Acórdão nº 03509/10.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução18 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO U.M, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF do Porto], de 05.03.2014, proferido no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por J.A.D.R.L.

, também com os sinais dos autos, que indeferiu a Reclamação para a Conferência da sentença, datada de 20.03.2012, que julgou procedente a presente ação, e, consequentemente, anulou o despacho do Reitor da U.M de 27.08.2010, que, aderindo à deliberação do Conselho Cientifico da Escola de Engenharia da U.M de 07.07.2010, aprovou a cessação do contrato celebrado com o Autor, aqui Recorrido.

Em alegações, a Recorrente formulou as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) A.

A Recorrente considera que o Tribunal a quo não fez uma correta interpretação e aplicação do direito, não enfermando o ato em crise de qualquer das ilegalidades assacadas.

B.

O art° 6º do Decreto-Lei n° 205/2009, de 31 de agosto, estabeleceu o regime de transição dos professores associados, prevendo no n° 5 que “os professores catedráticos e associados a que se refere o n° 2 podem optar pela duração do período experimental prevista no n° 2 do artigo 19° do Estatuto, na redação dada pelo presente decreto-lei”.

C.

O Recorrido optou pelo período experimental de um ano, facto que comunicou ao então Reitor da Recorrente.

D.

Findo aquele período, a conversão do seu contrato em contrato por tempo indeterminado, em regime de tenure, dependia da avaliação específica da atividade desenvolvida durante aquele período, de acordo com os critérios fixados pelo órgão legal e estatutariamente competente da instituição de ensino superior (artº. 19º. nº 3, ECDU).

E.

Àquele data, e à semelhança das demais instituições de ensino superior públicas, a U.M não havia, ainda, fixado os referidos critérios.

F.

Estávamos perante um vazio jurídico que importava preencher pelo que o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), por via da Recomendação n° 4/2009, deliberou que “(...) 2º - Os processos de nomeação definitiva já em curso à data da entrada em vigor do ECDU devem ser concluídos à luz da redação anterior do ECDU”.

G.

Esta situação convoca a problemática da sucessão de leis e aplicação das leis no tempo sendo que, segundo o Professor Baptista Machado, a entrada em vigor de uma lei nova ou até de um sistema jurídico inteiramente novo não provoca um corte radical na continuidade da vida social.

H.

No caso dos autos, legitimado pela deliberação do CRUP, o Reitor da Recorrente, através do Despacho RT n° 105/2009, de 31 de dezembro de 2009, recorrendo-se dos critérios de avaliação contidos no art.° 20° do anterior regime do ECDU, aplicáveis aos processos de nomeação de professores em curso pôde, transitoriamente, ultrapassar a alegada falta de regulamentação.

I.

Esta decisão, contrariamente ao decidido no Acórdão recorrido, de modo algum violou “frontalmente o art° 19°, n° 3 do ECDU”.

J.

A solução adotada, balizada pelo entendimento do CRUP, e à qual as Universidades aderiram na generalidade, era a única possível atenta a falta de regulamentação de critérios, motivo pelo qual se impunha o recurso ao art° 20° da anterior redação do ECDU.

K.

O mencionado artigo estabelecia que “até noventa dias antes do termo dos períodos referidos...os professores catedráticos e associados deverão apresentar ao conselho cientifico da sua escola um relatório pormenorizado da atividade pedagógica e cientifica que hajam desenvolvido nesse período...”.(sombreado nosso) L.

Apesar das várias interpelações, o Recorrido nunca entregou o sobredito relatório, impossibilitando o Conselho Científico de proceder à sua análise pelo que, à falta de objeto de apreciação, aquele órgão só poderia propor a caducidade do contrato do Recorrido.

M.

Não era de todo irrelevante a falta de apresentação do relatório da atividade científica e pedagógica.

N.

E, tendo em conta a natureza das funções do docente universitário, enunciadas no art° 4o e ss. do ECDU (regime vigente), bom de ver é que os critérios adotados, e que constavam do anterior regime, em tudo se aproximam daqueles que o art° 19° do atual regime manda fixar.

O.

Quaisquer critérios de avaliação a adotar pelo Conselho Científico sempre reconduziriam à análise de atividade pedagógica e científica do docente, bem como quaisquer outros elementos relevantes para apreciação do relatório curricular (conforme, aliás, já dispunha o artº 20º do anterior ECDU).  P.

Na prática, o Conselho Científico tanto podia aplicar os critérios do regime anterior como quaisquer outros que viesse a adotar - mister era que pudesse avaliar, situação que, como se viu, o Recorrido não permitiu.

Q.

Não acompanhamos o Acórdão na parte em que refere que às regras do período experimental seria “exclusivamente aplicável o disposto no presente Estatuto”.

R.

O art° 22°, n° 1, do ECDU, na redação atual, estabelece que “aos períodos experimentais previstos nos contratos dos professores catedráticos, associados e auxiliares é exclusivamente aplicável o disposto no presente Estatuto”.

S.

Porém, a intenção do legislador foi, tão só, acautelar a natureza especial do regime da carreira docente universitária afastando-o, relativamente ao período experimental, do regime geral previsto no art° 20° e ss. da Lei n° 12-A/2008, de 27 de fevereiro, o que se compreende atenta a natureza especial da carreira docente universitária.

T.

A situação dos autos transpôs uma realidade transitória, em que ainda não haviam sido fixados os critérios a que se refere o art° 22° do atual regime jurídico da carreira docente universitária.

U.

Impunha-se chamar à colação as normas previstas no anterior regime ou, até, outros critérios que o Conselho Científico pudesse adotar, assim ultrapassando uma situação de vazio jurídico.

V.

O ato do Reitor da Recorrente também não enferma de vício de anulabilidade, por preterição de audiência dos interessados.

W.

Apesar das várias notificações, efetuadas por vários meios, o processo arrastou-se até ao dia 14 de setembro de 2010, sendo certo que o Recorrido foi efetivamente notificado em 16 de julho, e não apenas em setembro, como vem aventado no Acórdão.

X.

“A lei não condiciona a perfeição da notificação ao efetivo recebimento pelo destinatário da correspondência, exigindo apenas que esta seja corretamente expedida para o respetivo domicílio. Compreende-se esta opção legislativa, pois seria excessiva a proteção dos interesses particulares em detrimento do interesse público, se a realização deste ficasse dependente das variadíssimas circunstâncias da vida pessoal de cada um dos interessados, mesmo que legítimas, sem falar na dificuldade de fiscalização de eventuais abusos meramente dilatórios. E naturalmente, salvo norma especial que no caso não existe, continua a impender sobre cada cidadão que parte de férias o ónus de gerir a sua casa e respetiva caixa de correio” (Ac. TCA-Sul, in Proc. 10304/00, de 22/0G/2D05).

Y.

Ainda que assim não se considere, o que só por mera hipótese se admite, e sem prejuízo da validade do ato que aqui pugnamos, cremos que o ato em apreço poderá não ser anulável com base na teoria da “desvalorização do vício formal”, por entendermos que o ato praticado foi o ato devido em face da disciplina aplicável, não podendo ter conteúdo e sentido diverso, vigorando aqui o princípio do aproveitamento do ato.

Z.

O princípio do aproveitamento do ato prescreve que não se justifica anular um ato, mesmo que ele enferme de vício de violação de lei ou de forma, sempre que estando em causa um comportamento vinculado, o ato que haja de se proferir não possa ter outro conteúdo senão aquele que lhe foi dado.

AA. “Em certos casos a lei dispensa o seu cumprimento e, noutros, a mesma pode degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, ser omitida sem que dai resulte ilegalidade determinante da anulação do ato”.

“O cumprimento do disposto no art° 100° do CPA constitui assim, uma importante garantia de defesa dos direitos do administrado pelo que é considerada uma formalidade essencial. Todavia, e apesar disso, a mesma não deixa de ser uma formalidade instrumental que, em certos casos, pode degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, ser omitida sem que dai resulte ilegalidade invalidante." BB.

Tal acontecerá nos casos em que, estando em causa uma atividade vinculada, a Administração concluiu que a decisão administrativa não poderá ser outra senão aquela que projeta tomar (vd. Acórdão STA de 2B/0B/97. Rec. 39792).

CC. “'Efetivamente, a natureza do vício verificado, e considerando que a preterição de formalidades essenciais pode ser objeto de desvalorização, importa verificar se a verificação do mesmo deve conduzir à anulação do ato recorrido. A desvalorização dos vícios de forma pode ocorrer por uma de duas vias, a saber, a degradação de formalidades essenciais em não essenciais e a desvalorização dos vícios formais, sendo que a degradação apenas se verifica nos casos em que se demonstra que a finalidade exigida com a formalidade preterida foi alcançada; no segundo caso, a desvalorização do vício formal apenas pode ocorrer em casos em que o ato que foi praticado foi o ato devido em face da disciplina aplicável, não podendo ter conteúdo e sentido diverso, vigorando o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, nesse caso." (Ac. STA, in Processo 0787/10, de 0B/D9/2DII).

DD.

Perante a ausência de relatório de atividades, a cuja entrega o Recorrido se encontrava obrigado, não restava outra solução ao Conselho Científico que não fosse propor a não manutenção do contrato de trabalho em funções públicas.

EE.

Caso venha a verificar-se que o ato recorrido não foi precedido de audiência dos interessados, entendimento que não acompanhamos, sempre se deverá concluir pela desvalorização do vício respetivo nos termos supra...

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