Acórdão nº 01496/18.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução05 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO 1 . S., de nacionalidade Egípcia e Portuguesa, vendedor ambulante e residente na Rua (…), inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 19 de Junho de 2020, que julgou improcedente a acção administrativa instaurada contra o MINISTÉRIO da JUSTIÇA, assim o absolvendo do pedido (declaração de nulidade do despacho da Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, de 1/3/2018, que declarou nulo o despacho do Sr. Conservador do Registo Civil do Arquivo Central do Porto, de 25/11/2013, que lhe havia concedido a nacionalidade portuguesa, por naturalização).

* Nas suas alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões: "I.

O serviços estrangeiros e fronteiras não tem decisão judicial que sustente a falsidade do contrato, apenas o seu próprio processo administrativo e decisão que sustente a nulidade invocada; II.

O serviço de estrangeiros e fronteiras não prestou as corretas informações ao Arquivo Central do Porto, pois caso existisse pendente processo de cancelamento da autorização de residência poderia ser requerida a suspensão do processo de concessão da nacionalidade portuguesa e o mesmo posteriormente indeferido; III.

A inércia temporal e incompetência formal deste serviço fez com que se efetivasse o direito do requerente e se consolidasse na ordem jurídica.

Não é justo nem equilibrado declarar a nulidade do despacho da nacionalidade e convidar o recorrente ao fim de 21 anos de vida em Portugal a regressar ao seu país de origem onde já não tem família nem amigos.

A invalidade do ato é um valor jurídico negativo que afeta o ato administrativo em virtude da sua inaptidão intrínseca para a produção de efeitos jurídicos que devia produzir.

A invalidade dos atos da administração são a nulidade e a anulabilidade.

O regime legal da nulidade encontra-se consagrado no artigo 162° do CPA.

Este regime legal caracteriza-se pelos atos nulos não produzirem qualquer efeito jurídico. Porém, tanto o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, como o Professor Freitas do Amaral entendem que a nulidade não deve ser confundida com a inexistência. Com efeito, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa refere que os vícios de que padece o ato nulo, embora graves, não perturbam a sua qualificação jurídica. Assim, o ato nulo é juridicamente existente, embora não produza efeitos jurídicos (artigo 162°/l do CPA). Já o Professor Freitas do Amaral admite que o regime da inexistência assemelha-se bastante ao da nulidade, contudo, este ressalva que se admite o aproveitamento de partes do ato nulo ou de conversão (art.164°13 do CPA), algo que seria impensável e inconcebível para os atos juridicamente inexistentes.

Interessa ainda salientar que os atos nulos podem ser objeto de reforma ou conversão (artigo 164°/4 do CPA) e que a nulidade é insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por retificação. Quer isto dizer que o ato nulo não pode ser transformado num ato válido. Porém, podem ser concedidos alguns efeitos jurídicos a situações decorrentes de atos nulos procurando, assim, respeitar os princípios da boa fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade, ou a outros princípios jurídicos constitucionais.

IV.

Todas as entidades administrativas têm conhecimento destes fatos em 10/12/2013 e só a 07/03/2018 atuam, desrespeitando os direitos adquiridos do recorrente violando os mais elementares princípios de direito constitucional nesta matéria, sendo este ato nulo por ofender um direito fundamental e não permitindo o aproveitamento do ato com o restante tempo de residência." E termina, solicitando que "..

DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA o ato ser declarado nulo, mantendo a decisão de 25 de novembro de 2013 que concede a nacionalidade portuguesa por naturalização ao recorrente conforme é da mais elementar JUSTIÇA".

* Notificadas as alegações, apresentadas pelo recorrente, supra referidas, veio o Réu/Recorrido Ministério da Justiça apresentar contra alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: "A.

A sentença recorrida considerou, e bem, que o ato que havia concedido a nacionalidade portuguesa por naturalização ao Recorrente - ato consubstanciado no despacho do Senhor Conservador do Registo Civil do Arquivo Central do Porto, de 25 de novembro de 2013 - é nulo, nos termos considerados pelo Recorrido, por padecer de um vício especialmente grave originado pelo próprio destinatário, no caso, o Recorrente, sendo que, face a essa realidade, tal ato nunca poderia manter-se na ordem jurídica; B.

Ou seja, a douta sentença, acolhendo o teor da Informação n.º I-SGMJ/2018/213, de 23.02.2018, considerou que a nulidade do ato de 25 de novembro de 2013 fundamentou-se no disposto no n.º 1 do artigo 133.º do anterior Código do Procedimento Administrativo (Código em vigor à data da prática do aludido ato e aplicável ao caso dos autos por força do disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro), por estar em causa a falta de um dos elementos essenciais para a prática desse ato (residência legal em território português há pelo menos seis anos), entendendo-se por elementos essenciais do ato, no sentido do n.º 1 do citado artigo 133.º, todos aqueles que se ligam a momentos ou aspetos legalmente decisivos e graves dos atos administrativos, além daqueles a que se refere já o seu n.º 2; C.

Sendo considerados nulos por natureza aqueles atos que sofram de um vício especialmente grave, avaliado em concreto em função das caraterísticas essenciais de cada tipo de ato, conceito existente tanto no anterior CPA como no atual CPA, por estar sempre em causa um elemento característico essencial, necessário em absoluto à decisão do ato administrativo, ou seja, aquele que é sempre necessário na decisão de caráter vinculado da Administração, como sucede no presente caso; D.

Salienta-se, que outra não podia ter sido a decisão do Recorrido - que não a da nulidade do ato de 25 de novembro de 2013 - uma vez que a decisão de concessão da nacionalidade portuguesa é consequência direta de atos e factos anteriormente comunicados pelas entidades competentes para o efeito, atos esses que, por vezes e por diversas razões, são declarados nulos ou determinado o respetivo cancelamento, como ocorreu no caso dos autos; E.

Situação que se encontra atualmente materializada no artigo 12.º-A da Lei da Nacionalidade, aditado pela Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho, onde se prevê que: É nulo o ato que determine a atribuição, aquisição ou perda da nacionalidade portuguesa com fundamento em documentos falsos, ou certificativos de factos inverídicos ou inexistentes, ou ainda em falsas declarações; F.

Disposição legal que está em linha com o disposto na alínea j) do n.º 2 do artigo 161.º do atual CPA, que prevê a nulidade dos atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes; G.

Existe, assim, ao contrário do alegado pelo Recorrente, fundamento legal na sentença recorrida para a nulidade assacada ao ato de 25 de novembro de 2013, pelo que terá de...

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