Acórdão nº 00222/17BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução15 de Março de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: APS veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 09.07.2018, pelo qual foi julgada totalmente improcedente a acção que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial para anulação da decisão do Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital do Porto, que indeferiu o requerimento para pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho apresentado pelo Autor, pedindo este que tal decisão seja substituída por outra que aprecie o requerimento apresentado, reconhecendo a final o direito ao pagamento dos créditos salariais em dívida através do FGS e ordene o pagamento.

*Invocou para tanto, em síntese, que o tribunal a quo aplicou retroactivamente o Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, em violação do artigo 12º do Código Civil e que se verificaram duas causas de interrupção da prescrição dos créditos laborais peticionados pelo Autor, dois processos especiais de revitalização e o processo de insolvência.

*O Fundo de Garantia Salarial não contra-alegou.

*O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1.) Nos presentes autos, coloca-se a questão de saber se o requerimento apresentado pelo Apelante à Apelada, solicitando o pagamento dos seus créditos salariais, através do Fundo de Garantia Salarial, foi ou não apresentado tempestivamente considerando que o seu contrato de trabalho cessou em 17.02.2014, altura em que vigorava a Lei n.º 35/2004, de 29.07, e o requerimento foi apresentado em 26.08.2016, já na vigência do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, que veio fixar o prazo de um ano para esta apresentação.

  1. ) A decisão recorrida, ao considerar aplicável o regime do Fundo de Garantia Salarial previsto no Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, viola as regras de aplicação das leis no tempo estabelecidas no artigo 12.º do Código Civil.

  2. ) Nos termos do artigo 12.º do Código Civil, ao requerimento apresentado pelo Apelante deve ser aplicado o regime de acesso ao Fundo de Garantia Salarial aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29.07, nos termos do qual (artigo 323.º do referido regime) a apresentação de requerimento ao Fundo de Garantia Salarial ao prazo de nove meses, a contar da cessação, ou seja, três meses antes do prazo de um ano fixado como prescrição do crédito laboral – cfr. artigo 319º, n.º 3 da Lei n.º 35/2004 e artigo 337, do Código do Trabalho.

  3. ) O Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, prevê que o regime do Fundo de Garantia Salarial, antes fixado nos artigos 317º a 326º do Regulamento do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29.07, se mantivesse em vigor até à entrada em vigor do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, por via do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, em 04.05.2015 – cfr. alínea o), do artigo 12º da Lei 7/2009, de 12.02.

    5) O artigo 319º, n.º 3, da Lei n.º 35/2004, de 29.07, estabelece que “o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição.” 6) O prazo de prescrição previsto na aludida Lei encontra-se vertido sob o artigo 337º, n.º 1, estabelecendo o prazo de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

    7) Por outro lado, o artigo 2º, n.º 8, do Decreto-lei n.º 59/2015, de 21.05, dispõe que “o fundo só assegura o pagamento dos créditos salariais quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.” 8) O regime transitório estabelecido neste Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.05, estabelece que ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor – cfr. artigo 3º, n.º 1.

    9) Ora, o contrato de trabalho do Apelante cessou em 17.02.2014, altura em que vigorava a Lei n.º 35/2004, de 29.07, que dispunha quanto à apresentação do requerimento, no seu artigo 323.º, o seguinte: “1 - O Fundo de Garantia Salarial efectua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual consta, designadamente, a identificação do requerente e do respectivo empregador, bem como a discriminação dos créditos objecto do pedido.

    2 - O requerimento é apresentado em modelo próprio, fixado por portaria do ministro responsável pela área laboral.

    3 - O requerimento, devidamente instruído, é apresentado em qualquer serviço ou delegação do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.” 10) O regime aqui previsto, juntamente com os artigos 316.º a 326.º, regulava o artigo 380.º do Código do Trabalho, definindo as condições de acesso ao Fundo de Garantia Salarial.

    11) Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, veio estabelecer novas regras de acesso ao Fundo de Garantia Salarial, nomeadamente pela introdução de um prazo para o fazer.

    12) Assim, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 8 do regime anexo à referida Lei: “8 - O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.” 13) O referido prazo é um prazo de caducidade, findo o qual a possibilidade de o trabalhador aceder ao Fundo de Garantia Salarial deixa de existir. E, por isso, altera substancialmente as condições anteriormente estabelecidas.

    14) Assim, se no regime anterior o prazo de caducidade para reclamar o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho dependia da data da prescrição do crédito (até três meses antes da prescrição), no novo regime aquele prazo depende apenas da data da cessação do contrato de trabalho.

    15) Desta forma, dependendo a caducidade do direito ao pagamento dos créditos da data da prescrição dos mesmos, encontra-se a prescrição sujeita às causas interruptivas e suspensivas dos artigos 18º a 327º do Código Civil, pelo que a caducidade daquele direito tanto pode ocorrer quando perfizer nove meses após a data da cessação do contrato, como pode ocorrer muito para lá da data de um ano a contar desta data – tudo dependendo da ocorrência de causas interruptivas e suspensivas e sua duração.

    16) Significa isto que o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.05 procedeu a uma alteração do prazo antes estabelecido no artigo 319º, n.º 3 da Lei n.º 35/2004, de 29.07, pelo que torna-se importante chamar à colação o disposto no artigo 297º do Código Civil, que rege a sucessão de leis quanto à matéria de fixação de prazos.

    17) Ora, na interpretação que a Douta sentença recorrida faz da aplicação do novo Regime do Fundo de Garantia Salarial ao caso concreto, tendo este regime criado um prazo mais curto que o anteriormente existente, isso imporia ao Apelante a obrigação de, no prazo de um ano a contar da data em entrada em vigor do novo regime, requeresse os seus créditos salariais, nos termos do disposto no artigo 297.º do Código Civil.

    18) Interpretação com a qual o Apelante não pode concordar desde logo porque o artigo 297.º do Código Civil é uma norma que dispõe sobre a sucessão de prazos e pressupõe a existência de um prazo mais longo a que sucede um prazo mais curto e vice-versa: “1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.

  4. A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.

  5. A doutrina dos números anteriores é extensiva, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade.” 19) A Douta sentença recorrida aplicou uma norma constante do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, em violação do disposto no artigo 12.º do Código Civil, porque a aplicou retroativamente.

    20) Nos termos do artigo 12.º do Código Civil: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

  6. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.” 21) Ou seja, a norma do artigo 2.º, n.º 8 do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, que cria um prazo de caducidade, é uma “lei que dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos” e, por isso, só visa os factos novos, que ocorram após a sua entrada em vigor.

    22) E, por essa razão, não poderá ser aplicada à situação concreta do Apelante que, à data da cessação do seu contrato, 04.03.2014, o prazo de prescrição encontrava-se interrompido por força da apresentação da entidade patronal a um Processo Especial de...

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