Acórdão nº 01860/16.9BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução15 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO J. M. F. M., residente na Rua (…), instaurou acção administrativa contra A. N- A E . N, S.A., com sede no (…), com vista à condenação no pagamento da quantia de € 6.295,00 (seis mil e duzentos e noventa e cinco euros), acrescida dos respectivos juros de mora contados desde a citação e até integral pagamento, a título de indemnização, pelos danos patrimoniais [tidos com a reparação e paralisação do veículo automóvel, matrícula XX-NN-XX, sua propriedade] e não patrimoniais por si sofridos, em virtude do sinistro rodoviário ocorrido, na AXX, ao km 34,675, no sentido G.../B..., atento o embate do veículo num canídeo [acompanhado por dois outros canídeos] que se atravessou na faixa de rodagem por onde circulava.

Na acção figura, na qualidade de Interveniente Processual, a chamada S. U., S.A., com sede na Avenida (…).

Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada parcialmente procedente a acção e condenada a Ré a pagar ao Autor a soma de € 3.195,00 (três mil e cento e noventa e cinco euros), acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Desta vem recorrer a Ré.

Alegando, formulou as seguintes conclusões: I. Podendo aceitar-se (em tese, pelo menos) que o acidente dos autos, tal como decidido no ponto 4. dos factos provados, aconteceu ao Km 34,675 da AXX, sentido G… – B…, importa, no entanto, recordar que não é essa a conclusão que a alegação e/ou a respectiva prova (baseada quase exclusivamente nas suas declarações de parte transcritas, em grande medida, no corpo destas alegações) do A. permite que se extraia, atendendo a que, quer uma, quer a outra, situam o local do sinistro num outro ponto daquela auto-estrada; II. Acresce, aliás, que não foi avistado nenhum animal (vivo ou morto – e segundo o A. seriam três os animais) no local onde o A., na sua p. i. e nas suas declarações de parte, situa o sinistro e mesmo naquele outro ponto referido no nº 4. dos factos provados apenas foi avistado um animal morto (nem sinal, portanto, dos outros dois animais que terão ficado vivos, segundo o A.); III. Dúvidas já não existem que o A., por sua própria opção, decidiu abandonar o local onde terá eclodido o sinistro e prosseguiu a marcha do veículo até à barreira de portagem de Figueiredo, situada, não a 2 Km ou a menos de 2 Km daquele local, como alegado e declarado pelo A., mas, isso sim, a não menos de 3,5 Km daquela barreira de portagem e, de resto, antes (e não depois) de um viaduto, considerando o sentido de marcha relevante (G... – B...); IV. Ora, a apreciação e subsequente valorização das declarações de parte (como dito, a “fonte” em exclusivo - ou praticamente - da prova do A. sobre a dinâmica do acidente e, em especial, sobre a localização deste), devendo ser feita com base no princípio da livre apreciação da prova, deve, no entanto, ser feita com alguma (para não dizer muita) cautela e até cuidado, pois que não é razoavelmente expectável (seja quando à velocidade praticada, seja p. ex. quanto à atenção e cautela emprestada à condução, sendo que relativamente a estes últimos factos é até de assinalar a curiosidade de ninguém, nem mesmo o declarante de parte, sequer ter aludido a eles, mas que, ainda assim, o tribunal a quo deu como provados) que o declarante de parte declare algo contrário aos seus interesses (assim, p. ex., o ac. da RP de 10.09.2015 – ao que se pensa, não publicado – e o ac. – este publicado – da mesma RP, datado de 20.06.2016, relatado por Manuel Domingos Fernandes); V. Para além disso, e no que toca à identificação do local de deflagração do sinistro, é também de assinalar que o tribunal a quo passou adiante da manifesta divergência entre o alegado e o declarado, enquanto parte, pelo A., por um lado, e aquilo que, por outro, a recolha de um animal na AXX permite concluir quanto a essa localização, devendo/podendo, aliás, concluir-se que “deu o salto” em termos de raciocínio/decisão de um local para o outro sem que se saiba como e porquê, ademais de se divisar inclusivamente a curiosidade de uma clara e insanável contradição entre os pontos 4. e 7. dos factos provados a este respeito (dito de outra maneira: não é possível que o local do sinistro se situe simultaneamente ao Km 34,675 da AXX e “(…) a menos de 2 Kms da barreira de portagem mais próxima”).

Dito isto, VI. Não obstante o que se disse antes e particularmente na conclusão I., a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho é inaplicável in casu, porquanto só assim poderia acontecer se a autoridade policial tivesse (obrigatoriamente, como diz a lei) verificado no local as causas do acidente, i. e.

, o nº 1 do artigo 12º daquela Lei só consente a sua aplicação se a “condição” prevista no nº 2 – “Para efeitos do disposto no número anterior (…)” for observada. E não foi, como bem se sabe, embora por opção do A. que – diz o artigo 6º do C. C. – não pode invocar em seu benefício o desconhecimento da lei; VII. Importa dizer que o objectivo que ressalta deste nº 2 não é, na nossa perspectiva, o de limitar ou de impedir a prova do utente e/ou de substituir a decisão dos tribunais por aquela das autoridades policiais no local, mas é, isso sim (e seguramente visando nomeadamente prevenir situações de fraude), o de garantir às concessionárias algum equilíbrio com os utentes em matéria de fardo probatório (cfr. ac. da Relação de Coimbra de 09.03.2010 e ac. da Relação do Porto de 15.12.2010); VIII. Está assim – e também por esse motivo - irremediavelmente afastada a hipótese de aplicação do artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho ao sinistro dos autos, devendo, por isso, e tal como resulta expressa e inequivocamente da Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho, ser este sinistro enquadrado no único âmbito possível da responsabilidade extracontratual; IX. Por isso, vale neste caso tanto o princípio basilar da responsabilidade civil extracontratual (Cód. Civil, artigo 483º nº 1), como o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 487º do Cód. Civil, sendo que a aplicação deste último artigo (e concretamente do seu nº 1) não está de modo algum excluída, uma vez que não havia (ou há) presunção legal de culpa a impender sobre a concessionária; X. Pelo que incumbia ao A., nos termos previstos nos artigos 342º, 483º e 487º do Cód. Civil (e também de harmonia com a citada Base LXXIII), fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito e bem assim a prova da eventual culpa da R., de modo que só devia lograr obter a condenação desta R. se tivesse alegado e provado que as vedações da auto-estrada se apresentavam com deficiências e que o animal tinha ingressado na via mercê dessas deficiências ou então, e pelo menos, que a R./recorrente sabia da existência de um animal nas vias e nada fez para o remover e/ou sinalizar; XI. Assim, sendo patente que o A. não logrou provar nada disso (e que nem sequer alegou qualquer facto a isso respeitante), impunha-se a absolvição da recorrente que, por seu turno, fez a prova do contrário (que não no sentido usado na sentença que, nesse particular, não faz sentido) relativamente ao (bom) estado da vedação.

Segue-se que XII. Mesmo que assim não se entenda, cabe dizer que é verdade que com o advento da referida Lei se procedeu a uma inversão do ónus da prova (que não da ausência de culpa, mas apenas do cumprimento das obrigações de segurança) que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora – insista-se – sempre filiado na responsabilidade extracontratual; XIII. Todavia, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos nº s. 1 e 2 do artigo daquela lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projecto de lei nº 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de culpa em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redacção do citado artigo 12º nº 1 seria seguramente outra, bem diferente e certamente bem mais próxima daquela constante do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil; XIV. Efectivamente, e quanto à dita presunção de culpa, nem tal decorre da referida lei, nem tal resulta do mencionado DL nº 248-A/99, de 6 de Julho (na redacção aplicável), concluindo-se tão-só que com a entrada em vigor da lei citada passou a impender um ónus de prova (com aquelas características) sobre as concessionárias de auto-estradas (e nada mais que isso). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer (quis) consagrar uma presunção legal de culpa (cfr. Cód. Civil, artigo 344º nº 1); XV. Por outro lado, sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a patrulhar a auto-estrada, assim envidando os seus melhores esforços no sentido de assegurar a circulação na auto-estrada em boas condições de segurança e comodidade, daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como – é claríssimo - considerou a douta sentença (quando se refere, criticamente, como bem se percebe, ao facto de a passagem da patrulha naquele local pela última vez ter acontecido “cerca de quase três horas” antes do sucedido, esquecendo designadamente aquilo que considerou provado no ponto 15. dos factos provados), mormente nos locais de eclosão de acidentes ou onde possam estar a deambular animais; XVI. De recordar, neste passo, que a formulação do artigo 12º nº 1 da citada lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a recorrente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança; XVII. Ora, no caso dos autos é nítido e indiscutível que a R. satisfez o ónus que lhe competia, i. e.

, demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação e à vigilância da via no local de eclosão do sinistro; XVIII. Com efeito, a definição destas...

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