Acórdão nº 00282/12.5BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelPaulo Moura
Data da Resolução11 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: M.

, interpõe recurso da sentença que rejeitou o Protesto pela Reivindicação por falta legitimidade e de interesse em agir da Autora, para o protesto requerido ao abrigo do então artigo 910.º do Código de Processo Civil, por entender que ela já se encontra munida da sentença que visaria acautelar e não é terceiro na Execução Fiscal.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: 1ª Alude-se ao facto da correlação do Protesto pela Reivindicação com a Ação de Reivindicação dever ser considerada como Incidente e não como Providência Cautelar.

  1. A lei tipifica e nomina vários incidentes, como é o caso daqueles que designa como incidentes da instância, mas outros há que não são nominados e tipificados como tal.

  2. Existirão incidentes anteriores ou posteriores à sentença final, incidentes que suspendem e que não suspendem a marcha do processo principal, incidentes nominados ou inominados, e incidentes civis, laborais e penais.

  3. Com efeito, consideramos que o Protesto pela Reivindicação não apresenta a natureza de providência cautelar, porquanto as providências cautelares aparecem reguladas no Capítulo IV do Código de Processo Civil.

  4. A regra geral constante do artigo 302.º do C.P.C., amplia a tramitação-tipo prevista nos artigos 303.º e 304.º ao processamento de qualquer incidente da instância, e não apenas - como sucedia no Código de Processo Civil - aos incidentes nominados, tipificados e regulados pela lei de processo no Capítulo III, Título I, do Livro III (Cfr. Carlos Francisco de Oliveira Lopes Rego, in "Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 1999, pág. 235).

  5. O âmbito do preceituado no artigo 302.° do C.P.C. estava circunscrito, na redacção anterior, aos "incidentes regulados neste capítulo"; na sua actual formulação, a tramitação-tipo, plasmada nos artigos 302.° a 304.°, foi ampliada por forma a abranger o processamento de todo e qualquer incidente, que não apenas aos incidentes da instância nominados, tipificados e regulados pela lei de processo, no capítulo em questão, tendo obtido consagração por essa forma, o que já constituía entendimento prevalente da jurisprudência.

  6. Configurando-se o Protesto pela Reivindicação como um Incidente da Instância, a sua tramitação não é a de um Procedimento Cautelar, pelo que, violou o Tribunal recorrido o artigo 302.º do Código de Processo Civil.

  7. O artigo 910º, nº 2 do C.P.C. alude à relação do protesto com uma ação judicial, sendo que tal ação judicial será, forçosamente, uma ação de reivindicação.

  8. In casu, refere o Exmo. Senhor Juiz que no Protesto pela Reivindicação falhará o pressuposto do interesse em agir, contudo, com isto não podemos concordar, porquanto a recorrente deduziu o Protesto pela Reivindicação com o fundamento, de facto e de direito, que o prédio em causa nos autos é um bem próprio da recorrente, tal como aliás já foi decidido por sentença judicial proferida pelo Tribunal Judicial de Vila Real, no âmbito do processo n.º 1300/09.0TBVRL, 1° Juízo e transitada em julgado em 17 de Fevereiro de 2010 (Cfr. aliás certidão de sentença que oportunamente se juntou as autos).

  9. Em virtude da acção de reivindicação interposta, e já transitada, reconheceu-se como única proprietária do prédio em causa a recorrente, e assim entre o Protesto pela Reivindicação deduzido e a Acção de Reivindicação aludida existe uma verdadeira relação de prejudicialidade, porquanto está em causa nos autos a penhora de um bem que é um bem próprio da recorrente.

  10. Alude a recorrente à excepção da regra do caso julgado, constante do artigo 671.º e 672.º do Código de Processo Civil.

  11. Ora, a regra é que o caso julgado não tem efeito em relação a terceiros, até porque "as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo", de acordo com o artigo 672, n.º 1, do CPC, mas esta regra geral comporta a excecionalidade de certas situações.

  12. Com efeito, a anterior ação de reivindicação a que o Juiz alude na sua douta Sentença produzirá efeitos em relação aos presentes autos apenas na estrita medida em que é a acção de reivindicação essencial para o preenchimento dos requisitos do artigo 910º, n.º 2, I parte, do CPC, até porque não será viável à recorrente intentar nova acção de reivindicação quando já existe caso julgado sobre a matéria, pois o caso julgado de decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo posterior quando o objecto processual anterior (pedido e causa de pedir) é condição para apreciação do objecto processual posterior (Cfr. Acórdão do STJ de 19.2.1998: BMJ, 474.º-405).

  13. No caso "sub judice", interpondo-se nova Ação Judicial, com o objectivo único de se reconhecer a recorrente como única proprietária do prédio em causa, existindo já decisão transitada sobre esta matéria, verificar-se-á a excepção de caso julgado nos termos do artigo 497.°, n.º 1 do CPC, pois o nosso ordenamento jurídico proíbe a repetição de uma causa, depois da primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (Ac. do STJ, de 3.2.2005: Proc. 04B4009.dgsi.Net).

  14. Para a eficácia do Protesto, a recorrente não terá que propor qualquer nova acção de reivindicação, pois a ação já interposta e transitada cumpre e preenche os requisitos do artigo 910.º do C.P.C.

    Sem prescindir, 16ª Se se alegar que não existirá violação do princípio do caso julgado previsto no artigo 671.º e seguintes do C.P.C., e no 497.º, n.º 1 do CPC, por se verificar a falta do requisito de identidade de sujeitos, uma vez que no âmbito do Processo de Execução Fiscal surge como Exequente a Fazenda Nacional, a verdade é que o caso julgado pode produzir efeitos em relação a terceiros, pode ter efeitos reflexos em terceiros juridicamente interessados, ou prejudicados, apenas não o tendo em relação aos juridicamente indiferentes.

  15. Tal entendimento funda-se na doutrina, nomeadamente no Prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, l.ª ed., 706), que ensina que “a ideia de que o caso julgado não produz efeitos em relação a terceiros não significa que todos aqueles que não figuram no processo como partes possam ignorar as sentenças proferidas e transitadas nas diferentes acções, agindo como se elas não existissem na esfera das realidades jurídicas.” (sublinhado nosso).

  16. Quanto ao caso sub judicio, parece-nos que quanto aos não intervenientes a sentença transitada em julgado se impõe à Fazenda Nacional, terceira para efeitos jurídicos em relação à Ação de Reivindicação aludida e já transitada, na medida em que a Sentença não causa à Fazenda Nacional qualquer prejuízo jurídico, porque deixa intacta a consistência jurídica do seu direito, embora lhes possa causar prejuízo económico, por ser afectada a solvabilidade do devedor (Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1963, pags. 288 e segs.; Antunes Varela e J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 23 ed., págs. 726 e segs.).

  17. A Fazenda Nacional continuará a ser Exequente e a ter direito, se assim se justificar, à cobrança das dívidas fiscais. Mas não o poderá fazer à custa de bens alheios, não pertencentes à esfera jurídica do executado, ignorando inclusive a sentença referida e já transitada em julgado.

  18. Violou o Tribunal recorrido os artigos 910.º, 671.º, 672.º e 497.º, todos do C.P.C, e o artigo 1311º do Código Civil.

    Subsidiariamente, caso assim não se entenda, o que não se concede e ou concebe, mais se dirá o que se segue.

  19. A recorrente sempre poderá intentar nova Acção de Reivindicação, caso se entenda que a ação de reivindicação já transitada se refere a pedido e causa de pedir diferente do presente Protesto pela Reivindicação, porquanto nos presentes autos figuram como credores/exequentes na acção executiva a Administração Tributária.

  20. Não resultou evidente, a contrario do que refere o Exmo Sr. Juiz do Tribunal a quo, que a recorrente não instaurará Ação de Reivindicação se assim for necessário, e se o Tribunal julgar não existir a exceção de caso julgado nos termos já supra explanados.

  21. Por outro lado, quanto à questão levantada pelo Exmo. Sr. Juiz que considera que a recorrente é parte, e não terceira, no Processo de Execução Fiscal, resulta evidente pelo alegado que a recorrente assume a posição de terceira relativamente ao processo de execução.

  22. E tudo porque: a recorrente não consta do título executivo como devedora ~ nem houve reversão da execução contra si, sendo as dívidas, inquestionavelmente, da exclusiva responsabilidade do executado João das Neves; o bem penhorado é um bem próprio da recorrente, pois ela é proprietária e possuidora do imóvel em causa nos autos; a penhora é incompatível com a posse e o direito da recorrente; quando a recorrente foi citada nos termos do artigo 239.º do CPPT, em 26 de Agosto de 2009, já a recorrente era divorciada e havia deduzido Embargos de Terceiro, pelo que à data da citação a recorrente já era divorciada e por isso terceira.

  23. Mais: a recorrente juntou protesto pela reivindicação do imóvel, bem como certidão permanente, escritura de permuta, certidão da sentença judicial proferida pelo Tribunal Judicial de Vila Real, no âmbito do Processo n.º 1300/09.0TBVRL, a recorrente deduziu Embargos de Terceiro, pelo que não pode deixar de se colocar, pelo menos, a forte suspeita de que o prédio em crise pertence totalmente, de facto e de direito, à recorrente.

  24. Quem adquirir um prédio numa venda sob protesto, é como se o fizesse sob a condição de poder vir a ser convencido, em acção de reivindicação posterior, de que a propriedade pertence ao reivindicante e não ao executado, até porque no presente caso não estão a ser garantidos e cumpridos todos os procedimentos que visam garantir a defesa de eventuais direitos de terceiros ao Processo de Execução.

  25. A recorrente, assumindo a...

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