Acórdão nº 00130/09.3BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelIrene Isabel Gomes das Neves
Data da Resolução14 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:*1. RELATÓRIO 1.1. V., Ld.ª, com a identificação constante dos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações de adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e Juros compensatórios dos anos de 2004 e 2005, interpôs o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões: «A- Na sua decisão, conclui a Exma. Juíz “a quo” estar demonstrada enunciação de indícios fortes e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas e que, por isso, são insusceptíveis de suportar a dedução, de harmonia com o disposto nos arts. 19º e 35º do CIVA.

Entendendo não padecerem de qualquer tipo de censura, as liquidações, então, impugnadas.

B- Sustenta para o efeito que, as conclusões extraídas pela Inspecção Tributária não são só indícios bastantes para afirmar a falsidade das facturas emitidas por M., Lda. após Junho e Setembro de 2004, de acordo com a dissolução e liquidação da sociedade e cessação para efeitos tributários, mas a sua impossibilidade de imputação àquela. C- Ou seja, mesmo que não ocorressem indícios sérios da inexistência de transacções efectuadas entre os dois agentes, nunca tais negócios poderiam ter sido feitos entre a Impugnante e a emitente das facturas pela inexistência jurídica da sociedade à data da emissão das mesmas.

Ora a factualidade descrita pela AT e documentalmente comprovada no relatório de inspecção e nos presentes Autos, relativa ao desaparecimento da sociedade emitente traduz claramente que as facturas não traduzem a realidade que pretendiam titular.

D- E a prova testemunhal produzida seria sempre insuficiente para afastar as conclusões da AT. Sendo certo que a única prova efectuada permite comprovar a existência de actividade comercial entre a Impugnante e a pessoa singular, o que nunca foi questionado pela Administração Tributária, mas os negócios que terá efectuado e permitiram a aquisição de matéria-prima, nunca poderiam ser associados à identificada emitente das facturas. E- Ora, a verdade, é que não houve qualquer simulação mas reais e verdadeiras transacções de mercadoria com o pagamento do respectivo preço, sendo certo que tais facturas continham os elementos previstos no artigo 36.º do CIVA considerando-se, portanto, passadas em forma legal como estatui o n.º 6 do dito artigo 19.º para efeitos do exercício do direito à dedução.

Com efeito, F- São, efectivamente, as facturas questionadas, verdadeiros e formais documentos que espelham, igualmente verdadeiras, operações comerciais ... com entrega dos bens e pagamento do preço respectivo.

Isto independentemente do cumprimento das obrigações e regularidade registral ou tributária da entidade emitente.

Na verdade G- A decisão formula uma errada aplicação das regras do ónus da prova, porquanto era à AT a quem cabia desde logo e antes de tudo, demonstrar que a fatura dizia respeito a uma operação simulada, como decorre do art.19º do CIVA e da presunção da veracidade das declarações dos contribuintes (cfr. Art.75º da LGT).

H- A simulação é a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos sujeitos do negócio jurídico, por acordo entre o declarante e o declaratário e com o intuito de enganar terceiros – artigo 240.º do Código Civil. Para que haja simulação é, pois, necessário que exista um acordo entre os sujeitos os sujeitos reais da operação e o interposto (interposição fictícia).

I- A declaração que a Lei exige para poder exercido o direito á dedução de IVA, presume-se verdadeira nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, quando seja apresentada nos termos regularmente previstos e os dados dela constantes se encontram inscritos na sua contabilidade ou escrita, por sua vez organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal. E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz – artº 350.º, n.º 1, do Código Civil.

J- Pelo que, quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a Administração Tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução invocando a simulação de sujeitos, não tem que demonstrar que o acordo simulatório existiu (o que seria muito difícil demonstrar, na generalidade dos casos), mas tem que reunir indicadores objetivos de que tal acordo deveria ter existido. L- No caso concreto é notório que a Administração Tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar a liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim determinar a anulação das liquidações impugnadas.

Ressalta, assim, nos termos alegados, a ilegalidade do acto tributário praticado, devendo ser anulado, por procedência do presente recurso.» 1.2. A Recorrida (Fazenda Pública), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.

1.3. Neste tribunal o Digno magistrado do Ministério Público emitiu o parecer constante de fls. 430 e 431.

1.4.

Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

Questões a decidir: As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes: Ø Saber se o tribunal recorrido errou no julgamento ao concluir que AT enunciou indícios fortes e consistentes de que a factura dizia respeito a uma operação simulada.

Ø Saber se a sentença recorrida errou no julgamento ao considerar que Administração Tributária cumpriu com o ónus da prova, pois era sobre ela que impendia a demonstração de que a factura dizia respeito a uma operação simulada – art.°s 19º do CIVA e 75º da LGT.

  1. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.2. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «Com relevância para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos, com base nos documentos juntos aos autos e constantes do processo administrativo (PA), que se dão para todos os efeitos por integralmente reproduzidos, e no depoimento da testemunha inquirida: A) Pelas Ordens de Serviço nºs OI200801747 e OI200801748200700503 de 25/08/2008 foi determinada a realização de uma inspecção à aqui Impugnante V., Lda., de âmbito parcial em sede de IVA e abrangendo os exercícios de 2004 e 2005 na sequência de procedimento inspectivo à sociedade M., Lda. em que foi constatada a existência de facturas emitidas em data posterior à dissolução e liquidação daquela (fls. 8 e 50 a 51 do PA); B) A Impugnante iniciou actividade em 11/05/1998 encontrando-se enquadrada em sede de IRC no regime geral de tributação e em sede de IVA no ano de 2004 no regime trimestral passando para o regime mensal em 01/01/2005 (fls. 9 do PA); C) A Administração Fiscal liquidou o IVA relativo aos exercícios de 2004 e 2005, não aceitando a dedução de imposto relativo a duas facturas emitidas por M., Lda., em 17/12/2004 e 23/03/2005 nos montantes de € 4 725,00 e € 3 798,10 respectivamente (fls. 4 e 6 a 7 do PA); D) fundamentando a não-aceitação de dedução de IVA das aludidas facturas, no facto da emitente das mesmas se encontra dissolvida e liquidada por escritura pública desde 21/06/2004 e cessada para efeitos de IRC e IVA desde 16/09/2004 (fls. 9 e 10 e Anexos 4 e 5 ao relatório de Inspecção a fls. 33 a 37 do PA); E) De acordo com a seguinte fundamentação: “III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL III.1 EM SEDE de IVA III.1.1. Facturas emitidas por M. Lda.

    No exercício de 2004 e 2005, a sociedade V., contabilizou duas facturas do fornecedor M. Lda., conforme discriminamos de seguida: (Anexo 1) Factura Data Fornecedor NIF Valor Líquido IVA Total 68 17-12-2004 M. Lda. 506.223.736 22.500,00€ 4.275,00€ 26.775,00 € 77 23-03-2005 M. Lda. 506.223.736 19.990,00€ 3.798,10€ 23.788,10€ O SP procedeu à dedução do IVA suportado pelas aquisições acima referidas, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 19º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), conforme extractos da Conta do Plano Oficial de Contabilidade #2432 e #2435. (Anexo 2) Aquando do preenchimento das Declarações Periódicas do IVA, a que se refere o art.º 40º do CIVA, o sujeito passivo fez incluir no campo 22 da respectiva declaração, os valores do IVA suportado pelas aquisições acima referidas. (Anexo 3) III.1.2. Situação de Facto No dia 21 de Junho de 2004, por escritura pública, o sócio único, senhor M., dissolveu e liquidou a M. Lda., por, segundo aquele, a sociedade ter deixado de exercer a sua actividade. (Anexo 4) Neste acto, o Sr. M. declara: - ser o único sócio da sociedade; - que a sociedade deixou de exercer a actividade; - que tendo resolvido dissolver a sociedade, pela presente escritura, a dissolve e liquida para todos os efeitos legais, não havendo lugar à partilha por ter declarado não haver qualquer activo ou passivo; - que as contas foram aprovadas e encerradas nesta data.

    Em 15 de Setembro de 2004, procedeu à cessação da actividade, para efeitos de IVA e de IRC.

    Tal acto foi registado na Conservatória do Registo Comercial de (...) pela apresentação n.º 16, do dia 16 de Setembro de 2004, tendo, assim a sociedade cessado a sua existência enquanto pessoa colectiva. (Anexo 5) III.1.3. Situação de Direito A factura emitida em nome da sociedade M. Lda., para a sociedade V., tem data posterior à sua dissolução e liquidação.

    Os procedimentos efectuados pelo sócio e gerente da empresa...

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