Acórdão nº 03081/18.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução13 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO M... C... H..., S.A. propôs contra a Autoridade da Concorrência, ambas melhor identificadas nos autos, acção administrativa para condenação à adopção ou abstenção de comportamentos, formulando os seguintes pedidos: “1) Deverá a presente acção ser julgada procedente, por provada, e ser a Autoridade da Concorrência condenada a abster-se de disponibilizar, designadamente no âmbito do acesso ao processo (sem prejuízo do exposto no artigo 33.º, n.º 4 da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio), bem como a quaisquer terceiros, os documentos originais (“Versões Confidenciais”) da Autora constantes dos Documentos n.º 1, n.º 9, n.º 11, n.º 13 e 15; podendo a Autoridade da Concorrência disponibilizar a outros Co-Visados exclusivamente no âmbito do processo apenas as Versões Não Confidenciais remetidas junto com as comunicações da Autora de 20 de Novembro (Doc. n.º 4), 13 de Agosto (Doc. n.º 10), 26 de Agosto (Doc. n.º 12), 21 de Novembro (Doc. n.º 17) e 28 de Novembro de 2018 (Doc. n.º 18); 2) Requer todos os documentos juntos aos presentes autos, designadamente os vinte e um documentos mencionados na presente Petição Inicial, sejam tratados como confidenciais no âmbito do presente processo e sejam tratados como de acesso restrito exclusivamente ao Tribunal, à Demandada e à Autora, e que, extinto o processo, os documentos juntos pela Autora lhe sejam devolvidos, assegurando-se até lá a restrição do acesso e a confidencialidade.”.

Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi considerado o Tribunal Administrativo incompetente em razão da matéria e deferida a competência material ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: A. No presente processo está em causa a reação da MCH a um juízo da AdC sobre a classificação de informação como segredo de negócio, expresso nos Documentos n.º 5 e n.º 20 juntos com a Petição Inicial (as “Pronúncias Controvertidas”).

  1. As Pronúncias Controvertidas foram emitida pela AdC expressamente com base no artigo 30.º da Lei da Concorrência, invocado nas mesmas, e foram proferidas no processo de contraordenação – PRC XXXX/7 - em que são Visadas a MCH bem como outras empresas.

  2. A classificação de informação como segredo de negócio está regulada exclusivamente no artigo 30.º da Lei da Concorrência, e visa exclusivamente evitar que, no âmbito do direito de acesso ao processo por quaisquer terceiros, estes cheguem ao conhecimento do segredo, salvo nos termos e condições estabelecidos no artigo 33.º da mesma lei, que regula o acesso ao processo.

  3. O tema da classificação de informação como segredo de negócio supõe, por natureza, o acesso ao processo por terceiros, mas distingue-se deste e dele é autónomo, tal como está estabelecido na Lei da Concorrência.

  4. O acesso ao processo de contraordenação está regulado exclusivamente nos artigos 32.º e 33.º da mesma lei, onde se pressupõe a existência de informação classificada como segredo de negócio (nos termos do citado artigo 30.º), sendo que nem este tema nem nenhum outro que não seja o do acesso ao processo está regulado nestas disposições.

  5. O acesso ao processo de contraordenação é um tema típico do direito contraordenacional que trata do acesso aos meios de prova, enquanto que a classificação de informação como segredo de negócio é um tema que não assume relevância especial no regime geral das contraordenações e, por conseguinte, não está regulado no RGCO ou no Código de Processo Penal.

  6. Contudo, tendo em conta as atribuições da AdC no domínio da regulação e supervisão da concorrência, o tema do segredo de negócio assume uma importância crítica no âmbito de qualquer procedimento conduzido por ela, incluindo nos processos de contraordenação, reclamando a sua regulação.

  7. A classificação da informação como segredo de negócio, regulada no artigo 30.º da Lei da Concorrência, é um tema externo ao do acesso ao processo de contraordenação, estando este último, é dizer o do acesso aos autos e meios de prova, regulado nos citados artigos 32.º e 33.º da mesma lei, em moldes inspirados nos artigos 86.º e 89.º do CPP.

    I. Contudo, para além das necessárias adaptações à natureza contraordenacional do processo e às atribuições da AdC, no n.º 4 artigo 33.º da Lei da Concorrência está traduzida a mencionada especificidade dos processos conduzidos por esta autoridade e que respeita à tutela do segredo de negócio, dali resultando que a consulta do processo pelos visados, e o direito de obter cópias, ou certidões (cf. o n.º 1 do citado artigo 33.º e o n.º 1 do artigo 96.º do CPP) não abrange o «acesso a documentos contendo informação classificada como confidencial» (cf. o n.º 4 do citado artigo 33.º), que apenas é permitido ao advogado ou ao assessor económico externo do visado, e estritamente para efeitos do exercício do direito de defesa», não sendo permitida a sua reprodução total ou parcial por qualquer meio (cf. o n.º 4 do citado artigo 33.º).

  8. Do que se trata é de compatibilizar o direito de acesso aos autos e aos meios de prova, estruturante do processo contraordenacional, com a especificidade própria dos processos conduzidos pela AdC em que é crítica a preservação do segredo de negócio: acautelando o exercício do direito de defesa, permite-se aos advogados e aos assessores económicos externos do visado (e não a este), o acesso a informação classificada como segredo de negócio K. O regime do acesso ao processo constante dos artigos 32.º e 33.º da Lei da Concorrência é conformado pelos aspetos típicos dos processos sancionatórios neste domínio: a publicidade do processo, o segredo de justiça, a inexistência de prejuízo para a investigação e a tutela de direitos dos visados (quer no plano do seu direito de defesa – cf. artigo 33.º, n.ºs 1, 2 e 4, quer no plano do respeito pela esfera dos mesmos, que pode determinar que o segredo de justiça seja mantido até ao final do processo – cf. artigo 32.º, n.º 3).

    L. O tema da classificação de informação como segredo de negócio nada tem a ver com o processo de contraordenação, estando regulado integral e exclusivamente no artigo 30.º da Lei da Concorrência que, apesar de sistematicamente estar inserido na secção relativa ao «processo sancionatório relativo a práticas restritivas», não é uma norma de processo contraordenacional.

  9. O artigo 30.º da Lei da Concorrência contém uma norma de direito administrativo geral, regulando a intervenção da AdC no procedimento de classificação de informação como segredo de negócio e a pretensão do titular do segredo a que o mesmo não seja divulgado no processo pela AdC.

  10. A regulação do procedimento de classificação de informação como segredo de negócio, constante do artigo 30.º da Lei da Concorrência, não é conformada ou influenciada por aspetos típicos dos procedimentos sancionatórios, nem ele, por sua vez, conforma ou influencia o processo de contraordenação e sua tramitação subsequente.

  11. A concordância ou discordância da AdC com a classificação da informação como segredo de negócio feita pela empresa funda-se exclusivamente no conceito de segredo de negócio e nos critérios estabelecidos no citado artigo 30.º, é alheia à qualidade que a empresa assume nesse processo (de visada ou terceira), e, seja qual for esse juízo e a extensão da informação classificada como confidencial, a mesma não tem qualquer repercussão na tramitação do processo de contraordenação ou na validade da decisão final da AdC proferida nesse processo.

  12. As pronúncias da AdC em causa nos presentes autos comprovam-no (cf. documentos n.ºs 3, 5, 8 e 20 juntos com a Petição Inicial): nenhuma das razões invocadas pela AdC para não aceitar as classificações das informações como segredo respeita a preocupações ou regras ligadas ao processo de contraordenação ou à qualidade de visada que a MCH assume naquele processo; ao invés, respeitam todas ou a alegada falta de fundamentação pela MCH (expressão utilizada pela AdC nos casos de discordância quanto à subsunção da informação em causa ao conceito de segredo de negócio) ou a insuficiência do descritivo utilizado pela MCH em substituição da informação confidencial em causa.

  13. O juízo ou “decisão” da AdC sobre a classificação da informação como segredo de negócio, que é comunicado à empresa nos termos do n.º 5 do artigo 30.º da Lei da Concorrência, é uma verdadeira atuação administrativa, não sendo uma medida ou ato materialmente contraordenacional, ainda que seja praticado, de facto, no âmbito desse processo, mas que é externa ao mesmo.

  14. O tema em discussão nos presentes autos – o do juízo da AdC sobre a qualificação como segredo de negócio de informações como tais classificadas pela MCH e a pretensão desta a que a AdC não disponibilize essa informação no processo de contraordenação – é, pois, totalmente distinto da questão do acesso ao processo pelos visados ou arguidos, julgada pelo Supremo Tribunal Administrativo, nos seus acórdãos de 1 e 22 de outubro de 2008, tirados, respetivamente, nos processos n.º 584/98 e 583/08, e seguidos por este Tribunal Central Administrativo Norte, nos acórdãos tirados nos processos n.º 260/10 e n.º 1762/10.

  15. O tema da classificação de informação como segredo de negócio respeita a uma relação jurídica administrativa, originada na intervenção da AdC no procedimento de classificação e na pretensão do titular do segredo a que o mesmo não seja divulgado no processo por aquela. Esta intervenção da AdC é uma verdadeira atuação administrativa, não correspondendo ao exercício do poder punitivo e não sendo por este determinada ou influenciada.

  16. Não há, pois, lugar – ao contrário do que se julga na Sentença recorrida – à aplicação dos princípios e regras do processo contraordenacional, designadamente os princípios da plenitude do processo contraordenacional e do processo penal, nem, naturalmente, à aplicação dos mecanismos previstos nos...

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