Acórdão nº 00247/16.8BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução30 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo: I.RELATÓRIO 1.1.

ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público, intentou a presente ação administrativa para o exercício do direito de regresso contra AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente na Av. ...., por meio da qual peticionou a condenação do réu a reembolsar o Autor da importância de €87.482,53, acrescida de juros de mora, enquanto devedor solidário com este.

Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária que correu termos no TAF de Coimbra com o processo n.º 285/10...., sobre a qual recaiu o acórdão proferido pelo TCAN em 24/02/2012, autor e réu foram condenados, a título solidário, no pagamento à sociedade A... Lda., da quantia de €77.374,81, acrescidos de juros de mora, despesas de custas e procuradoria.

A referida condenação teve por base a matéria factual ali provada, de onde resultou que o aqui réu manteve o processo n.º 157/94.... durante 10 anos sem impulso processual, o que configura uma atuação violadora de deveres inerentes às suas funções, de onde resultou a prescrição da pena de prisão de 30 meses, aplicada pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, a um terceiro; Considerou-se no acórdão em causa que o facto ilícito ocorreu, tendo a conduta do ora réu violado normas legais e regulamentares, bem como regras de ordem técnica e de prudência comum que deverão ser tidas em consideração, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 48051, de 21/11/1967, aplicando-se a regra da solidariedade do Estado Português, tendo-se aplicado o disposto nos artigos 2.º, n.º 1 e 2 do referido diploma; O Estado procedeu ao pagamento da quantia de €77.705,51, a título de capital e juros de mora, €408,00 de taxa de justiça e juros de mora, tendo direito ao ressarcimento da quantia de €78.290,59, e da quantia de €597,31 referente a custas de parte, e da quantia de €413,10 correspondente a custas pagas na ação executiva, valores sobre os quais incidem juros de mora; O réu não reembolsou o Estado das referidas importâncias, pelo que estão verificados os pressupostos para o exercício do direito de regresso, isto é, a conduta ilícita do requerido que agiu com diligência e zelo manifestamente inferior àquele a que se achava obrigado em razão do seu cargo.

1.2. Citado, o Réu contestou pugnando pela improcedência da ação, alegando, em síntese, que não obstante a condenação solidária no processo n.º 285/10.... dos ora autor e réu, o Estado Português não tem direito de regresso contra o ora contestado nos termos do regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas porquanto, desde logo, na referida ação não foi apurado o grau de culpa do aqui réu, enquanto funcionário do Estado.

Mais alega que apenas será responsável pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, desde que cometidas com dolo ou diligência e zelo manifestamente inferiores às que se encontrava obrigado em razão do cargo, o que não ficou provado naquela ação, nem o autor nos presentes autos o alega para concretizar a sua causa de pedir.

Invoca que não se mostra provado que o réu tivesse retido o processo em causa pelo prazo de 10 anos, sem impulso ou tramitação.

As razões de facto que estão na base dessa omissão de movimentação do dito processo não constam descritas na decisão do TCA que serve de base à instauração da ação de regresso – ou seja, a causa de pedir do invocado direito de regresso, desconhecendo-se os motivos pelos quais o processo esteve parado durante anos.

Nada consta dos autos que a responsabilidade pela sua movimentação era apenas e só sua.

A ação de regresso não pode proceder contra o ora contestante, por falta de fundamento legal, sob pena de a decisão ser injusta, ilegal e inconstitucional, uma vez que, salvos os casos de responsabilidade objetiva expressamente previstos na lei, o que não é o caso dos autos, ninguém pode ser responsabilizado civilmente sem culpa, ainda que em regresso, que é um dos pressupostos da responsabilidade civil.

Sem apuramento da culpa não estão preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar, sob pena de responsabilização objetiva, ilegal, sendo que a circunstância de o Estado ter pago, em cumprimento de uma decisão judicial que o condenou, a quantia reclamada em que foi condenado, não implica que possa reclamar automaticamente ao ora contestante tudo o que pagou.

Em nenhuma instância foi apurado, com base em factos, o quantum de danos sofridos pelo credor da indemnização, pelo que também por aqui não assiste razão ao Estado no presente pedido de regresso, danos esses que, a existir, e a poderem ser exercitados por via de regresso, apenas se poderiam circunscrever à quantia (originária) do pedido cível deduzida no primitivo processo crime prescrito, no montante de 4.784.500$00 e juros, nada mais, por serem a única quantia objetivamente fixada.

Conclui, pugnando pela improcedência da ação.

1.3. Proferiu-se despacho saneador, no qual se fixou o valor da ação, assim como os temas de prova e o objeto do litígio.

1.4. Foi realizada audiência de discussão e julgamento no cumprimento das formalidades legais, conforme ata a fls. 174 e ss. dos autos.

1.5. Em 29/03/2022 foi proferida sentença, contendo essa sentença o julgamento de facto e de direito, onde se julgou procedente a presente ação, a qual consta da seguinte parte dispositiva: «Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em face de tal, condeno o réu a pagar ao Estado Português, a título de direito de regresso, a quantia de €78.290,59.

Custas pelas partes, em função do decaimento.

Registe e notifique.

1.6. Inconformado com a sentença proferida, o Réu interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes Conclusões: «1.

O presente recurso ordinário de apelação é interposto da douta sentença proferida a 29.03.2022, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra de fls., que julgou a presente ação administrativa parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu a pagar ao Estado Português, a título de direito de regresso, a quantia de €78.290,59 (setenta e oito mil e duzentos e noventa euros e cinquenta e nove cêntimos), cfr., decisão ora recorrida de fls.

  1. O Estado Português visou, com a presente ação administrativa sob o n.º 247/16.8BECBR), exercer o direito de regresso contra o aqui Recorrente, AA, com fundamento, na quase sua totalidade, nos factos dados como provados no Processo n.º 285/10...., no qual foram os aqui Recorrente e Recorrido, condenados solidariamente a indemnizar a, ali Autora, A... Lda., no montante de €77.374,81 (setenta e sete mil e trezentos e setenta e quatro mil euros e oitenta e um cêntimos), acrescido de juros vincendos até integral pagamento, bem como das despesas de custas e procuradoria.

  2. Sucede que, a douta decisão ora recorrida, de fls., prolatada em 29.03.2022, merece a repulsa do Recorrente.

  3. Assim porque, consubstancia uma inexplicável violação da lei substantiva por erro de interpretação e aplicação das normas e princípios de direito material aplicáveis ao caso sub iudice.

  4. Em concreto, o Tribunal recorrido errou na interpretação e aplicação dos pressupostos necessários para o exercício do direito de regresso pelo Estado Português, atendendo à factualidade subjacente ao litígio dada por provada.

  5. A referida ação administrativa sob a forma de processo ordinário n.º 285/10.... fundou-se em responsabilidade civil extracontratual do Estado, cujo regime jurídico, à data da prática dos factos que sustentaram a pretensão da ali Autora, se encontrava previsto no Decreto-Lei n.º 48051, de 21/11/1967.

  6. Como é consabido, em geral, a responsabilidade extracontratual do Estado e das demais entidades públicas pode ser analisada em duas dimensões – na dimensão das relações externas e na dimensão das relações internas –, dimensões estas que são inconfundíveis.

  7. a ação administrativa sob a forma de processo ordinário n.º 285/10.... fundada na responsabilidade civil extracontratual do Estado discutiu-se a dimensão das relações externas.

  8. Já na presente ação administrativa sob o n.º 247/16.8BECBR encontramo-nos no plano das relações internas, estando, aqui, justamente em causa a apreciação da possibilidade de exercício do direito de regresso do Estado Português, aqui Recorrido, contra o seu agente ou funcionário, o aqui Recorrente.

  9. A causa de pedir, tal como o Recorrido a estruturou, assenta na prática de um comportamento omissivo do Recorrente, em síntese, foi dado como provado que: “6. O escrivão de direito AA manteve o processo comum singular n.º 157/94 sem impulso processual até 06/07/2006.” (cfr., ponto C) da matéria de facto provada da decisão ora recorrida de fls., bem assim, ponto 6 da matéria de facto provada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito do Processo n.º 285/10....).

  10. O Tribunal Central Administrativo Norte em sede do processo n.º 285/10.... concluiu pela ilicitude da conduta do Recorrente: “ora, nos presentes autos, resulta provado que existiu a falta de impulso processual durante vários anos e que tal conduta teve consequências ao nível da execução da pena de prisão a que o arguido foi condenado”, pelo que, “em resumo, do juízo a formular sobre os factos provados nos autos resulta a infracção de disposições legais ou regulamentares. Pelo que se considera verificada a ilicitude da conduta praticada”. (cfr., ponto B) da matéria de facto dada por provada na decisão ora recorrida de fls.).

  11. Já, a propósito do juízo de culpa, o Tribunal recorrido limita-se, em sede de matéria de facto dada como provada, a reproduzir a fundamentação de direito do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito do Processo n.º 285/10...., acabando por concluir, em sede de fundamentação da decisão que: “(...) a decisão transitada em julgado e proferida no processo n.º 285/10...

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