Acórdão nº 01415/19.6BEBRG-B-R1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelPaulo Moura
Data da Resolução27 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: C.

, ao abrigo do artigo 652.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, deduz Reclamação para a Conferência da Decisão Sumária que não admitiu o recurso da sentença proferida sobre a impugnação da decisão de não concessão de apoio judiciário, por discordar que a decisão judicial que decide o pedido de proteção jurídica seja irrecorrível.

Formula na sua Reclamação as seguintes conclusões que se reproduzem: 10.

Visto tudo quanto antecede, caberá formular as seguintes conclusões: 10.1.

Assenta o Acórdão de 28-06-1994 do Supremo Tribunal de Justiça, tirado no Proc. n.º 85.926, que as «decisões judiciais, como os contratos, como as leis, devem ser interpretadas, no seu contexto legal e processual, na sua lógica, e não apenas lidas».

No caso presente, todavia é a própria lei — um determinado número dum artigo de lei — que, aparentemente, nem sequer foi lido pelos intérpretes como devia.

10.2.

Efectivamente, a norma do n.º 5 do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004 não terá sido nunca interpretada no seu próprio contexto legal, que é o do colaço n.º 4, para o qual expressamente remete nestes exactos termos: «A decisão proferida nos termos do número anterior é irrecorrível» (ênfase do R.), ou seja: o legislador, racionalmente, como não pode deixar de assim ser considerado, não decretou, não escreveu, que é irrecorrível «a decisão prevista no n.º 4», nem «a decisão referida no número anterior» do mesmo artigo, pelo que resultam assim da maior importância em sede exegética «os termos» exactos do referido n.º 4, que são os seguintes: O juiz «decide, condenando ou recusando o provimento, por extemporaneidade ou manifesta inviabilidade».

10.3.

Não pode, logicamente, portanto, este duplo normativo ser doutrinalmente interpretado como abrangendo na sua fattispecie todas as decisões de recusa de provimento à impugnação do acto administrativo denegatório do direito ao apoio judiciário: apenas aquelas, dentre as não extemporâneas, a que haja sido recusado provimento por inviabilidade manifesta.

10.4.

Não são, consequentemente, irrecorríveis — são recorríveis — tais decisões que indefiram recursos dessa espécie cuja causa de inviabilidade não seja manifesta, evidente, quer dizer: recursos cuja julgada improcedência decorra de pressupostos jurídico-fácticos exigindo uma fundamentação judicial formal, susceptível, naturalmente, de erro, de jure vel de facto, do julgador.

10.5.

Do elemento gramatical, da simples análise exegética do duplo preceito sindicado, se retira, portanto, a interpretação lógico-formalmente irrebatível de ser o seu sentido decisivo o de que as decisões judiciais sub specie que, designadamente, perpetrem violação de lei, substantiva ou processual, ou ofensa à garantia do processo equitativo, porque não de todo inviáveis, ou infundadas, as impugnações dessarte julgadas, serão sempre recorríveis.

10.6.

Essa é, consequentemente, a interpretação constitucionalmente conforme dos n.os 4 e 5 do artigo 28.º da Lei em questão. Aliás, por várias razões, todas convergentes em torno da essencialidade do direito ao apoio judiciário como um autêntico direito fundamental.

10.7.

Desde logo, por alcance do artigo 20.º da Constituição em conexão com o 18.º. Encontra-se há mais de uma década assente nos Acórdãos n.º 40/2008, n.º 43/2008 e n.º 362/2010 do Tribunal Constitucional, com efeito, que «forçoso é: que se garanta o direito à impugnação judicial dos actos dos tribunais que constituam a causa primeira e directa da afectação de tais direitos. (…) Considera-se, pois, que quando uma actuação de um tribunal, por si mesma, afecta, de forma directa, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal, a este deve ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa situação»; «o direito de reapreciação judicial das decisões jurisdicionais (só) se deve considerar constitucionalmente imposto (…) se a afectação de direitos fundamentais tiver origem na actuação do tribunal».

10.8.

Vale, assim, o acabado de transcrever por afirmar, categoricamente, que tem chancela constitucionalista suprema a interpretação normativa, acima enunciada, segundo a qual tais decisões que recusem o justo provimento a impugnações judiciais não inviáveis, não infundadas, antes sim que sejam elas próprias a violar o direito que ao impugnante assista, são, forçosamente, passíveis de recurso jurisdicional ordinário, são recorríveis.

10.9.

Depois, também o direito constitucional à igualdade encontra no caso campo de aplicação inarredável, por sinal, até mais fecundo. Sendo, incontrovertivelmente, um direito fundamental, ao direito processual à assistência judiciária corresponde, por definição legal, um valor indeterminável, logo, outrossim ex vi legis, superior ao da alçada dos tribunais de apelação, Centrais Administrativos e da Relação. Consequentemente, mercê do disposto nos artigos 629.º do CPC e 142.º do CPTA, das decisões judiciais que alegadamente o infrinjam deve caber sempre recurso ordinário.

10.10.

Assim, o julgado que aplique a dupla norma do artigo 28.º sindicada no sentido de que todas as decisões judiciais aí cabidas são irrecorríveis, consuma uma inconstitucionalidade normativa, ainda que apenas implicitamente, por violação do direito estatuído no artigo 13.º da Constituição, em conexão com os 18.º e 20.º supramencionados.

10.11.

Além disso, também o direito comunitário europeu, vigorando com primado na ordem interna, tem implicação directa no caso sub judice, desde a publicação da Directiva 2002/8/CE do Conselho, cujo escopo é a uniformização dos procedimentos atinentes à garantia do direito ao apoio judiciário nos, actualmente, 27 Estados-membros da União.

10.12.

Com efeito, o n.º 3 do artigo 15.º desse diploma legislativo internacional preceitua que «Os Estados-membros devem garantir a possibilidade de revisão ou de interposição de recurso das decisões de rejeição dos pedidos de apoio judiciário», e esse recurso é indeclinável nos casos de impugnação do julgado em via de revista, ou cassação.

10.13.

Assim, a sentença que julgue não obrigatório o recurso jurisdicional da decisão que em primeira instância haja apreciado o mérito da causa, independentemente da legalidade e da validade desta, infringe o citado n.º 3 do artigo 15º da Directiva em pauta, e, com ele, os princípios constitucionais ¯ fundamentais da ordem...

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