Acórdão nº 00577/15.6BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução20 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: A., S. A.

(R. (…)), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Penafiel, que julgou acção intentada por I.P.F.

(R. (…)) “parcialmente procedente e, em consequência, condena-se solidariamente a Ré e a Interveniente (esta na parte que exceda a franquia) a pagar ao Autor a quantia de € 5.436,60, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação da Ré e até efectivo e integral pagamento”.

A recorrente discorda do decidido, oferecendo em recurso as seguintes conclusões: I.

É errada a resposta à alínea M) dos factos provados, pois que não é verdade e não foi feita prova nenhuma disso (bem pelo contrário, aliás) que a reparação do veículo tenha ficado pendente de uma resposta da R. (ou até da seguradora) no sentido de eventualmente assumir a responsabilidade pelo sinistro ou sequer (quanto á R., pelo menos) de uma perícia; II.

Por isso, e de acordo com a prova produzida, a única resposta possível é a seguinte: - Face à impossibilidade de o BV circular e não obstante a empresa do Autor dispor de outros veículos de serviço (uma carrinha Opel de 5 lugares, uma Mistsubishi Strakar e camiões), o BV era usado diariamente pelo Autor ou, quando este não o utilizava, por seus filhos Ricardo e Ruben para se deslocarem para Bragança, onde estudavam, o Autor alugou um veículo de substituição; III.

Também incorrecta é a resposta à alínea X) dos factos provados, o que se pode até concluir dos documentos nºs. 8, 9 e 10 juntos à p. i., de sorte que, ao menos por uma questão de rigor, a resposta deve ser alterada para a seguinte: - O condutor do BV apresentou reclamação junto da Ré em 27-04-2012 e noutra data do mês de Maio de 2012 que não foi possível apurar, o que também sucedeu com o Ilustre Mandatário do A. em data que também não foi possível precisar, tendo esta R. declinado a responsabilidade pelo acidente no dia 07-05-2012 e reiterado tal posição nos dias 28-05-2012 e 18-03-2013, na primeira delas ao condutor do BV e na segunda ao Ilustre Mandatário do A.; IV.

Ainda errada, mas agora por defeito (tendo por referência o alegado em 32º e 33º da contestação da R.), é a resposta dada à alínea Q) dos factos provados, dado que, e como decorre do depoimento de Vítor Inácio Magalhães transcrito nestas linhas, não se tratou simplesmente de passar no local do acidente a uma determinada hora (no caso, cerca das 16h35m), mas também de nada (e designadamente um animal) ter sido avistado naquele local aquando dessa passagem; V.

Por isso, e de modo conforme a essa prova produzida, entende a R. que a resposta a tal alínea da matéria de facto provada, deve ser alterada para a seguinte: - No dia do acidente a patrulha da Ré passou pelo local do acidente cerca das 16h35m e nessa altura não detectou ali nenhum animal e designadamente um cão; VI.

Depois, é de assinalar que o tribunal a quo não se pronunciou (e devia – ainda que ao abrigo do disposto no artigo 5º nº 2 do C. P. C. por isso ter resultado da instrução da causa) sobre factos alegados pela R. manifestamente importantes para a defesa desta R. e sobretudo para a boa decisão da causa, ou seja, sobre o artigo 30º da contestação, mas também sobre os artigos 17º, 18º, 19º e 20º da mesma peça processual; VII.

Ora, tal como resulta do depoimento de Luís Lopes da Silva transcrito supra e bem assim do próprio diploma legal que instituiu e aprovou as Bases da concessão da R. e ainda dos docs. nºs 1 e 2 juntos à contestação desta R., importava, por um lado, definir uma bitola que permitisse apreciar se a vigilância da auto-estrada foi ou não exercida adequadamente pela R. e, por outro, se as vedações existentes na auto-estrada e concretamente no local do acidente e suas imediações eram aquelas que ali deviam estar; VIII.

E a verdade é que, com base em todos esses elementos probatórios e legais, era (e ainda é) possível concluir que a alegação da R. a esse respeito é verdadeira e deve ser considerada provada, razão pela qual se propõem as seguintes respostas (a acrescentar, naturalmente, ao elenco dos factos provados e a considerar na decisão final a tomar): - A R. obrigou-se, regra geral, ou seja, em condições de normalidade de tráfego/circulação, a efectuar passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de três horas (artigo 30º da contestação); - As vedações daquela auto-estrada A11 merecem a prévia aprovação por parte do concedente (Estado Português) através dos organismos competentes.

(artigo 17º da contestação); - À data do sinistro as vedações que se encontravam implementadas no local do sinistro e suas imediações respeitavam o respectivo projecto e mereceram prévia aprovação por parte dos organismos competentes do Estado Português, designadamente no que se refere às suas características, tais como a sua dimensão e altura, por exemplo, pois se assim não fosse a auto-estrada A7 não teria aberto ao tráfego.

(artigos 18º, 19º e 20º da contestação).

Segue-se que IX.

Não se compreende e não se pode aceitar que o tribunal a quo dedique uma parte da sua fundamentação a avançar com “sugestões” (ainda para mais não concretizadas e não concretizáveis) destinadas, ao que parece, a “melhorar” o desempenho da concessionária, esquecendo, por um lado, a prova que foi feita (tanto a que consta já do rol dos factos provados, como ainda aquela que, na opinião da R., deverá ser-lhe acrescentada, de harmonia com a primeira parte deste recurso) e sobretudo, por outro lado, que essas obrigações estão perfeitamente definidas no diploma legal aplicável à concessão da R. (cfr. p. ex. as Bases XXIX, XXX, XXXVII e LV do DL nº 248-A/99, de 6 de Julho); X.

Pior ainda é a circunstância de nem sequer ter atentado nesse diploma legal (não há, aliás, a mínima referência a isso) e especialmente na Base LXXIII, mas igualmente – e já agora – no artigo 487º nº 2 do Cód. Civil quanto ao desempenho da concessionária no cumprimento das suas obrigações de segurança.

Posto isto, XI.

É verdade que com o advento da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho se procedeu a uma inversão do ónus da prova (que não da ausência de culpa, mas apenas do cumprimento das obrigações de segurança) que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora – insista-se – sempre filiado na responsabilidade extracontratual; XII.

Todavia, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos nºs. 1 e 2 do artigo daquela lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projecto de lei nº 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de culpa em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redacção do citado artigo 12º nº 1 seria seguramente outra, bem diferente e seguramente bem mais próxima daquela constante do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil; XIII.

Efectivamente, e quanto à dita presunção de culpa ou de incumprimento, nem tal decorre da referida lei, nem tal resulta da Base LXXIII do DL nº 248-A/99, de 6 de Julho, concluindo-se tão-só que com a entrada em vigor da lei citada passou a impender um ónus de prova (com aquelas características) sobre as concessionárias de auto-estradas (e nada mais que isso). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer(quis) consagrar uma presunção legal de culpa ou de incumprimento, de ilicitude ou do que quer que seja (cfr. Cód. Civil, artigo 344º nº 1); XIV.

Por outro lado, sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a patrulhar a auto-estrada, assim envidando os seus melhores esforços no sentido de assegurar a circulação na auto-estrada em boas condições de segurança e comodidade, daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como, na realidade, considerou a douta sentença, mormente nos locais de eclosão de acidentes ou onde possam estar a deambular animais; XV.

A formulação do artigo 12º nº 1 da citada lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a recorrente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança; XVI.

Ora, no caso dos autos, e contrariamente ao decidido, é nítido e indiscutível que a R. satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação (que era aquela e não outra que ali devia estar) e à vigilância da via no local de eclosão do sinistro; XVII.

Efectivamente, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo), num acidente com animais, pela prova de que as vedações se encontravam intactas e sem rupturas nas imediações do local do acidente – e a verdade é que essa prova foi claramente feita pela R./recorrente; XVIII.

Mais: é visível que o raciocínio seguido pela sentença é nitidamente especulativo, pois que parte claramente do princípio (e sem base factual para que o possa fazer) que o animal só poderia ter ingressado na AE devido a uma qualquer anomalia/falha (na vedação? Será?), sem considerar qualquer outra possibilidade/explicação perfeitamente plausível para a presença do animal na via (e a verdade é que essas possibilidades/explicações existem, não se podendo concluir automaticamente que o animal acedeu à via porque p. ex. as vedações apresentavam deficiências ou então que ocorreu uma qualquer anomalia, seja ela qual for); XIX.

Por outro lado, a R. também demonstrou, sem qualquer espécie de dúvida ou reserva, que desconhecia a presença do animal na via apesar do cumprimento integral (e permanente, no sentido de estar sempre no terreno, embora não esteja, como é evidente, em todo o lado ao mesmo tempo) da sua missão de vigilância e patrulhamento; XX.

De modo que, e não podendo a recorrente (nem tal lhe sendo exigível) ser omnipresente, não se vislumbra como podia (ou pode) ser...

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