Acórdão nº 00235/13.6BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelJoão Beato Oliveira Sousa
Data da Resolução15 de Março de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:*RELATÓRIO «UM – Engenharia e Construção, Lda», na qualidade de chefe do Consórcio “CPC & Filhos, Lda/UM – Engenharia e Construção, L.da”, veio interpor recurso da sentença proferida na acção administrativa comum sob a forma ordinária, contra «Centro Social PEBS, IPSS», mediante a qual o TAF de Viseu decidiu: «a) Indeferir o requerido incidente de intervenção principal provada da chamada “CPC & Filhos, L.da”; e, consequentemente, b) Julgar a presente acção improcedente, absolvendo-se o réu do pedido ou pedidos contra si formulados pela autora.»*Conclusões da Recorrente: 1. A autora, ora recorrente, UM-Engenharia e Construção, Lda., por si e em representação do Consórcio CPC & Filhos, Lda/ UM- Engenharia e Construção, Lda, instaurou contra o réu, Centro Social PEBS, IPSS, ação administrativa comum com vista ao pagamento de diversos valores que considera devidos.

  1. Tal pedido fundou-se no incumprimento pelo réu do contrato de empreitada de construção de uma creche, lar de idosos e serviço de apoio domiciliário, adjudicada pelo réu à recorrente em consórcio externo com a sociedade CPC & Filhos, Lda.

  2. A direção administrativa e jurídica do referido consórcio, de acordo com a cláusula 6.ª do referido contrato de consórcio, foi atribuída à autora, na qualidade de chefe do consórcio.

  3. O réu, a partir de dado momento, deixou de proceder ao pagamento de valores constantes de faturas referentes a trabalhos realizados pela recorrente.

  4. Sucedendo que a cinco de Setembro de 2011, o réu comunicou à autora a “rescisão” do contrato de empreitada e a aplicação de penalidades.

  5. A autora não aceitou, tendo solicitado a realização de uma reunião com o réu, durante a qual tomou conhecimento de descontos indevidamente efetuados pelo réu aos valores de faturas respeitantes a trabalhos realizados a pedido mesmo.

  6. Considerando que o réu “rescindiu” o contrato sem justa causa, a recorrente peticiona o pagamento de uma indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes.

  7. Ao que acrescem danos emergentes resultantes da perda de cota de mercado e impossibilidade de assumir compromissos decorrentes da situação financeira originada pelo não cumprimento do réu das obrigações que lhe incumbiam.

  8. Bem como o montante dos trabalhos contratados e trabalhos a mais realizados.

  9. Acrescendo ainda o valor das garantias inicialmente prestado e o valor posteriormente retido pelo réu.

  10. Pedido a condenação do réu no pagamento do montante total de 1.356.939,23 €.

  11. O réu apresentou contestação, alegando exceção de pretensa ilegitimidade processual da recorrente, constituindo a referida exceção a questão principal da decisão ora recorrida.

  12. A recorrente replicou às exceções deduzidas na contestação, pedindo a sua improcedência, referindo, em particular quanto à exceção de ilegitimidade que havia instaurado a presente ação por si e na qualidade de chefe do consórcio.

  13. Acrescentando que do contrato de consórcio decorre a atribuição, pela cláusula 6.ª do mesmo, à recorrente, da direção jurídica e administrativa do consórcio, entendendo-se essa direção jurídica como poder para representar as consorciadas em juízo e fora dele.

  14. E requerendo, não obstante, no caso de se entender que a autora não poderia intentar ação desacompanhada da outra consorciada, a intervenção principal da consorciada CPC e Filhos, Lda.

  15. Em face dos referidos articulados, foi proferida a sentença ora recorrida, julgando verificada a exceção dilatória da ilegitimidade da autora, considerando-se a mesma insuprível e julgando-se verificada a falta de interesse em agir da autora, e indeferindo o pedido de intervenção principal provocada da CPC & Filhos, Lda., julgando-se a ação improcedente e o réu absolvido do pedido.

  16. A recorrente não se conforma com a decisão proferida, daí o presente recurso.

  17. A sentença recorrida fundamentou a apreciação da legitimidade da autora no entendimento de que o consórcio externo constituído entre a recorrente e a chamada constitui uma entidade distinta e autónoma no contrato em causa, não sendo o mesmo divisível em duas partes sob pena de perda da respetiva identidade, entendendo o mesmo como pessoa jurídica distinta das sociedades associadas, donde decorreria a natureza incindível da titularidade dos direitos emergentes do referido contrato.

  18. Todavia, a recorrente não se conforma com tal fundamentação.

  19. A recorrente instaurou a presente ação «por si e na qualidade de chefe do consórcio».

  20. A recorrente fundamenta o seu direito de ação na qualidade de Chefe do Consórcio, por referência ao contrato celebrado com a chamada e por si, ou seja, numa posição jurídica própria que lhe advém de direitos que apenas à mesma dizem respeito e danos causados apenas a ela.

  21. Porém, a sentença recorrida atende tão só ao facto de a recorrente ter instaurado a ação só por si.

  22. Desconsiderando que a autora expressamente refere a sua qualidade de Chefe do Consórcio, que resulta da cláusula 6.ª do contrato de consórcio, que atribuiu à recorrente «a direção administrativa e jurídica do Consórcio».

  23. Tal expressão mandata direta e especialmente a recorrente para resolver, nomeadamente através da propositura de ações, em representação do consórcio, quaisquer diferendos jurídicos que resultem da execução do contrato de empreitada celebrado o réu.

  24. A referida cláusula 6.ª constitui uma atribuição especial de poderes representativos externos à recorrente.

  25. Ao intentar a ação na qualidade de Chefe do Consórcio, a autora exerceu poderes em nome e no interesse de todos os consorciados.

  26. Sendo manifestamente incorreta a afirmação da sentença decorrida de que a autora exerce direitos «apenas por si e para si».

  27. A qualidade de chefe do consórcio da recorrente não é em ponto algum analisada pela sentença recorrida, pese embora se afigure essencial à decisão quanto à exceção de ilegitimidade.

  28. O M. Juiz do Tribunal recorrido não apreciou questões que devia apreciar.

  29. Donde se conclui que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável através do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  30. Sem prejuízo de se considerar que a recorrente tem legitimidade ativa porque representa o consórcio, tem legitimidade para intentar a ação por si.

  31. Uma vez que, ao contrário do que refere a sentença recorrida, o consórcio não é uma identidade mas um mero tipo contratual.

  32. O consórcio não tem personalidade jurídica e personalidade judiciária e não pode por si estabelecer relações com terceiros.

  33. Não ocorre qualquer perda de identidade do consórcio pelo facto de a recorrente instaurar a presente ação por si.

  34. Porquanto e por uma lado, os poderes que lhe foram contratualmente conferidos compreendem a instauração de ações.

  35. E, por outro lado, a presente ação emerge de factos que respeitam apenas à mesma.

  36. Dado que os créditos cujo pagamento é exigido respeitam a trabalhos realizados apenas pela recorrente.

  37. A divisão dos trabalhos a realizar foi contratualmente estabelecida entre as consorciadas, nas cláusulas 9.º e 10.º do contrato de consórcio.

  38. O incumprimento imputável ao réu da obrigação de pagamento causou prejuízos que afetaram apenas a recorrente e cujos efeitos apenas a mesma suportou.

  39. Impossibilitando-a de cumprir as suas obrigações para com os seus credores e causando situação de iliquidez e de impossibilidade da mesma solver compromissos perante autoridades tributárias, segurança social e outros credores.

  40. Inabilitando-a para concorrer a quaisquer obras públicas e particulares e levando à instauração de processos por falta de pagamento de IVA, e à instauração de processos injuntivos, executivos, laborais e de insolvência contra a recorrente.

  41. Não se concebendo que a recorrente não possa exigir judicialmente o ressarcimento de prejuízos que apenas ela sofreu e dos quais é credora exclusiva.

  42. O direito ao ressarcimento de prejuízos causados em esfera distinta das empresas consorciadas enquanto tal radica exclusivamente no lesado, no caso a autora, contrariamente ao que refere a sentença recorrida.

  43. Não se verifica qualquer ilegitimidade da recorrente para intentar a ação em causa.

  44. O Tribunal recorrido considera a recorrente carente de direito substantivo, que deveria radicar exclusivamente no consórcio, enquanto entidade autónoma e distinta das consorciadas, concluindo que não poderia a mesma reclamar judicialmente a totalidade ou até uma quota dos direitos resultantes do contrato celebrado pelo consórcio.

  45. Por conseguinte, por falta de direito, inexistiria interesse processual da recorrente em demandar.

  46. Todavia, a recorrente não se conforma com tal entendimento.

  47. Porquanto o consórcio não constitui qualquer entidade jurídica distinta das empresas consorciadas.

  48. Sendo que compete às empresas consorciadas, nomeadamente ao Chefe do Consórcio com poderes para tal, a reclamação de quaisquer direitos que resultem das atividades do consórcio.

  49. E a este título, a recorrente tinha legitimidade para agir em representação do consórcio na qualidade de Chefe do mesmo e com base nos poderes que lhe foram contratualmente conferidos.

  50. Ao que acresce que do incumprimento imputável ao réu resultaram prejuízos para a autora que transcendem a esfera do consórcio e apenas dizem respeito à autora, por si só.

  51. Que se materializaram na falta de recebimento dos trabalhos executados, medidos e faturados pela recorrente, na insolvência eminente e na total perda de sustentabilidade financeira e de quota de mercado da recorrente.

  52. Segundo o artigo 30.º, n.º 1 do Código de Processo Civil vigente, o autor é parte legítima quanto tem interesse direto em demandar.

  53. Tal consiste no interesse em recorrer ao processo e em exigir a tutela de posições jurídicas subjetivas.

  54. Numa ação de condenação ao pagamento de trabalhos executados e faturados, indemnizações...

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