interprete ir mais além e considerar que tal actividade profissional deve ser constante e dentro dessa actividade destacar tarefas profissionais que entende não ser a mesma coisa que actividade profissional para concluir que os atos praticados, sendo tarefas não são actividade profissional e, por isso, não existiu qualquer actividade profissional.

16 – Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal (da norma), intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.

O elemento sistemático “compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o (lugar sistemático) que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.” O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.” In anotação ao artigo 9º do Código Civil anotado de Abílio Neto, página 21, nota 15, 11ª Edição refundida e actualizada, 1997, Ediforum, Edições, Lda. Lisboa.

17 – O sentido atribuído à norma, no douto aresto em análise, não pode afastar-se da razão de ser da própria norma e do seu elemento sistemático, inserida no diploma que regula a atribuição do subsídio de doença, prestação do regime previdencial da segurança social, cuja atribuição depende de requisitos específicos consignados...

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