Acórdão nº 00700/11.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelAna Patrocínio
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em 31/05/2019, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por F…, Lda.

, pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (…), contra as liquidações de retenção na fonte de IRS, e respectivos juros compensatórios, dos anos de 2007, 2008 e 2009, no valor de € 107.105,83.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “1 – A Mma. Juíza do Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, nos autos acima identificados, em primeiro lugar, por ter considerado que não existem fundamentos para a aplicação da presunção de adiantamento por conta de lucros, a que alude o art.º 6.º, n.º 4 do Código do IRS, por resultar da prova documental e testemunhal produzida, que a contabilização dos movimentos de regularização dos saldos das contas de disponibilidades, foi levada a cabo na conta do Plano Oficial de Contabilidade ( POC) 26820 intitulada Dr. F. G.

, a qual não era uma conta de sócios, pois estas no âmbito de aplicação desse POC correspondiam à conta 25.

2-Face a tal não contabilização em conta de sócios, entendeu, em seguida, a Mma. Juíza que: ”(…) cabia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (conforme artigo 74.º, n.º 1, da LGT), coligindo e invocando factos índice passíveis de conduzirem ao enquadramento dos valores identificados como rendimentos da categoria E, colocados à disposição do sócio da Impugnante, nos termos previstos no artigo 5.º, n.os 1 e 2, alínea h) do CIRS.” 3-Após citar o acórdão do TCA Norte de 08/03/2018, proferido no P.º 00865/13.6BEPRT, concluiu: “No caso dos autos, não obstante se encontrar externada na decisão em crise a verificação de “transferências bancárias, de periodicidade mensal, para duas contas abertas (…) em nome do sócio gerente”, ficou por demonstrar que tais transferências visavam fundos próprios da sociedade Impugnante, gerados em resultados.

Com efeito, mais refere a decisão em causa terem-se verificado “entradas de fluxos a título de empréstimos de curto prazo, sem que a sociedade tenha realizado investimentos nem a ocorrência de situações deficitárias de tesouraria que justificassem o recurso ao crédito”, concluindo que “a situação de endividamento se devia apenas (…) às retiradas monetárias, pagamentos de despesas da esfera pessoal e outros levantamentos efectuados pelo sócio-gerente” (sublinhado nosso).

Ora, as considerações acabadas de aduzir não permitem concluir, de forma suficientemente consistente, pela invocada transferência de “fundos próprios”, “gerados em resultados”, da sociedade para o seu sócio-gerente, do que decorre que a qualificação como adiantamento por conta dos lucros das aludidas transferências, “in casu”, não se pode manter.” 4-Com todo o respeito pela douta decisão “a quo” e reconhecendo a profunda análise efectuada pela Mma. Juíza, entende esta Representação da Fazenda que existiu erro na apreciação da prova que conduziu à decisão por tal procedência, fundada no entendimento da inexistência de factos-índice, que conduzam ao enquadramento dos valores identificados como rendimentos da categoria E, colocados à disposição do sócio da Impugnante, nos termos previstos no artigo 5.º, n.º 1 e 2, alínea h) do CIRS.

5-Com efeito, é entendimento desta RFP que existem factos provados, constantes do Relatório de Inspecção e da decisão da Reclamação Graciosa, que permitem concluir de forma suficientemente consistente pela transferência de fundos próprios, gerados em resultados, da sociedade para o sócio-gerente, aceitando o entendimento explanado na douta jurisprudência citada.

  1. -Em primeiro lugar, não é de exigir que exista um adiantamento sobre lucros em termos formais, com recurso ao disposto no art.º 297.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), desde que materialmente esteja demonstrada essa saída de fluxos financeiros, como entendemos suceder na situação concreta.

    7-Sendo que no Acórdão do TCA Norte, de 08/03/2018, proferido no P.º 00865/13.6BEPRT, citado pela Mma. Juíza, também é referido: “Segundo a AT, existiam indícios concretos e suficientes para considerar a retirada daquela quantia como adiantamento por conta de lucros e, consequentemente, como rendimentos de capitais, da categoria E, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alínea h) do CIRS, sujeitos a tributação.

    Em tal situação, a norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS não exige a escrituração formal dessa realidade como pressuposto de incidência, mesmo porque “deixar ao critério do sujeito passivo a “classificação” como adiantamento por conta de lucros, de realidades da vida corrente das sociedades comerciais, que constituem verdadeiros desvios de fundos em proveito dos sócios, seria frustrar o interesse público do Estado na arrecadação de impostos e no combate à fraude e evasão fiscais e permitir que ficassem por tributar verdadeiros incrementos patrimoniais dos sócios”.

    É comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Porém, o mesmo não acontece quando uma parte do património das sociedades é afectado ou onerado, por contrapartida da transferência duma parte deste, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica de um associado ou titular, sem que às mesmas operações lhes sejam dados os qualificativos de "lucros distribuídos" ou "adiantamentos por conta dos lucros". Tal situação ocorre quando os montantes, que deviam ter sido reconhecidos como proveitos das sociedades, acabam por não ser registados nas contabilidades destas e vão acrescer ao património individual dos respectivos associados ou titulares e, ainda, quando o registo, apesar de efectuado na contabilidade da sociedade, não foi relevado numa conta de proveitos, mas sim numa qualquer conta de passivo que confira ao associado ou titular o direito de, como qualquer normal credor, vir a exercer a respectiva exigibilidade - vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27/01/2009, proferido no âmbito do processo n.º 02479/08.” 8-Ora, esses indícios concretos e suficientes, estão presentes no caso concreto, sendo que, parte das saídas nem sequer se encontram contabilizadas, correspondendo a parte das transferências para as contas bancárias do sócio gerente, mas que se encontram reflectidas nos extractos bancários em arquivo documental, não estando a origem do fluxo de tais quantias para o sócio-gerente expressa na contabilidade, sendo o seu valor de € 101,100,00 em 2007 (cfr. Anexo 21 ao relatório de Inspecção, a fls. 381 a 416 do Processo Administrativo-PA) e € 66.450,00 em 2008 (cfr. Anexo 22 ao relatório de Inspecção, a fls. 417 457 do PA).

    9-Bem como, que a errada contabilização dos restantes montantes em causa numa conta 26 (e na conta correspondente do SNC), ao invés de uma conta 25, não pode legitimar a não tributação, por a contabilidade não reflectir a realidade material dos exercícios do sujeito passivo.

    10-Há, desde logo, uma diferença na ordem dos € 221.254,84 (duzentos e vinte e um mil duzentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos) entre o montante saído da sociedade para o sócio gerente Dr. F. G.

    , nos exercícios de 2007, 2008 e 2009, no valor 495.004,84 (quatrocentos e noventa e cinco mil e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos) e os empréstimos de curto prazo contraídos pela impugnante, no mesmo espaço temporal, no valor de € 273.750,00 duzentos e setenta e três mil e setecentos e cinquenta euros), pelo que tal diferença nunca poderia provir dos empréstimos à sociedade, não estando a origem de tal quantia expressa na contabilidade.

    11-Por outro lado, e salvo melhor entendimento, a existência dos empréstimos de curto prazo contraídos pela sociedade, demonstram pelo contrário a retirada de montantes com a natureza de adiantamento por conta de lucros, pois nenhumas razões de tesouraria justificam recorrer ao mútuo desses montantes, resultando o recurso a tal, da retirada prévia de lucros pelo seu sócio-gerente e não a uma eventual “intermediação” dessa sociedade.

    12-A qual se concretizou, como é detalhadamente descrito no Relatório de Inspecção e na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, em transferências bancárias mensais de quantias da sociedade, para as contas bancárias do sócio-gerente e em valores contabilizados na conta corrente do sócio (26802-Dr. F.

    G.

    ), resultantes de regularizações dos saldos de disponibilidades, nos anos de 2007, 2008 e 2009.

    13-Sendo que se encontra demonstrada no Relatório de Inspecção a existência de lucros nos exercícios de 2007 e 2008, mesmo antes das correcções em sede de IRC levadas a cabo na acção inspectiva, no montante de € 55.194,43 em 2007 (€ 108.897,71 após as correcções) e €30.787,79 em 2008 (€ 89.643,46 após as correcções).

    14-Aceita-se que, tal como defendido no Acórdão e na douta sentença “a quo”, que o ónus de alegar e provar factos índice de onde se possa extrair a conclusão de que foram postos à disposição do sócio-gerente, proveitos auferidos pela recorrida, era da AT, mas tal ónus, salvo melhor entendimento encontra-se cumprido, face ao supra exposto.

    15-Tanto mais que, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 5.º do CIRS: “Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos gastos e rendimentos dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.”...

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